Em carta, povo Mbya Guarani reivindica mais diálogo e participação nas ações e serviços que lhes afetam
A Carta é fruto do encontro de dois dias de lideranças do povo, na TI Coxilha da Cruz, Tekoha Porã; os indígenas avaliaram o modo como os poderes públicos se relacionam com as comunidades
Com objetivo de para estudar, refletir e discutir sobre seus direitos constitucionais – especialmente aqueles relativos às políticas públicas diferenciadas e ao território originário -, indígenas do povo Mbya Guarani se reuniram na Terra Indígena Coxilha da Cruz, Tekoha Porã, município da Barra do Riberio, no Rio Grande do Sul, entre os dias 21 e 22 de setembro. Ao final dos dois dias de debates, os Mbya Guarani publicaram uma “Carta das lideranças Mbya Guarani, região BR 116”.
No documento, os indígenas “avaliaram os modos como os poderes públicos se relacionam com as comunidades. Foram identificados muitos problemas e desafios no que se refere às estruturas assistenciais, tais como carência de transporte, de equipamentos e de profissionais na área da saúde e educação”.
“Foram identificados muitos problemas e desafios no que se refere às estruturas assistenciais, em especial, na área da saúde e educação”
Em relação a saúde, os indígenas “observam, com grande preocupação, a sistemática omissão dos órgãos assistências – Sesai – no que se refere à implementação de políticas relativas ao saneamento básico. Há muitas doenças provocadas por falta de coleta de lixo e de fornecimento de água potável”.
Na Carta, os Mbya Guarani listam uma série de requerimentos aos órgãos públicos, saúde e educação estão os principais, assim como, reafirma sua posição contra o marco temporal e cobram, junto a Funai, a retomada dos trabalhos de identificação e delimitação das terras indígenas paralisadas há vários anos.
Confira o documento na íntegra:
Carta das lideranças Mbya Guarani, região BR 116
Reuniram-se, entre os dias 21 e 22 de setembro de 2022, na Terra Indígena Coxilha da Cruz, Tekoha Porã, município da Barra do Riberio, no Rio Grande do Sul, lideranças e jovens Mbya Guarani para estudar, refletir e discutir sobre seus direitos constitucionais – especialmente aqueles relativos às políticas públicas diferenciadas e ao território originário.
As lideranças e os jovens, depois de identificarem os fundamentos legais acerca de seus direitos, avaliaram os modos como os poderes públicos se relacionam com as comunidades. Foram identificados muitos problemas e desafios no que se refere às estruturas assistenciais, tais como carência de transporte, de equipamentos e de profissionais na área da saúde e educação.
As lideranças reivindicam mais espaços para o diálogo e participação nas ações e serviços que lhes afetam.
Neste sentido, foram indicados problemas relacionados à educação escolar, tais como: a falta de escolas de ensino fundamental e médio; falta de materiais adequados às culturas e processos próprios de aprendizagem; a necessidade de ampliar o número de professores indígenas trabalhando nas escolas; a necessidade de garantir uma alimentação adequada para as crianças e a contratação de merendeiras indígenas. Os jovens reafirmaram a importância das ações afirmativas para ingresso de estudantes indígenas no ensino superior.
Ainda, verificaram que os principais entraves se dão na assistência primária em saúde, falta de presença e de acompanhamento das pessoas doentes. Também avaliam que, quando há necessidade de exames de média e alta complexidade, existe uma longa fila de espera, em geral as pessoas doentes aguardam meses para o agendamento e realização dos exames – o que compromete seriamente a saúde. Houve, inclusive, casos de óbito em decorrência da demora no diagnóstico preciso da doença e o seu efetivo tratamento.
Também requerem que sejam retomadas as diretrizes e princípios do Subsistema de Atenção à Saúde, nos quais estão expressos o respeito aos modos de ser e viver dos povos, das suas culturas, dos saberes e das medicinas tradicionais. Neste sentido reivindica-se que sejam realizados encontros sobre as medicinas indígenas, convidando seus sábios para partilharem e ensinarem nas comunidades os seus conhecimentos. Exige-se, portanto, que as práticas medicinais indígenas sejam incorporadas e respeitadas no âmbito da política de saúde indígena.
Requerem que as estruturas físicas, como os postos de atendimento e consultas, sejam equipadas para uma boa e saudável assistência. Nas áreas onde não há infraestrutura para os atendimentos das pessoas – postos de saúde – que estas venham a ser construídas; que haja transporte adequado e profissionais capacitados para atenderem, de forma respeitosa e eficaz, os doentes e seus familiares. Na região de Camaquã, em função das grandes distancias, requerem que sejam aumentadas as equipes de saúde e de motoristas para o transporte dos doentes, que sejam observados os critérios – respeito às culturas – para o devido acompanhamento aos pacientes, garantindo a presença de um acompanhante que fale a língua própria do povo e o português, de modo muito especial nos casos de internação hospitalar.
As lideranças observam, com grande preocupação, a sistemática omissão dos órgãos assistências – Sesai – no que se refere à implementação de políticas relativas ao saneamento básico. Há muitas doenças provocadas por falta de coleta de lixo e de fornecimento de água potável. Não são tomadas medidas no sentido de promover a perfuração de poços artesianos e/ou do fornecimento de água, através de redes encanadas.
Por fim, as lideranças se manifestam dizendo não ao marco temporal e requerem, junto a Funai, a retomada dos trabalhos de identificação e delimitação das terras indígenas paralisadas há vários anos.
Terra Indígena Coxilha da Cruz, Tekoha Porã (RS), 22 de setembro de 2022.
Assinam:
Santiago Franco; Diego de Souza; Adenilson Ortega; Ariel Gonçalves; Marciel Garai; André Fernandes; Cristian Benites; Cristiano Fernandes; Leandro Gomes; Darci Fernandes; João Batista; Cristiano de Souza; Carlos Souza; Artur Souza; Rosalina Gonçalves; Patrícia Moreira; Bruno Souza.