29/05/2023

Artigo: Ingredientes da Governabilidade

Neste artigo, Roberto Liebgott, analisa como “o governo, não se importa muito com as crises envolvendo os temas ambientais, indígenas e quilombolas”

Marcha Demarcação Já, durante o ATL 2022. Foto: Ângelo Terena/Mídia Índia

Marcha Demarcação Já, durante o ATL 2022. Foto: Ângelo Terena/Mídia Índia

Por Roberto Liebgott, do Cimi Regional Sul

Parece ironia, mas não é. O governo brasileiro, dada sua fragilidade no campo político e econômico, vem apontando, como alternativa, para obter maior popularidade e aceitação, a oferta, com redução de impostos, de carros populares, picanha/carne e cerveja.

A tática é simples e vai facilitar o acesso aos bens de consumo, alimentos e bebidas. O carro popular, por exemplo, pode ser um bem acessível às pessoas de classe média baixa e, com isso, se injeta dinheiro nas fábricas, montadoras e concessionárias.

“A tática é simples e vai facilitar o acesso aos bens de consumo, alimentos e bebidas”

A tão falada picanha, pode ser entendida como uma expressão de linguagem, já que a intenção, na prática, é baratear o preço da carne, ampliando o consumo e garantindo lucratividade aos frigoríficos e ao agronegócio.

E a cervejinha? Quem não gosta dela num churrasquinho no final de semana? A estratégia é a mesma da picanha, promove-se o consumo, barateando o preço e, com isso, se favorece as indústrias de bebidas a auferir mais lucros.

E, enquanto rolam as disputas – macro e periféricas – por cargos, poder e privilégios, o governo joga o jogo da governança e negocia – junto aos empresários do agronegócio, madeireiros, mineradores e corporações de energias – direitos já adquiridos, inclusive dos povos indígenas, quilombolas e do meio ambiente.

“Rolam as disputas por cargos, poder e privilégios, o governo joga o jogo da governança e negocia”

O presidente da República, quando discursa, passa a impressão de que relativiza a força do Centrão no Congresso Nacional e as articulações dos extremistas, mas conta, para exercer o controle, com a astúcia de Flávio Dino e Alexandre de Moraes.

No parlamento negocia-se tudo com o presidente da Câmara, Arthur Lira, beneficiando-o mediante a liberação de emendas parlamentares e a disponibilização de cargos de primeiro, segundo e até terceiro escalão. Isso tudo enquanto ele permanecer na presidência da Câmara dos Deputados, já que, em menos de dois anos, haverá escolha da nova mesa diretora.

O ministro Haddad é o fiel guarda-costas do mercado. Ele cuida dos negócios, satisfaz a lucratividade do sistema financeiro e mantém os banqueiros no topo da pirâmide econômica.

Os ministros das Minas e Energia e Agricultura promovem o serviço de estimular a abertura dos territórios indígenas, quilombolas, nos quais se darão a exploração predatória da natureza e da terra. É através dela que propagam a saga do lucro farto e fácil aos ruralistas e mineradoras, por exemplo, que usam, abusam e vendem as riquezas da terra sem protegê-la.

“Os ministros das Minas e Energia e Agricultura promovem o serviço de estimular a abertura dos territórios indígenas”

Nas relações internacionais há boa diplomacia do governo, que segue as narrativas do sistema ONU, mas, para além disso, se coloca como aquele que deseja negociar as relações de paz e justiça entre as nações. Essa postura agrada alguns, desagrada outros e provoca risos irônicos em muitos.

O governo, não se importa muito com as crises envolvendo os temas ambientais, indígenas e quilombolas. E, quando elas acontecem, acaba lançando na berlinda, sem diálogo, as ministras Marina Silva e Sônia Guajajara e os demais integrantes dos ministérios. Há, pelos discursos de integrantes do governo, a ideia da saudável divergência de opiniões em relação à estes temas e, com ela, se promove a flexibilização das garantias e preceitos fundamentais inscritos na Constituição Federal, como a demarcação das terras.

“O governo, não se importa muito com as crises envolvendo os temas ambientais, indígenas e quilombolas”

A era do governo Lula III tem a peculiaridade de suceder a uma aberração – Bolsonaro -, ou seja, nada que se fizer de ruim agora será pior, ou mais grave, em relação ao que se praticou no governo passado. E essa ideia torna-se tão predominante que dificulta avaliações e críticas aos erros e às práticas que desrespeitam os direitos das pessoas, comunidades e povos.

Ao que parece, no Brasil, apesar de alguns avanços, a governança se dará a partir da coalizão de interesses dos mais ricos em detrimento dos pobres, que irão almejar comida na mesa, escola pros filhos, emprego. E, se der, por que não?, sonhar com um carro popular, em comer uma picanha e beber uma boa cervejinha.

Os ricos, nesse contexto todo, se tronarão, inevitavelmente, bem mais ricos.

Porto Alegre, 28 de maio de 2023.

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