06/10/2023

Na ONU, organizações indigenistas chamam atenção para violações aos direitos indígenas no sistema de justiça criminal

O Cimi, em conjunto com outras organizações da América Latina, como o CEPIADET, realizou a denúncia durante a 54ª sessão do CDH da ONU

Viviane Balbuglio, advogada do Instituto das Irmãs da Santa Cruz (IISC) e assessora jurídica do Cimi. Foto: Equipe de Incidência Internacional do Cimi

Viviane Balbuglio, advogada do Instituto das Irmãs da Santa Cruz (IISC) e assessora jurídica do Cimi. Foto: Equipe de Incidência Internacional do Cimi

Por Adi Spezia, da Assessoria de Comunicação do Cimi

Em declaração conjunta, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o Centro Professional Indígena de Assessoria, Defesa e Tradução do México (CEPIADET) e outras organizações da América Latina chamam a atenção para o sistema de justiça criminal e para o tratamento penal e prisional reservado às pessoas indígenas no Brasil, na Bolívia, na Colômbia e no México.

As denúncias formam realizadas durante a 54ª sessão do Conselho de Direitos Humanos (CDH) da Organização das Nações Unidas (ONU), que está sendo realizado até a próxima sexta-feira (13), em Genebra, na Suíça. Viviane Balbuglio, advogada do programa de assessoramento, defesa e garantia de direitos do Instituto das Irmãs da Santa Cruz (IISC) e assessora jurídica do Cimi em âmbito nacional, deu voz às denúncias no painel destinado ao debate sobre detenções arbitrárias indígenas.

O objetivo é chamar a atenção e denunciar as detenções e encarceramentos arbitrários de povos indígenas na América Latina, em especial no Brasil, Bolívia, Colômbia e México. Por essa razão, “destacamos o desrespeito e a falta de promoção do exercício da jurisdição indígena em nossos países”, denunciou Viviane.

“O objetivo é chamar a atenção e denunciar as detenções e encarceramentos arbitrários de povos indígenas na América Latina”

Em artigo publicado no relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2022, Viviane, Caroline Dias Hilgert e Michael Mary Nolan lembram que a Constituição Federal de 1988 – que nesta semana (05/10) completou 35 anos de sua promulgação – rompeu com o tratamento integracionista no acesso dos povos indígenas a direitos e deu lugar a normativas baseadas na multiculturalidade e na autonomia dos povos. Porém, vemos o integracionismo ser retomado diariamente pelo poder Judiciário em todas as instâncias. Isso porque, no âmbito das instituições que compõem a justiça criminal brasileira, o tratamento jurídico-penal reservado às pessoas indígenas de modo geral caminha a partir da consolidação de pautas anti-indígenas, listam as autoras.

À ONU, Viviane trouxe à tona “a falta de priorização da aplicação de medidas alternativas ao encarceramento das pessoas indígenas e a falta de perspectiva intercultural dentro do sistema de justiça criminal, tanto em relação às garantias judiciais exigidas em todas as etapas do procedimento criminal como na execução da pena, além da violência policial que enfrentam nas prisões”.

“O tratamento jurídico-penal reservado às pessoas indígenas de modo geral caminha a partir da consolidação de pautas anti-indígenas”

Ilustração da cartilha Povos Indígenas em Conflito com a Lei. Imagem: Detalhe da publicação, ilustrada por Otto Mendes/Cimi

Ilustração da cartilha Povos Indígenas em Conflito com a Lei. Imagem: Detalhe da publicação, ilustrada por Otto Mendes/Cimi

Com frequência o encarceramento de pessoas indígenas tem sido um recurso adotado para a criminalização das lutas dos povos por seus direitos, em especial o direito à terra. Um levantamento realizado periodicamente pelo Instituto das Irmãs da Santa Cruz em parceria com o Cimi, a partir da mobilização dos mecanismos da Lei de Acesso à Informação (LAI), revelam números alarmantes sobre prisões de pessoas indígenas no Brasil, apesar dos esforços do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ao tema.

Em 2022, foram registrados 1.028 casos de pessoas indígenas presas no Brasil: 965 são homens e 63 mulheres. Os estados que mais registrou-se casos são: Mato Grosso do Sul, com 383 casos; Roraima, com 230 casos; e o Rio Grande do Sul, com 101 casos. Importante destacar que os estados do Amapá, Paraíba, Pernambuco e Tocantins responderam o pedido de informações, mas alegaram não poder apresentar os dados solicitados pelo IISC e Cimi, por meio da LAI. Estes dados vêm sendo publicados, anualmente, no relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, do Cimi.

“Com frequência o encarceramento de pessoas indígenas tem sido um recurso adotado para a criminalização das lutas dos povos por seus direitos”

Frente a estes dados, a assessora jurídica do Cimi e do IISC afirma ser “urgente abordar o reconhecimento e o respeito da jurisdição indígena e a falta de perspectiva intercultural no sistema de justiça criminal na Bolívia, no Brasil, na Colômbia e no México”.

Antes de finalizar a contribuição conjunta à 54ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, Viviane reforça que essas medidas “têm impactos sobre as pessoas e os povos indígenas da região”.

O Conselho de Direitos Humanos é um órgão intergovernamental dentro do sistema das Nações Unidas composto por 47 Estados-membros, entre eles o Brasil, responsáveis ​​pela promoção e proteção de todos os direitos humanos em todo o mundo. O CDH foi criado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2006 com o objetivo de abordar situações de violações dos direitos humanos e fazer recomendações sobre elas.

“É urgente abordar o reconhecimento e o respeito da jurisdição indígena e a falta de perspectiva intercultural no sistema de justiça criminal”

 

Confira o discurso na íntegra:

Através do Conselho Indígena Missionário, organização que luta pelos direitos dos povos indígenas no Brasil, em aliança com outras organizações localizadas na América Latina, como o CEPIADET – Centro Professional Indígena de Assessoria, Defesa e Tradução do México, viemos, através deste vídeo, chamar a atenção e denunciar as detenções e encarceramentos arbitrários de povos indígenas em nossos países. Em síntese, destacamos o desrespeito e a falta de promoção do exercício da jurisdição indígena em nossos países; bem como a falta de priorização da aplicação de medidas alternativas ao encarceramento das pessoas indígenas e a falta de perspectiva intercultural dentro do sistema de justiça criminal, tanto em relação às garantias judiciais exigidas em todas as etapas do procedimento criminal como na execução da pena e da violência policial que enfrentam nas prisões.

É urgente abordar o reconhecimento e o respeito da jurisdição indígena e a falta de perspectiva intercultural no sistema de justiça criminal na Bolívia, no Brasil, na Colômbia e no México; que têm impactos sobre as pessoas e os povos indígenas da região.

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