29/03/2023

Povos do Nordeste desembarcam em Brasília para garantir o direito ao território

Os Kariri Xocó, Xukuru-Kariri, Karuazu, Kalankó, Geripankó, Katokinn, Kaxagó e Koiupanká participam, entre os dias 27 e 30 de março, de agendas nos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário

Na tarde dessa terça-feira (29), lideranças indígenas foram recebidas pelo procurador federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Vilhena, na PFDC/PGR. Foto: Leo Bark/SECOM MPF

Por Marina Oliveira, da Assessoria de Comunicação do Cimi

A demarcação das terras indígenas é um direito assegurado pela Constituição Federal de 1988. Somente com a garantia dos territórios livres de invasores, é possível preservar os conhecimentos ancestrais, a língua, as tradições seculares, a religiosidade, os alimentos, os recursos naturais, a vida e o Bem Viver de todas e todos.

Determinados em buscar esse direito, povos indígenas do Nordeste enfrentaram mais de um dia na estrada até chegar à capital federal. Mas nem mesmo o tempo de viagem foi capaz de tirar a disposição daquelas e daqueles que tanto querem um pedaço digno de terra para viver.

Ao longo desta semana, entre os dias 27 e 30 de março, os povos Kariri Xocó, Xukuru-Kariri, Karuazu, Kalankó, Geripankó, Katokinn, Kaxagó e Koiupanká – dos estados de Alagoas e Sergipe – participam de uma série de agendas com uma principal finalidade: a demarcação territorial. A ida dos povos a Brasília conta com o apoio do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e de seu regional – Cimi Regional Nordeste. Os indígenas já participaram de agendas na Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e no Ministério Público do Trabalho (MPT), com a subprocuradora geral do Trabalho, Edelamare Melo.

Na tarde da última terça-feira (28), a delegação participou de uma reunião na Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), no edifício-sede da Procuradoria Geral da República (PGR). Recebidos por Carlos Alberto Vilhena, procurador federal dos Direitos do Cidadão, os indígenas tiveram a oportunidade de partilhar vivências e reivindicar as devidas providências para que os territórios sejam, definitivamente, demarcados.

 

Partilhas e reivindicações

Cassio Júnio Ferreira, liderança do povo Xukuru-Kariri, esteve presente no momento e apresentou, ao procurador, a situação territorial. O povo indígena Kuxuru-Kariri, do município de Palmeira dos Índios (AL), aguarda neste momento a homologação do território para garantir, de uma vez por todas, o direito de viver livre.

“O nosso pedido é para que sigam acompanhando e monitorando esse processo. Obviamente, temos pautas relacionadas à saúde, à educação, mas muitas dessas pautas emperram por falta de território”, solicita Cassio. Os Kuxuru-Kariri pedem também a desintrusão do território, que hoje conta com mais de 450 posseiros.

“Muitas dessas pautas emperram por falta de território”

A liderança Cassio Júnio (camisa social azul), do povo Xukuru-Kariri, durante reunião com o procurador Carlos Vilhena, na PGR. Foto: Leo Bark/Secom MPF

Na sequência, Ervison Geripankó, do povo Geripankó, também falou sobre a importância de demarcar os territórios indígenas. “Há 28 anos, o meu povo luta pela demarcação da nossa terra. A terra é quem nos dá de comer. Não existe saúde e educação se não tiver demarcação de território. Por isso, precisamos da demarcação. Não houve qualquer avanço mesmo depois de 28 anos. A gente sabe que há impasses para impedir esse processo”.

“A terra é quem nos dá de comer. Não existe saúde e educação se não tiver demarcação de território”

“A gente quer a terra para manter as nossas tradições e culturas vivas. É da mata que a gente precisa para sobreviver. Não temos a visão da terra para produção e venda, assim como um não indígena tem. Como vimos na conjuntura passada [governo Bolsonaro], a terra servia para venda, exploração de recursos naturais, para fazer queimadas. Precisamos da terra para plantar, para fazer comida. Estamos cobrando um direito que é nosso, garantido pela Constituição Federal”, concluiu a liderança do povo Geripankó.

“Não temos a visão da terra para produção e venda, assim como um não indígena tem”

Atualmente, o povo Geripankó, do município de Pariconha (AL), conta com uma população de, aproximadamente, 4 mil indígenas. Os indígenas vivem hoje em 215 hectares de terra, e reivindicam mais 1.100 hectares há quase três décadas – processo ainda em estudo na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

Perante a morosidade, o Ministério Público Federal (MPF) ingressou com Ação Cívil Pública, que contou com sentença favorável ao povo Geripankó. No entanto, o caso segue paralisado devido a um impasse sobre os prazos necessários para a finalização do procedimento demarcatório.

Logo que Ervison concluiu a sua fala, o procurador Carlos Alberto Vilhena se solidarizou e se comprometeu a “fazer chegar à 6ª Câmara [do MPF] todos os pedidos”. “Essa visão de que nós não somos só matéria, somos espírito, é importante para preservar todo o sagrado dos povos. E a terra tem uma ligação direta com tudo isso”, afirmou o procurador.

Damião Koiupanká, cacique do povo Koiupanká – localizado no município de Inhapi (Alagoas) –, também vive a angústia de não ter a sua terra demarcada. Desde 2001, o povo Koiupanká reivindica à Funai a demarcação do território. Mas, até o momento, apenas promessas foram feitas, como a criação de um Grupo de Trabalho (GT) para identificação, delimitação, demarcação e homologação.

Assim como Cassio Júnio, a liderança Koiupanká também falou sobre a invasão por posseiros no território, e não escondeu o medo que o seu povo sente ao transitar pelas matas.

“Queremos praticar os nossos rituais com tranquilidade. Sem precisar correr, para dentro das matas, por medo de posseiros. O meu pedido é que o MPF entre em contato com a Funai e peça, de uma forma melhor, o aceleramento para garantir a sobrevivência da nossa comunidade. Nós não queremos sair de lá [do território]”, afirmou Damião.

“Queremos praticar os nossos rituais com tranquilidade. Sem precisar correr, para dentro das matas, por medo de posseiros”

Cacique Damião Koiupanká durante reunião na PFDC, na PGR. Foto: Leo Bark/Secom MPF

Outra partilha foi feita pela jovem liderança João Kalankó. João conta que seu povo – que vive nos municípios de Água Branca e Mata Grande (AL) – sofre com constantes invasões de fazendeiros, ameaças e agressões. “A terra é nossa, mas a gente não pode ter o plantio, porque, se plantarmos, os fazendeiros vão dizer que estávamos roubando a terra deles. Que, na verdade, é nossa”. O território também aguarda demarcação.

João lamentou também o acesso de tratores e de despejos de agrotóxicos nas plantações dos Kalankó. Em seu relato, ele diz também que uma das nascentes do rio que passa pelo território secou devido às interferências externas, fato que inviabiliza grande parte da sobrevivência do povo.

Todos os povos presentes na reunião apresentaram demandas relacionadas ao processo demarcatório de seus territórios. Ao final, lideranças dos povos entregaram ao procurador documentos com suas principais reivindicações – que foram protocolados, na sequência, pelo assessor jurídico do Cimi Regional Nordeste, o advogado Daniel Ribeiro.

 

Apoio dos 3 Poderes

Ao finalizar o momento de partilhas e diálogo entre os povos e o procurador, Daniel Ribeiro, assessor jurídico do Cimi Regional Nordeste, lembrou que, apesar de vivermos perante um governo mais favorável, ainda é preciso ter muita resistência para garantir os direitos originários.

O advogado lembra que o marco temporal precisa ser combatido não só no poder Judiciário, por meio do Supremo Tribunal Federal (STF), mas também nos poderes Legislativo e Executivo – já que a tese ruralista aparece por meio do Projeto de Lei (PL) 490/2007 e do Parecer 001/2017, da Advocacia-Geral da União (AGU), que ainda não foi revogado.

“Além disso, fizemos uma solicitação que, embora seja muito importante, ainda falta melhor comunicação com as bases. A gente percebe que ainda há dificuldade dessa comunicação do MPF com as bases, de as bases estarem atualizadas do andamento dos processos”, explica Daniel.

“Fizemos uma solicitação que, embora seja muito importante, ainda falta melhor comunicação com as bases”

Lideranças indígenas entregam ao procurador da PFDC, Carlos Vilhena, documentos com reivindicações e denúncias sobre as situações dos territórios. Foto: Leo Bark/Secom MPF

“Embora a gente esteja vivendo um governo diferente, com nova abertura à demanda indígena, com a Funai diferente, com a criação do Ministério dos Povos Indígenas [MPI], a solicitação é para que a PFDC interceda, junto a esses órgãos, para dar força política e jurídica. O procurador se comprometeu em analisar as demandas dos povos que estiveram presentes na reunião. Agora, esperamos que tenham resultados positivos”, concluiu.

Para acessar os documentos encaminhados por cada povo à PFDC, clique nos nomes abaixo:

Kariri Xocó, Xukuru-Kariri, Karuazu, Kalankó, Geripankó, Katokinn e Koiupanká.

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