“Nossa luta não é só por terra, mas pelo direito de viver nela”. Saiba como foi o segundo dia da audiência final do TPP do cerrado
Do Tribunal Permanente dos Povos (TPP) em Defesa dos Territórios do Cerrado, os indígenas esperam que o júri faça um encaminhamento para o STF contra o marco temporal
Na manhã do segundo dia (09/07) da Audiência Terra e Território e Audiência Final do Tribunal Permanente dos Povos (TPP) em Defesa dos Territórios do Cerrado, ouvimos as angústias e enfrentamentos de povos e comunidades que lidam diariamente com a invasão de empresas e governos em seus territórios. Foram apresentados os casos de Fechos de Pasto (BA), das comunidades quilombolas de Cocalinho e Guerreiro (MA), do assentamento Viva Deus (MA), dos povos indígenas Guarani, Kaiowá e Kinikinau (MS), de ribeirinhos e brejeiros e do povo indígena Akroá-Gamella (PI).
Os processos de grilagem envolvem não apenas a falsificação de documentos, mas também o desmatamento – em geral com o uso do correntão – que “consolida” a grilagem. Também envolvem violências e perseguições dos povos com o uso de milícias privadas e mesmo com o uso de forças policiais do estado, que atuam para proteger e garantir as vontades dos grileiros. A grilagem envolve também a destruição de casas, de plantios, envenenamento com agrotóxicos, paralisação de processos de regularização fundiária – por meio de interferência dos grileiros junto a órgãos como o Incra -, pistolagem, atentados e assassinatos.
“Os processos de grilagem envolvem não apenas a falsificação de documentos, mas também o desmatamento – em geral com o uso do correntão – que “consolida” a grilagem”
Uma estratégia também comum de empresas do agronegócio que se apropriam de territórios tradicionais é a contratação de algumas poucas pessoas dos territórios invadidos como funcionários das fazendas. Com isso, geram divisões internas nas comunidades, colhem informações estratégicas e corrompem relações familiares por alguns trocados. Dividem as comunidades por dentro, e assim fica mais “fácil” a expropriação.
As denúncias feitas pelos representantes dos casos ao júri na manhã de hoje estavam carregadas de emoção e sofrimento, mas também de esperança de que a escuta e o veredito do júri do TPP possam provocar uma mudança positiva nos casos, no sentido de que se encaminhem para uma resolução.
“As denúncias feitas pelos representantes dos casos ao júri estavam carregadas de emoção e sofrimento, mas também de esperança”
Mineração e monocultivo
A segunda parte do dia teve início com a fala do geógrafo Eduardo Barcelos, que compõe o conjunto de relatores de acusação. Barcelos apresentou dados sobre a exaustão das águas do Cerrado pelos projetos de monocultivo de soja, principalmente. Segundo ele, 92% dos pivôs centrais do Brasil estão no Cerrado, sacrificando para fins privados o bem vital que é de todos.
Maiana Maia, da FASE, também relatora de acusação, deu sequência às informações sobre o conteúdo das acusações, que irão subsidiar o veredito do júri. A pesquisadora deu especial enfoque às violências cometidas pelas mineradoras. De acordo com ela, mais de 30% dos processos minerários ativos no Brasil estão no Cerrado, o que corresponde a 60 milhões de hectares, uma área maior do que a França. As reiteradas tragédias com barragens de rejeitos da mineração demonstram a instrumentalização do Estado pelas empresas mineradoras, que continuam impunes e operando normalmente.
“Mais de 30% dos processos minerários ativos no Brasil estão no Cerrado, o que corresponde a 60 milhões de hectares, uma área maior do que a França”
Em seguida, foram apresentados os casos de Vale das Cancelas (MG), de Macaúba (GO), do Assentamento Roseli Nunes (MT), dos povos indígenas Krahô-Takaywrá e Krahô Kanela (TO) e dos ribeirinhos de Cachoeira do Choro (MG).
Todos deram testemunho das destruições causadas pela mineração em seus territórios: desmatamentos, expulsões, processos judiciais, intimidações, contaminações, mortes e tragédias anunciadas, como as de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais. As violências e destruições reverberam sobre os corpos e mentes, e também sobre o espírito de povos e comunidades tradicionais.
A naturalização das violações dos empreendimentos como condição necessária para sua implementação gera um cenário de sofrimento permanente aos povos e seus territórios, e a construção de um futuro – não tão distante – inviável para todo tipo de vida.
“As violências e destruições reverberam sobre os corpos e mentes, e também sobre o espírito de povos e comunidades tradicionais”
“Que o mundo ouça nosso grito de apelo. Nossa luta não é só por terra, mas pelo direito de viver nela”, disse dona Miraci Silva, do assentamento Roseli Nunes, em Mirassol D’Oeste, no Mato Grosso.
“Que esse júri olhe por nós e faça um encaminhamento para o STF contra o marco temporal, porque nós precisamos da nossa terra para viver. Senão nosso cacique vai morrer, e não vamos ter nem a terra pra enterrar ele”, finalizou Davi Krahô, vice-cacique da aldeia Takaywrá, no Tocantins.