18/08/2023

Com cocares, chapéus e lenços coloridos, mais de 100 mil mulheres ocuparam as ruas da capital federal nesta quarta-feira (16)

Mulheres rurais, urbanas, indígenas, negras, quilombolas, ribeirinhas, sem-terra, extrativistas e da comunidade LGBTQIA+ somaram-se para a 7ª edição da Marcha das Margaridas

Aproximadamente 100.200 mulheres ocuparam a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, durante a 7ª edição da Marcha das Margaridas. Foto: Verônica Holanda/Cimi

Por Adi Spezia e Verônica Holanda, da Assessoria de Comunicação do Cimi

Na cabeça, cocares, chapéus e lenços coloridos. Punhos cerrados e cartazes nas mãos, aproximadamente 100.200 mulheres ocuparam a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, nesta quarta-feira (16), durante a 7ª edição da Marcha das Margaridas. O evento de dois dias, 15 e 16 de agosto, reuniu mulheres brasileiras do campo, da floresta, das águas e das cidades, além de representantes de 33 países, na luta por seus direitos.

Com o lema “Pela reconstrução do Brasil e pelo Bem Viver”, a Marcha é coordenada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), federações e sindicatos filiados, e 16 organizações parceiras. Realizada a cada quatro anos, a Marcha das Margaridas completa, nesta edição, 23 anos de existência e resistência.

Uma das coordenadoras da Marcha das Margaridas e secretária de Mulheres da Contag, Mazé Morais, conta que essa marcha tem um significado muito grande para o movimento. “Foram quatro anos, muitas reuniões, muitas conversas nos roçados, nas beiras dos rios, para hoje estarmos aqui”. Ao falar sobre a construção da marcha de 2023 em comparação à marcha de 2019, afirma que “[a de 2019] foi a marcha da resistência, essa [de 2023] é a da reconstrução do Brasil e do bem viver”.

“Foram quatro anos, muitas reuniões, muitas conversas nos roçados, nas beiras dos rios, para hoje estarmos aqui”

A Marcha das Margaridas reuniu mulheres do campo, da floresta, das águas e das cidades. Foto: Adi Spezia/Cimi

Durante a abertura da Marcha, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, ressaltou a importância da presença de mulheres demarcando diversos espaços do poder público. “Estamos juntas para garantir que outras mulheres possam dar continuidade a essa participação, cada vez com mais força das mulheres nesses espaços. E vamos juntas seguir dizendo nunca mais um Brasil sem nós. Sem nós mulheres indígenas, sem nós mulheres pretas, sem nós mulheres da periferia, sem nós mulheres das águas, do campo e da floresta”.

Ela destacou também a necessidade de manter vivo o diálogo sobre a crise climática e a preservação da biodiversidade brasileira. “Nós não podemos ignorar que nós estamos vivendo, neste momento, o segundo mês mais quente de nossa história mundial. Nós não podemos negar a emergência climática que o mundo vive hoje. Não podemos negar que nós estamos, sim, num novo momento”.

O enceramento da marcha contou com a presença do presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, que discursou emocionado aos manifestantes ao relembrar a Marcha de 2019, da qual não participou por estar preso em Curitiba. Assinou oito decretos e fez anúncios em resposta à pauta da mobilização, destacando a participação feminina em seu Governo. “Prioridades definidas por vocês, demandas que temos o prazer de atender, para que as mulheres do campo, floresta e águas possam viver com dignidade, tendo assegurados seus direitos civis, políticos e sociais”.

“Estamos juntas para garantir que outras mulheres possam dar continuidade a essa participação”

A Marcha das Margaridas é construída de forma coletiva, e propõe um Brasil sem violência, onde a democracia e a soberania popular sejam respeitadas. Foto: Verônica Holanda/Cimi

A secretária de Mulheres da Contag reforça que “a lindeza da Marcha não é só esse momento de coroação de todo o processo de formação e mobilização que fizemos na base. Foram muitos momentos, nossa pauta foi construída coletivamente com a Comissão e várias organizações parceiras, essa que é a lindeza da Marcha. Tenho certeza que não somos somente 100 ou 200 mil mulheres”. Mazé também destacou bandeiras importantes para as mulheres do campo, da floresta e das águas.

As chamadas “Margaridas” trazem em um documento, entregue ao governo federal, os anseios, os quereres e as prioridades de mulheres rurais, urbanas, indígenas, quilombolas, ribeirinhas, sem-terra, extrativistas, e da comunidade LGBTQIA+. As pautas estão organizadas em 13 eixos temáticos:

– Democracia participativa e soberania popular;
– Poder e participação política das mulheres;
– Vida livre de todas as formas de violência, sem racismo e sem sexismo;
– Autonomia e liberdade das mulheres sobre o seu corpo e a sua sexualidade;
– Proteção da Natureza com justiça ambiental e climática;
– Autodeterminação dos povos, com soberania alimentar, hídrica e energética;
– Democratização do acesso à terra e garantia dos direitos territoriais e dos maretórios;
– Direito de acesso e uso da biodiversidade, defesa dos bens comuns;
– Vida saudável com agroecologia e segurança alimentar e nutricional;
– Autonomia econômica, inclusão produtiva, trabalho e renda;
– Saúde, Previdência e Assistência Social pública, universal e solidária;
– Educação Pública não sexista e antirracista e direito à educação do e no campo;
– Universalização do acesso à internet e inclusão digital.

“Nossa pauta foi construída coletivamente com a Comissão e várias organizações parceiras, essa que é a lindeza da Marcha”

Durante a Marcha das Margaridas, mulheres indígenas manifestaram-se contra a tese do Marco Temporal. Foto: Adi Spezia/Cimi

A Marcha das Margaridas tem sido um caminhar coletivo: um projeto que propõe um Brasil sem violência, onde a democracia e a soberania popular sejam respeitadas, a partir de relações justas e igualitárias, baseadas em relações sociais pautadas nos valores da ética, solidariedade, reciprocidade, justiça e respeito à natureza e ao bem viver.

Quem foi Margarida Alves, a mulher que inspira tantas outras

“É melhor morrer na luta, do que morrer de fome”. As palavras são Margarida Maria Alves, em seu do discurso na comemoração do 1º de maio de 1983, em Sapé, Paraíba. Quarenta anos depois de seu assassinato, Margarida Alves agora tem seu nome escrito no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”. Durante o encerramento da edição deste ano, o presidente Lula sancionou a Lei 14.649, de 2023, publicada na edição do Diário Oficial da União desta quinta-feira (17).

Símbolo de resistência, “mulher, camponesa, sindicalista, militante e feminista (a seu modo)”, como a descreve Ana Paula Romão de Souza Ferreira em seu livro “Margarida, Margaridas: Memória de Margarida Maria Alves (1933-1983) através das Práticas Educativas das Margaridas”.

“É melhor morrer na luta, do que morrer de fome”

Margarida discursa para trabalhadoras e trabalhadores rurais no 1º de maio. Foto: reprodução.

Brasileira sindicalista e defensora dos direitos humanos, Margarida Alves nasceu em Alagoa Grande (PB), em 5 de agosto de 1933. Ainda na infância, a caçula de nove irmãos enfrentou, com sua família, a triste e dolorosa experiência de ser expulsa de suas terras por latifundiários.

Sua trajetória de lutas é marcada por pautas como a contratação com carteira assinada, pagamento do décimo terceiro salário aos trabalhadores rurais, direito de trabalhadoras e trabalhadores de cultivar suas terras, educação para seus filhos e filhas, e o fim do trabalho infantil no corte de cana.

Seu nome é símbolo também da luta pela igualdade de direitos para as mulheres do campo. Margarida foi uma das primeiras mulheres a exercer um cargo de direção sindical no país. Por sua luta, foi brutalmente assassinada em 12 de agosto de 1983, aos 50 anos, na porta de sua casa, na frente do único filho e do marido. O crime, claramente político, segue impune, porém seu legado permanece vivo. Como afirmam as mulheres que constroem a Marcha, “Eles não sabiam que Margarida era semente”.

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