Cimi participa de abertura do X Fospa e organiza atividades entre os dias 29 e 30 de julho, em Belém (PA)
As atividades organizadas pelo Cimi ocorrem no Mirante do Rio e na Tenda Tapiri, na UFPA; entre os temas discutidos, estão a demarcação dos territórios, o desastre climático e a proteção aos povos indígenas isolados
A força dos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e defensores dos direitos humanos e da natureza tomou as ruas da capital paraense na tarde do dia 28 de julho: era a marcha de abertura da décima edição do Fórum Social Pan-Amazônico – o Fospa 2022. Desta vez, o evento ocorre de forma presencial, entre os dias 28 e 31 de julho, na Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém (PA).
Dentro da programação, as atividades organizadas pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) ficaram agendadas para os dias 29 e 30 de julho – na Tenda Tapiri e no Mirante do Rio, ambos na UFPA (locais próximos à Reitoria da universidade). O primeiro dia de atividades começou com o debate sobre a publicação “Golpe Verde: falsas soluções para desastre climático”, organizado pelo Cimi – Regional Amazônia Ocidental.
Lindomar Padilha, representante do Cimi – Regional Amazônia Ocidental, foi quem conduziu a discussão. Em sua avaliação, os projetos de economia verde se comportam como “falsas soluções” – um pretexto para que o capitalismo siga avançando – e agravam os cenários social, climático e territorial.
“Como é que a empresa que polui é a mesma empresa que preserva? Qual é a lógica que está por trás disso? Isso se chama ‘Adicionalidade’, que está no Artigo 12 do Protocolo de Quioto. Quanto mais o empreendimento impactar o meio ambiente, maior será o valor daquela área preservada. Exemplo disso são as empresas frigoríferas”, explicou Lindomar.
“Como é que a empresa que polui é a mesma empresa que preserva? Qual é a lógica que está por trás disso? Isso se chama ‘Adicionalidade’”
No Artigo 12 do Protocolo de Quioto – ao qual Lindomar Padilha se referiu –, estão submetidos projetos desenvolvidos por meio do mecanismo de desenvolvimento limpo. O critério da “Adicionalidade” tem como objetivo avaliar se as atividades proporcionam uma redução real, mensurável e de longo prazo para a amenizar os efeitos das mudanças climáticas.
Antes de abrir o espaço para questionamentos do público presente, Lindomar falou sobre os possíveis caminhos para melhorar a situação da Terra. “O que vai ajudar o planeta é pararmos de destruí-lo, é abandonar as fontes de energia de combustíveis fósseis e o minério. Não estou propondo acabar com isso de hoje para amanhã, mas precisamos cobrar dos governos atitude para diminuir esse tipo de combustível”.
“O que vai ajudar o planeta é pararmos de destruí-lo, é abandonar as fontes de energia de combustíveis fósseis e o minério”
“Além disso, queria levantar também o questionamento sobre como iremos fazer para trabalhar nas cidades, assim como fazemos nos territórios?! Como iremos discutir isso com tanta gente das grandes cidades? Tem muita gente que realmente compra serviços e produtos pensando no meio ambiente, contribuem com carinho. Mas como abordar com essas pessoas estão sendo vítimas de golpe de algumas empresas?”, completou.
Povos indígenas em isolamento voluntário
Já na tarde desta sexta-feira (29), foi a vez da Equipe de Apoio aos Povos Livres (EAPIL), do Cimi, realizar uma das atividades no X Fospa. Mediada por Gilderlan Rodrigues, coordenador do Cimi – Regional Maranhão, e pelo professor Lino João, a apresentação sobre “Povos indígenas em situação de isolamento voluntário: os desafios da proteção territorial” mostrou ao público presente a atual realidade enfrentada pelos povos livres.
Além dos mediadores, o momento contou com a participação de Eliane Franco, coordenadora do Cimi – Regional Goiás/Tocantins, e de lideranças indígenas de diferentes regiões do país.
Em sua fala, Eliane apresentou o contexto dos Avá-Canoeiro, indígenas que vivem na Ilha do Bananal, localizada no estado do Tocantins (TO). De acordo com a coordenadora, a demarcação das terras indígenas dessa ilha não funciona na prática.
“Na cabeça da Funai [Fundação Nacional do Índio], as terras indígenas da Ilha do Bananal estão protegidas, porque estão demarcadas. Mas, na prática, isso não é verdade. Existe todo tipo de ameaças e invasões, tanto de um lado quanto do outro lado da ilha. Há arrendamento de pasto, turismo e pescadores. Além disso, estão construindo barragens nos rios dentro da ilha, nos rios Formoso e no Javaé”, explicou.
“Existe todo tipo de ameaças e invasões, tanto de um lado quanto do outro lado da ilha. Há arrendamento de pasto, turismo e pescadores”
No último Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas – dados 2020, o Cimi mostrou que “existe um roteiro para o extermínio dos povos indígenas livres ou isolados no Brasil. Estão em situação de extrema ameaça, só comparada ao período da ditadura militar, quando muitos foram dizimados ou sofreram drástica redução populacional”.
Durante as falas, foi revelado que o aumento do desmatamento, das queimadas e das invasões das terras indígenas e das unidades de conservação agrava o cenário dos povos indígenas livres – ações estimuladas pelo atual governo.
De acordo com os dados do último Relatório de Violência do Cimi, 24 terras indígenas – onde existem registros de presença de 48 povos isolados – estão invadidas por madeireiros, garimpeiros, grileiros, caçadores, pescadores e extrativistas. Ao todo, o Cimi reconhece a existência de 116 povos indígenas em situação de isolamento voluntário, enquanto a Funai confirma, oficialmente, apenas 28.
Olimpio Guajajara, liderança do povo Guajajara, foi um dos participantes do debate. De acordo com Olímpio, é preciso ter organização para enfrentar esse contexto de violência. “Se não nos organizarmos, os não indígenas vão tomar as nossas terras e vão se apossar, como já vem acontecendo. Estamos com 522 anos de perseguição. Para onde foi toda a riqueza do nosso país que nem um índio vendeu? Fomos abandonados, quase dizimados no nosso país. Até hoje a gente enfrenta essa guerra”.
“Se não nos organizarmos, os não indígenas vão tomar as nossas terras e vão se apossar, como já vem acontecendo. Estamos com 522 anos de perseguição”
Outra ameaça enfrentada pelos indígenas livres é o avanço da Covid-19 – ponto também negligenciado pelo governo Bolsonaro. Durante a atividade, foi transmitido um vídeo com a fala de uma liderança da Aldeia São Luís, do Vale do Javari (AM).
“No pico da pandemia de Covid-19, uma equipe de saúde da Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena] foi ao nosso território sem fazer quarentena. Nós ainda não sabíamos como o vírus era transmitido, a aldeia não tinha preparo nenhum. Nesse momento, transmitiram a doença para o nosso povo. Na aldeia não teve mortes, mas parece que tinham explodido uma bomba”, afirmou, em vídeo, a liderança.
“Na aldeia não teve mortes, mas parece que tinham explodido uma bomba”
“O governo não tinha nenhuma estratégia para nos proteger, então nós começamos a criar as próprias estratégias para não pegar a doença. Tomamos nossa própria medida de controle, de entrada e saída da aldeia, para prevenir. A Funai não tomou iniciativa em nenhum momento”, completou.
Tenda Tapiri
Logo cedo, lideranças femininas Guarani e Kaiowá comandaram a mesa “Como os fundamentalismos e racismos religiosos têm afetado a vida dos povos indígenas e do povo de Terreiro”, no Tapiri Ecumênico I, tenda localizada próxima à Capela Ecumênica da UFPA.
Na mesa, Adelaide Lopes, liderança religiosa Guarani Kaiowá, falou sobre o atual contexto de ameaças e ataques sofridos pelo seu povo no estado de Mato Grosso do Sul (MS). A fala de Adelaide foi traduzida para o português por Lucine Guarani Kaiowá, jovem liderança indígena e representante da Kuñangue Aty Guasu – Grande Assembleia das Mulheres Guarani e Kaiowá.
“Em nome do meu povo guarani kaiowá, do estado de Mato Grosso do Sul, faço a denúncia de que estamos sofrendo por causa da nossa religião. Os homens brancos estão forçando os próprios indígenas atearem fogo em nossas casas de reza. Além disso, gostaria de denunciar também outros ataques e ameaças que estamos sofrendo. A gente usa a nossa reza contra o pistoleiro, usa contra o fazendeiro para não mais passar por esse massacre”, afirmou Adelaide.
“Os homens brancos estão forçando os próprios indígenas atearem fogo em nossas casas de reza”
“E quero dizer aqui, para todos que estão escutando a minha fala: que possamos usar sempre as nossas pinturas, a nossa cultura, cada um no seu modo de ser. Vim aqui falar sobre isso também para fortalecer para além da minha aldeia”, finalizou.