08/12/2022

Após escutar denúncias, CNDH se compromete, mais uma vez, a proteger os povos indígenas

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) disse que irá encaminhar as denúncias aos órgãos competentes, e afirmou continuar lutando pelos povos indígenas

No dia 7 de dezembro de 2022, o CNDH recebeu, mais uma vez, lideranças indígenas para tratar de questões relacionadas aos territórios, à saúde e à educação. Foto: Marina Oliveira/Cimi

Por Marina Oliveira, da Assessoria de Comunicação do Cimi

Na tarde dessa quarta-feira (7), o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) abriu as portas, mais uma vez, para acolher os povos indígenas. No encontro, as lideranças tiveram a oportunidade de partilhar as vivências dentro dos territórios, incluindo os desafios relacionados à demarcação das terras indígenas (TIs) e à garantia de direitos básicos – como o acesso à saúde e à educação.

Na ocasião, participaram povos de três estados: Goiás, Tocantins e Acre. Além disso, o secretário adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Luis Ventura, as assessorias Jurídica e de Comunicação do Cimi, integrantes do Conselho e o novo conselheiro do CNDH e defensor público federal, André Carneiro, também marcaram presença.

Abrindo as falas, Osmildo Silva da Conceição, liderança do povo Kuntanawa, criticou a omissão da Fundação Nacional do Índio (Funai) perante o grave contexto de violência contra os povos indígenas no Brasil ao longo dos últimos anos.

“Eu estou aqui denunciando a Funai, que é o órgão responsável pela demarcação de nossas terras. Nós, povos indígenas, estamos passando por uma situação de calamidade e isso é muito triste para a gente. É muito ruim ver toda a nossa riqueza ser destruída. A pessoa que nega a demarcação dos territórios indígenas, nega também o pão aos nossos filhos. É de lá que tiramos a nossa subsistência. É o nosso laboratório de medicinas tradicionais, nossa vida. Nós não temos direito à demarcação de nossas terras, mas então por que os empresários podem desmatar tudo?”, desabafou.

“A pessoa que nega a demarcação dos territórios indígenas, nega também o pão aos nossos filhos”

Durante reunião com o CNDH, Osmildo Silva da Conceição, liderança do povo Kuntanawa e atuante da luta indígena há 22 anos, criticou a omissão da Funai. Foto: Marina Oliveira/Cimi

Osmildo, que luta há 22 anos pela defesa de seu povo e do território, diz também perder a felicidade diante dessa caminhada cercada de violência. “Nessas andanças, vemos toda essa batalha de amigos na região, que lutam pela revisão dos limites territoriais, pela demarcação de terras. E isso tira totalmente a felicidade da gente. Estamos jogados ao vento, como uma folha seca que o vento leva para onde quer. A gente percebe que, quando as agressões chegam em nossas regiões, a primeira coisa que vemos são os nossos filhos adoecendo por doenças que não existiam. Se a gente já não tem a água potável em nossas terras, direito à educação e à saúde, para onde vai a nossa felicidade?”, fez mais uma indagação, concluindo sua fala.

“Se a gente já não tem a água potável em nossas terras, direito à educação e à saúde, para onde vai a nossa felicidade?”

De outra geração, Teodoro Perez Oliveira, do povo Huni Kuin, falou sobre a importância de a juventude seguir lutando pelo legado que os pais e avós deixaram e pela demarcação do território.

“Nós, indígenas, temos o direito de conhecer e aprender para fortalecer a comunidade. Venho de uma comunidade onde vivem 130 famílias e hoje a nossa terra ainda não está demarcada. Muitos fazendeiros estão tomando a nossa terra, criando a própria lei, nos impedindo de caçar e pescar. Mas nós, povos originários, somos os donos da terra. Queremos que a nossa terra seja demarcada logo, até porque a nossa população está crescendo. Antigamente, os nossos pais e avós lutaram por isso. Hoje somos a terceira geração. Por esse motivo, estamos repassando a nossa mensagem, para que vocês possam nos ajudam”, pediu ao CNDH.

“Muitos fazendeiros estão tomando a nossa terra, criando a própria lei, nos impedindo de caçar e pescar”

Do Tocantins, Dalma Régia – conhecida também como Nega Kanela –, liderança do povo Kanela do Tocantins, também compartilhou a sua dor por não ter acesso aos direitos garantidos pela Constituição Federal de 1988.

“Na minha aldeia, somos 480 indígenas. Temos dossiê e documentos feitos, mas não temos terra. E o índio, não tendo terra, geralmente não tem direito à saúde, aos direitos relacionados às políticas públicas. Eu peço a vocês que, se a gente não puder ter o nosso território originário, que a gente tenha uma terra para viver, para plantar o nosso alimento. Senão ficaremos esquecidos”.

“O índio, não tendo terra, geralmente não tem direito à saúde, aos direitos relacionados às políticas públicas”

Dalma Régia, liderança do povo Kanela do Tocantins, também compartilhou a sua dor por não ter acesso aos direitos garantidos pela Constituição Federal de 1988. Foto: Marina Oliveira/Cimi

Em seguida, Levi Krahô, do povo Krahô – do Tocantins –, também desabafou sobre a negligência do Estado com os povos originários. “Temos um descaso muito grande na área da saúde, da educação e de infraestrutura [estradas]. Descaso total. Não há remédios, os pré-natais são mal assistidos, as escolas estão caindo aos pedaços, as estradas estão em péssimas condições”.

Levi aproveitou o momento de fala e compartilhou um vídeo que seu povo fez, denunciando a ação de um fazendeiro da região. “A água é nossa vida, mas não é o nosso local. Estamos correndo risco de sermos despejados por essas enchentes. E agora, bem próximo de onde temos aldeia, um fazendeiro ‘trancou’ o rio com pedras. E isso vai nos impactar seriamente”, completou.

“Agora, bem próximo de onde temos aldeia, um fazendeiro ‘trancou’ o rio com pedras”

Durante reunião com o CNDH, Levi Krahô apresentou um vídeo que mostra o rio “trancado” por pedras, ação de um fazendeiro da região. Foto: Marina Oliveira/Cimi

Resposta CNDH

Grande aliado dos povos originários, o CNDH se colocou à disposição dos indígenas após escutá-los. Neste momento, Leandro Scalabrin, conselheiro e membro da mesa diretora do Conselho, apresentou algumas ações que já foram colocadas em prática para defender os direitos dos povos indígenas.

“No mês passado, nos reunimos com a ministra [atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) ] Rosa Weber, uma semana depois que as delegações também estiveram junto a ela. A ministra nos prometeu que, no ano que vem, irá colocar em votação o debate do marco temporal, que é o que tem impedido várias demarcações de andar. Esse é um desafio muito grande para todos nós”, disse Leandro.

“A ministra nos prometeu que no ano que vem irá colocar em votação o debate do marco temporal”

Povos indígenas mobilizados contra o marco temporal | Foto: Guilherme Cavalli

Outra iniciativa lembrada por Leandro é em relação ao programa de proteção que o CNDH possui para preservar a vida de lideranças indígenas constantemente ameaçadas. Após os relatos de violência apresentados pelos indígenas durante a reunião, o CNDH irá incluir outras lideranças no programa.

Na sequência, Alberto Terena, liderança do povo Terena e integrante do CNDH, relembrou os últimos quatro anos – de governo Bolsonaro – com muito lamento.

“Estamos dentro desse processo de luta ao lado de todos vocês, e sabemos que a revolta é muito grande. É revoltante como nós, povos indígenas, ainda somos tratados dentro do nosso país. E, infelizmente, esse é o retrato desse governo que, a todo momento, incentivou a nossa destruição. Não sei se vocês lembram o que os Estados Unidos fizeram com os indígenas. Acabou com os indígenas. E é isso que querem fazer aqui também”.

“É revoltante como nós, povos indígenas, ainda somos tratados dentro do nosso país”

“O garimpo e as mortes dos povos indígenas são reflexos dessa retórica de palavras maldosas contra o nosso povo. Precisamos, até o último momento desse governo, dizer que Bolsonaro é assassino. Ele [Bolsonaro] trouxe uma mensagem de destruição aos nossos povos. Mas nós não podemos permitir isso mais”, completou Alberto.

Finalizando, Virgínia Berriel, conselheira do CNDH, também prometeu seguir lutando pelos direitos originários – independente da troca de governo.

“Continuaremos fazendo de tudo para defender os direitos humanos e os direitos dos povos indígenas. Quero dizer também que nós acompanhamos toda barbárie que os povos indígenas sofreram nesse período [últimos anos]. Nós recebemos várias missões de vocês, e, com as reivindicações e lutas por direitos, essa é uma luta mais do que necessária, digna e justa diante de todo esse momento de desmonte de direitos, com invasão de terras”.”

“Essa é uma luta mais do que necessária, digna e justa diante de todo esse momento de desmonte de direitos”

Lideranças indígenas acompanham reunião com o CNDH, em Brasília. Foto: Marina Oliveira/Cimi

“O CNDH está aberto, queremos e vamos continuar recebendo todos vocês. E vamos fazer de tudo para lutar pela defesa dos povos indígenas, que o mínimo é garantir direitos, liberdade e terra, que foi tirada ao longo desses anos todos. Torcer também para que a própria ministra [Rosa Weber] cumpra com o que disse para nós em reunião presencial sobre o marco temporal. Nós estamos aqui para cobrar da mesma maneira que estaremos para cobrar do futuro presidente desta nação a criação do Ministério dos Povos Indígenas. Estaremos vigilantes, atentos e fortes”, finalizou Virgínia.

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