Fazendeiro avança sobre Guyraroká, território protegido pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos
Fazendeiro diminuiu, ainda mais, a distância da cerca em relação à uma escola da comunidade Guarani Kaiowá, em Caarapó (MS)
“Não entramos em confronto, sabemos que a terra é nossa. Se irmos para cima, nós quem vamos perder como sempre, porque dinheiro compra tudo”. A exaustão, perceptível na fala da liderança Guarani Kaiowá – que terá a identidade preservada ao longo desta matéria –, revela o longo histórico de ataques cometidos por fazendeiros e aliados contra a comunidade Guyraroká, em Caarapó (MS).
Na última semana, os indígenas foram surpreendidos com mais uma violação orquestrada pelo proprietário da fazenda Remanso II, instalada ao lado do território Guyraroká. Sob ordem do fazendeiro, foi reduzida a distância da cerca em relação à uma escola da comunidade.
Agora, a menos de 50 metros da divisa com a propriedade, crianças, funcionários da escola e a própria comunidade ficam cada vez mais espremidos em meio às plantações de soja e milho – regadas a agrotóxicos. A ação foi flagrada e registrada, por meio de vídeos, pelos indígenas. Essa situação já foi objeto de incontáveis denúncias feitas nos âmbitos nacional e internacional.
De acordo com a liderança mencionada no início desta matéria, o uso constante e excessivo do veneno está fragilizando a saúde da comunidade. “Estamos adoecendo facilmente. Agora mesmo, com esse frio que está fazendo, piora. Estamos com tosse, principalmente as crianças, porque respiramos esse ar contaminado por agrotóxicos. E isso vai matando, aos poucos, a proteção de nossos corpos, os animais, as plantas”, lamentou.
“Isso vai matando, aos poucos, a proteção de nossos corpos, os animais, as plantas”
Ao Conselho Indigenista Missionário, a liderança Guarani Kaiowá falou também sobre as constantes ameaças sofridas pelos indígenas.
“O conflito existe desde sempre. Estamos em uma terra que eles acham que é deles [fazendeiros e aliados], então isso gera conflito. Desmatam tudo e nos proíbem de pescar e buscar lenha. Já tentei resolver com funcionários da fazenda, mas dizem que só é possível resolver com o proprietário. Não podemos agir contra eles, são muitos e estão crescendo bastante. Eles andam armados, então não podemos avançar. Se avançarmos, perdemos o nosso direito, ou então a própria vida. Agimos conforme a Justiça”, afirma.
“Se avançarmos, perdemos o nosso direito, ou então a própria vida. Agimos conforme a Justiça”
Não é a primeira vez
Essa não é a primeira vez que o fazendeiro avança sobre Guyraroká, território protegido pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Em 2019, a comunidade foi envenenada por uma nuvem de pesticida e cal, despejada na fazenda Remanso II. Naquele mesmo momento, havia crianças fazendo refeição na escola – sendo as primeiras atingidas pelo pó venenoso.
“Em 2019, a comunidade foi envenenada por uma nuvem de pesticida e cal, despejada na fazenda Remanso II”
No episódio, os moradores de Guyraroká tiveram quadros de náusea, diarreia e fortes dores de cabeça. Além disso, alguns animais dos indígenas – entre eles, cachorros e galinhas – morreram envenenados.
No dia 10 maio deste ano, a subsecretária-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) e assessora especial para Prevenção do Genocídio, Alice Wairimu Nderitu, visitou a comunidade e pôde constatar a drástica situação vivida, diariamente, pelos Guarani Kaiowá.
“Os moradores de Guyraroká tiveram quadros de náusea, diarreia e fortes dores de cabeça“
Guyraroká
Desde 2014, o povo Guarani Kaiowá se mobiliza para garantir a demarcação do tekoha – lugar onde se é – Guyraroká. As mais de 20 famílias da aldeia vivem hoje em uma área de apenas 55 hectares, uma pequena parcela dos 11 mil hectares já identificados e delimitados pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), em 2004, e declarados como de ocupação tradicional indígena pelo Ministério da Justiça (MJ), em 2009.
O novo pedido de vista – desta vez feito pelo ministro André Mendonça –, que paralisou o julgamento sobre o caso de repercussão geral sobre direitos originários, no Supremo Tribunal Federal, inviabiliza a demarcação do território dos Guarani Kaiowá, expondo os indígenas a esses recorrentes tipos de ataques e violações cometidos pelo agronegócio e setores da economia interessados na exploração predatória dos territórios indígenas.