Dai-lhes vós mesmos de comer: Articulação das Pastorais do Campo está em Brasília para formação e espiritualidade
Em sintonia com a Campanha da Fraternidade 2023, o encontro debate o tema da soberania e da segurança alimentar e nutricional
Na manhã dessa segunda-feira (27/02), foi iniciado o encontro de formação de agentes das Pastorais do Campo, em Brasília (DF), que vai debater a soberania e a segurança alimentar e nutricional dos povos do campo, da floresta e das águas. Participam da ação membros do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), do Serviço Pastoral do Migrante (SPM), do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Cáritas Brasileira, da Pastoral da Juventude Rural (PJR), representantes de povos originários e comunicadores.
Na pauta, está a importância do debate sobre a fome no Brasil, iluminados pela Campanha da Fraternidade 2023, que tem como tema “Fraternidade e fome”, e o lema “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16). A reunião seguirá até quarta-feira (1º/3) e é realizada pela Articulação das Pastorais do Campo.
Esta é a terceira vez que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) aborda a temática da fome. A proposta da 60ª Campanha da Fraternidade tem objetivo de sensibilizar a sociedade a refletir sobre a fome no país e fomentar ações que possam gerar impactos para minimizar a fome no Brasil. Lançado no dia 22 de fevereiro, o lema indica um convite para além da reflexão, propõe ações e espaço para denunciar as violações dos direitos humanos. A CNBB tem apoiado ações de soberania alimentar através das pastorais sociais que ajudam as comunidades no Brasil a superar a fome.
A acolhida foi um momento de reflexão acerca do tema da fome e da importância da alimentação com dignidade para todos os povos tradicionais. “Se o Brasil produz tanto, se nosso território é tão fecundo, por que 33 milhões de brasileiros passam fome ou sofrem com insegurança alimentar?”, questiona o companheiro João Paulo Couto, da assessoria nacional da Cáritas Brasileira. Os presentes puderam explanar suas inquietações sobre a ganância que faz com que tantos povos passem por vulnerabilidade alimentar mesmo em um país tão rico em territórios e produção de alimentos.
“Se o Brasil produz tanto, se nosso território é tão fecundo, por que 33 milhões de brasileiros passam fome ou sofrem com insegurança alimentar?”
O impacto da fome nas comunidades tradicionais foi o tema da mesa de abertura, onde foram apresentadas diferentes dificuldades, mas que convergem na importância de uma alimentação saudável e da busca por justiça social pelos povos e territórios. “Nossa luta é pela preservação e defesa das sementes crioulas e para ver nossos territórios livres de transgênicos e agrotóxicos. Temos que pensar no coletivo. Quanto maior for nossa luta, maior será nossa vitória”, enfatizou Luzia Bezerra, guardiã de sementes da paixão (crioulas) da Paraíba.
“Temos que pensar no coletivo. Quanto maior for nossa luta, maior será nossa vitória”
Não só no campo, mas também nas comunidades das águas, a fome é motivo de sofrimento e preocupação. “É muito triste ainda termos que falar de fome do alimento, mas o que mais mata é a nossa fome de justiça. Queremos oportunidades de participação. A fome se espalha pela maldade da ganância. Para acabar com a fome precisamos de segurança territorial e paz para que nosso povo possa sobreviver forte e saudável. Se minha família consegue doar parte do nosso pescado, imagine o que todos podem fazer para acabar com a fome do Brasil. Igualdade, respeito pelo próximo e divisão do pão”, destacou Clarindo Pereira, pescador artesanal e vazanteiro de Minas Gerais.
Os povos originários também apresentaram suas preocupações e o desafio da fome em seus territórios. “Os povos indígenas lutam pela terra, pelo plantio natural. É muito difícil, pois até a nossa água tem esgoto e o solo agrotóxico, mas a gente trabalha para limpar o território e sustentar nosso povo”, afirmou Apurinã Kiriri, do povo Kiriri, da Bahia.
“A fome é doída, vemos muita terra e alimento, mas nem sempre adequadas. Muita coisa para poucos e pouca coisa para muitos. A fartura dos ricos e a pobreza dos povos. Nossa riqueza é o território, sem ele não somos nada. Peço ajuda de todos para lutarem conosco para alimentar todos”, completou Abdias Pereira, do povo Xakriabá, de Minas Gerais.
“A fome é doída, vemos muita terra e alimento, mas nem sempre adequadas. Muita coisa para poucos e pouca coisa para muitos”
Um dos pontos importantes para a programação do evento foi a apresentação e análise do relatório da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), que ocorreu nessa segunda-feira. Além disso, será redigida uma carta pública das pastorais do campo e dos povos originários presentes em apoio a Campanha da Fraternidade 2023, especificamente no que diz respeito à fome nos territórios das populações rurais, da floresta e das águas.
Articulação das Pastorais do Campo
A articulação nasceu em 2011, formada pelo Cimi, CPT, CPP, SPM, PJR e Cáritas Brasileira. O objetivo é aprofundar as experiências de cada segmento e povos tradicionais para afinar a leitura das diferentes pastorais que atuam no território do Brasil junto às populações do campo, da floresta e das águas.
O espaço é uma oportunidade de partilha diante dos desafios da realidade atual, de estudo e reflexão na busca por respostas evangélicas à opressão, pressão e violência que homens e mulheres das comunidades sofrem todos os dias na defesa de seus povos, cultura, trabalho, dignidade e território.
Campanha da Fraternidade 2023
Todos os anos, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) apresenta e propõe para a Igreja e para a sociedade a Campanha da Fraternidade. Em 2023, pela terceira vez, o tema é “Fraternidade e fome”, e o lema “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16).
A CF 2023 propõe refletir o tema da fome, a partir da perspectiva cristã, devido ao retorno do Brasil ao Mapa da Fome da ONU, convidando ao espírito quaresmal de conversão e entendendo, sobretudo, que não existe fé sem obras e que qualquer discurso religioso sem uma prática de vida coerente torna-se estéril e vazio.