TRF-3 suspende decisão que permitia plantio e colheita de fazendeiro em retomada Guarani Kaiowá
O pedido do fazendeiro havia sido deferido sob a condição de que a ação não causasse prejuízos aos indígenas; TRF-3 aponta riscos de novos conflitos entre indígenas e fazendeiro
Há décadas, os Guarani e Kaiowá, do estado de Mato Grosso do Sul, vivem sob a sombra da incerteza do que terão que enfrentar a cada alvorecer. Cercados pelas espinhosas cercas do agronegócio, os indígenas lutam contra as constantes ameaças de policiais, fazendeiros da região e políticos, contra o veneno despejado sobre as moradias e a fome que assola, por anos, as comunidades do povo.
No território Laranjeira Nhanderu, localizado no município de Rio Brilhante (MS), a situação não é diferente. Os Guarani e Kaiowá desse tekoha – lugar onde se é – pelejam para garantir uma vida digna, assim como prevê a Constituição Federal de 1988. Em março de 2023, pela segunda vez, os indígenas retomaram uma parte de seu território ancestral, sobreposta pela Fazenda Inho. A primeira tentativa havia sido em fevereiro de 2022.
Mas, para isso, é necessário enfrentar invasores – fazendeiros que se instalaram na região – e a própria força policial do estado de Mato Grosso do Sul. Em meio a plantações de milho e cana-de-açúcar regadas a agrotóxicos, os indígenas de Laranjeira Nhanderu tentam manter, desde a última retomada, um espaço dedicado às roças tradicionais.
“Em meio a plantações de milho e cana-de-açúcar regadas a agrotóxicos, os indígenas tentam manter um espaço dedicado às roças tradicionais”
No último mês, no dia 4 de setembro, a Justiça Federal da 3ª Região deferiu o requerimento de colheita e retirada do milho plantado na fazenda Inho, em espaços não ocupados pelos indígenas, “desde que a ação ocorra sem causar prejuízo ou impor deslocamento dos alojamentos e índios lá presentes”. Tratores já estavam, a todo vapor, colhendo as plantações do fazendeiro.
“Essa é uma comunidade que passou fome por muito tempo, que não teve a chance de garantir sua soberania alimentar, porque sempre despejaram veneno sobre ela. Agora, pela primeira vez depois de muitos anos, estavam conseguindo iniciar o processo de plantio. Sabemos que tudo que fizerem ali vai afetar a comunidade. Eles [fazendeiros] estão no perímetro, muito próximo aos indígenas”, explica Matias Benno, coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Mato Grosso do Sul.
“Essa é uma comunidade que passou fome por muito tempo, que não teve a chance de garantir sua soberania alimentar, porque sempre despejaram veneno sobre ela”
Mas uma nova decisão, da desembargadora federal Renata Lotufo, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), determinou a suspensão da resolução da Justiça Federal da 3ª Região – em um prazo de 45 dias, contados a partir do dia 5 de outubro de 2023. Ainda dentro desse prazo, o juiz responsável pela primeira decisão e o Ministério Público Federal (MPF) deverão ser escutados pela desembargadora – o que poderá ser determinante para um desfecho do caso.
“O deferimento do pedido de exploração da terra, formulado pelo mesmo autor que teve seu pedido de reintegração indeferido, numa análise preliminar, não encontra plausibilidade jurídica, repercutindo na possibilidade de maior conflito entre as partes, ao intensificar e prolongar a oposição entre elas, uma vez que do plantio decorrerão atos subsequentes”, afirma a desembargadora em texto da decisão.
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) deverá acompanhar, por decisão do TRF-3, “o processo de colheita ou outra providência necessária à exploração da área desocupada, a fim de promover o diálogo e auxiliar na logística da exploração da terra, de forma a tutelar o interesse dos índios presentes no local, desde que notificada previamente pelo autor”.
Além disso, a equipe do Cimi Regional Mato Grosso do Sul seguirá acompanhando o caso e prestando o apoio necessário aos Guarani e Kaiowá de Laranjeira Nhanderu.