Comunidade Kurupi volta a ser alvo de ataques de funcionário da fazenda Tejuy
Funcionário da propriedade rural sobreposta ao tekoha do povo Guarani Kaiowá derruba barracão de reuniões e é impedido por indígenas de realizar novo ataque
Por Maiara Dourado, da Assessoria da Comunicação do Cimi
No último sábado (15), funcionários da fazenda Tejuy atentaram, mais uma vez, contra a comunidade Guarani Kaiowá do tekoha Kurupi. O ataque se deu na madrugada daquela noite e resultou na demolição de um dos barracões do tekoha – “o lugar onde se é” para o povo Guarani e Kaiowá – localizado no município de Naviraí, no Mato Grosso do Sul.
O espaço, utilizado para reuniões dos indígenas, foi demolido pelo trator de um funcionário da fazenda, que fica sobreposta à terra tradicional Guarani e Kaiowá e encontra-se arrendada para plantio de cana de açúcar. Os destroços do barraco foram enterrados pelo tratorista, com a intenção de ocultar provas da atividade criminosa.
“O espaço, utilizado para reuniões dos indígenas, foi demolido pelo trator de um funcionário da fazenda”
O tratorista, supostamente, era encarregado de gradear a terra – técnica agrícola que se vale de grandes máquinas para preparar o solo – para o plantio de cana. Na mesma noite do ataque, ele teria ido embora, mas retornado com a intenção de derrubar outra habitação da comunidade. A demolição só não ocorreu porque foi impedida pelos indígenas, que detiveram a ação do funcionário da fazenda.
“Eles derrubaram o barraco, enterraram ele naquela noite e foram embora no sentido da fazenda, mas aí eles voltaram, vieram [de forma] ameaçadora para atacar a comunidade. Foi nesse período que a comunidade avançou”, explicou Kunumi Vera’ju, morador do tekoha Kurupi.
“Eles derrubaram o barraco, enterraram ele naquela noite e foram embora no sentido da fazenda, mas aí eles voltaram”
Se os indígenas não agissem, explica Kunumi, os funcionários da fazenda “iriam derrubar tudo”. Na circunstância, “a comunidade resolveu entrar em ação e nós detivemos esse pistoleiro para poder entregar para a polícia”.
No amanhecer do dia, a Polícia Militar (PM) formou um cerco a fim de entrar sem ordem judicial na comunidade. Esse tipo de conduta tem se tornado cada vez mais recorrente por parte da PM da região. “A Polícia Militar queria entrar à força, não queria respeitar o território Kurupi. Nós respeitamos a cidade deles, eles têm que respeitar a nossa terra também. Eles vão ter que aprender a respeitar nosso povo Guarani Kaiowá”, exige Kunumi Vera’ju.
“A Polícia Militar queria entrar à força, não queria respeitar o território Kurupi”
A forma ilegal como a PM vem atuando contra o povo Guarani e Kaiowá tem gerado um clima de medo e insegurança entre os indígenas, que em razão disso, têm resistido. Para a retirada do tratorista invasor do território Guarani e Kaiowá, a comunidade exigiu a presença da Polícia Federal (PF), que no mesmo dia compareceu no local do ataque, conduzindo-o para fora do território.
Ataques sistemáticos
Esse tipo de ataque em que casas são derrubadas e enterradas já é prática conhecida pela comunidade de Kurupi. Em reportagens passadas, foram relatados outros casos de funcionários da fazenda Tejuy que avançaram com tratores contra a comunidade. A constância desses ataques apenas denota a violência sistemática investida contra o povo Guarani e Kaiowá.
Desde a retomada da parte de sua terra à qual a fazenda Tejuy está sobreposta, em junho do ano passado, esses ataques têm se intensificado. Mas como relatado por Kunumi Vera’ju, “o território Kurupi está sofrendo ameaça não é de agora”.
“o território Kurupi está sofrendo ameaça não é de agora”
Há pelo menos uma década a comunidade Kurupi vive de acampamento em acampamento na beira da BR-163. “Desde então eles nunca pararam de sofrer violência”, explica Matias Benno, coordenador do Conselho Indigenista Missionário – Cimi Regional Mato Grosso do Sul.
“A comunidade teve um acampamento queimado por pelo menos três vezes, sofreram tortura, ataque, ameaças, pressões e disparos. Recentemente, o que era feito pelos fazendeiros passou a ser feito pelas forças de segurança de maneira completamente ilegal, algo que está acontecendo também de modo geral” com comunidades indígenas de todo o estado do Mato Grosso do Sul, explica o coordenador do Cimi.
“A comunidade teve um acampamento queimado por pelo menos três vezes, sofreram tortura, ataque, ameaças, pressões e disparos”
O tekoha Kurupi, localizado dentro da Terra Indígena (TI) Dourados-Amambai Pegua II, encontra-se, há anos, com seu processo de demarcação travado, o que coloca os indígenas em um contexto cada vez maior de violência e violações de direitos. “Eles estão há 10 anos esperando o processo de demarcação”, afirma Benno. Enquanto isso, a comunidade vive, por determinação de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), desde 2014, restrita a um pequena área de mata.
Sem acesso a água potável, “a comunidade precisou expandir a retomada para plantar e acessar o rio. Mas é uma retomada absolutamente pequena”, explica o missionário do Cimi.
“Eles estão há 10 anos esperando o processo de demarcação”
A proteção do rio e da área de mata ocupada pelos indígenas tem sido um dos motivos para a comunidade resistir ao avanço dos tratores dos fazendeiros. “Enquanto os maquinários estão lá desmatando para o plantio, inclusive enterrando as árvores, eles [os indígenas] estão ali defendendo esse espaço de natureza”, destaca Matias.