10/11/2023

Justiça determina que município de Florianópolis construa Casa de Passagem indígena no antigo Tisac

O local, que é utilizado provisoriamente desde 2016 por famílias dos povos Kaingang, Xokleng e Guarani, segue negligenciado pelo município catarinense, União e Funai

Antigo Tisac Saco dos Limões, em Florianópolis (SC) é ocupado, desde 2016, por famílias dos povos Kaingang, Xokleng e Guarani. Foto: Sadraque Kaingang

Por Marina Oliveira, da Assessoria de Comunicação do Cimi

No mês de outubro, a Justiça Federal do estado de Santa Catarina determinou que o município de Florianópolis (SC) inicie, no prazo de 90 dias, as adaptações no antigo Terminal Rodoviário Saco dos Limões (Tisac), conforme projeto elaborado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) para a instalação da Casa de Passagem dos indígenas. Caso a decisão não seja cumprida, a cidade catarinense deverá arcar com uma multa no valor de R$350.000,00.

Desde 2016, o espaço é ocupado por famílias dos povos Kaingang, Xokleng e Guarani, da região Sul do país, que passam pela cidade em busca de melhores condições de vida – principalmente por meio da comercialização de artesanatos. O local é utilizado, provisoriamente, até que a prefeitura de Florianópolis providencie a construção da  Casa. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) atua como amicus curiae no caso.

Na avaliação de Irene Maestro Sarrion dos Santos Guimarães, advogada e assessora jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul, a decisão é positiva. “É importante, porque existe um longo histórico de omissão da municipalidade e de descumprimento de determinações judiciais e de compromissos firmados”.

“Existe um longo histórico de omissão da municipalidade e de descumprimento de determinações judiciais e de compromissos firmados”

Indígenas do povo Kaingang utilizam o antigo Tisac até que a prefeitura cumpra com a construção da Casa de Passagem, em Florianópolis. Foto: Cimi Regional Sul

Um trecho dessa última decisão complementa a fala da advogada: “a situação da casa provisória de passagem tornou-se um grave problema social, considerando que idosos, crianças e mulheres indígenas vivem em condições precárias. O que era para ser provisório está se tornando definitivo ante a total falta de interesse do Município em resolver a questão da construção da Casa de Passagem”.

Cleber Buzatto, integrante da equipe Florianópolis, do Cimi Regional Sul, acompanha de perto a luta dos indígenas no local e também considera de grande importância a decisão judicial em questão. “Reafirma um direito fundamental dos povos indígenas e expõe a inoperância da prefeitura de Florianópolis no caso”, afirma o missionário. 

“[A decisão] expõe a inoperância da prefeitura de Florianópolis no caso”

Para integrantes do Cimi Regional Sul, a decisão da Justiça Federal de Santa Catarina é importante para reafirmar os direitos originários. Foto: Sadraque Kaingang

Imóvel cedido

Há um pouco mais de quatro anos, em 2 agosto de 2019, mediante ratificação da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), foi assinado um contrato de cessão do uso gratuito de um terreno localizado no bairro Saco dos Limões, em Florianópolis (SC), destinado à implantação da Casa de Passagem para acolher os indígenas. A prefeitura de Florianópolis recebeu o terreno com o compromisso de construir a Casa de Passagem indígena no local em um prazo de 24 meses, contados a partir da data da assinatura do contrato. 

No entanto, não houve qualquer iniciativa para que isso se concretizasse, o que, ainda de acordo com a decisão, “demonstra a falta de interesse político em construir a Casa de Passagem no espaço cedido”.

“Demonstra a falta de interesse político em construir a Casa de Passagem no espaço cedido”

Antigo Terminal Rodoviária Saco dos Limões, em Florianópolis, abriga famílias dos povos Kaingang, Xokleng e Guarani provisoriamente. Foto: Cimi Regional Sul

Assim, os indígenas seguem, há mais de sete anos, no antigo Tisac sob precárias condições, já que os reparos realizados pelo município são considerados “insuficientes” conforme a última decisão.

Inicialmente, a permanência dos indígenas no antigo terminal era para ser até o dia 30 de maio de 2019: a prefeitura de Florianópolis havia se comprometido a construir um espaço definitivo até o dia 1º de julho de 2019. Apesar das diversas audiências de conciliação para sanar o problema, o contexto segue negligenciado.

 

Longo histórico

Em 2016, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou Ação Civil Pública contra a União, a Funai, o estado de Santa Catarina e o município de Florianópolis, solicitando a construção do espaço para acolher os indígenas.

Já em setembro de 2017, a sentença da Justiça Federal acatou os pedidos e ainda determinou a criação de um Grupo de Trabalho (GT) – mediante fiscalização do MPF – para definir como seria a construção da Casa de Passagem.

De acordo com o MPF, “como resultado, foi firmado Termo de Compromisso com o município, que assumiu a obrigação de disponibilizar estruturas provisórias, já na temporada 2018/2019 no local do Tisac, e iniciar a implantação da Casa de Passagem definitiva ainda em 2019 – em terreno cedido pela União ao lado do abrigo provisório”. A prefeitura não cumpriu com o compromisso e ainda permitiu que o Tisac fosse utilizado, em 2020, como depósito de lixo.

Hoje cerca de treze famílias ocupam o Tisac, sendo que outras passam pelo local em épocas de maior movimento, como o verão. Inclusive, neste momento, outras pessoas chegaram ao local para passar a temporada: agora são 28 famílias – ao todo, cerca de 100 indígenas. O espaço foi batizado com o nome de Goy Tsá.

 

Expectativa

As famílias indígenas que ocupam provisoriamente o antigo Tisac do Saco dos Limões, como forma de pressionar a prefeitura de Florianópolis a cumprir as determinações judiciais, esperam que a construção da Casa de Passagem inicie, de fato, dentro do novo prazo determinado pela Justiça Federal.

“A expectativa é que, finalmente, a prefeitura respeite o Judiciário e os povos indígenas”

Sadraq Kaingang, membro da comissão dos povos indígenas que lutam pela construção deste espaço, afirma que  “a expectativa é que, finalmente, a prefeitura respeite o Judiciário e os povos indígenas, cumpra a decisão da Justiça e inicie as obras”.

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