“Nosso sangue clama por justiça”: Aty Guasu publica carta sobre ação da PM e do estado do Mato Grosso do Sul contra o tekoha Guapoy
Após retomada, indígenas foram atacados por policiais e fazendeiros; um Guarani Kaiowá foi morto e pelo menos outros nove ficaram feridos no ataque
Na manhã deste sábado, 25 de junho, a Aty Guasu – Grande Assembleia Guarani e Kaiowá tornou pública uma nota em que externa a “dor e total revolta e indignação com a ação covarde da Policia Militar e do estado do Mato Grosso do Sul contra o tekoha Guapoy”, no município de Amambai, no Mato Grosso do Sul.
Após indígenas dos povos Guarani e Kaiowá retomarem, novamente, retomarem parte do território de Guapoy, policiais militares e fazendeiros invadiram a área, nesta sexta-feira (24/6), com o objetivo de expulsar, por meio do uso da força, os indígenas – mesmo não havendo ordem judicial.
Devido à gravidade e truculência do ataque, os indígenas referem-se à situação como “massacre de Guapoy”. “Foram atacadas crianças, jovens, idosos, famílias que decidiram, depois de muito esperar sem alcançar seu direito, retomar um território que sempre foi deles e que foi roubado no passado de nosso povo”, destaca a Aty Guasu.
Conforme relatos dos indígenas, foram disparados “tiros em jovens desarmados, violações a pessoas rendidas, disparos de helicóptero, tudo isso inclusive com uso de munição letal, deram o tom da covardia levada a cabo por um corpo policial que atuou sem mandado de reintegração de posse”.
Os indígenas ainda denunciam e exigem a “imediata prisão e responsabilização do Governador do estado do MS, do comando da BOP/PM, e do secretário de segurança do Estado do MS”. Além disso, cobram a investigação de servidores da Funai em Amambai e Ponta Porã (MS), “por coparticipação e facilitação do massacre”.
Atualização em 25/06/2022, às 20:50: Devido à desproporcionalidade e à truculência da ação policial, as lideranças Guarani e Kaiowá ainda buscavam por mais possíveis mortos e feridos, o que não se confirmou. A ação violenta da PM resultou no assassinato de Vitor Fernandes, 42 anos, e deixou outros nove indígenas feridos. Segundo informações do Hospital Regional de Amambai, três indígenas foram liberados neste sábado (25) da internação hospitalar, mas pelo menos quatro ainda estavam internados, inclusive com ferimentos por arma de fogo na cabeça e em outras regiões vitais do corpo. No sábado, um dos indígenas ainda se encontrava na UTI de Ponta Porã.
Confira a carta na íntegra, aqui:
NOSSO SANGUE CLAMA POR JUSTIÇA!
A Grande Assembleia da Aty Guasu Guarani e Kaiowá vem a público trazer sua dor e total revolta e indignação com a ação covarde da PM e do estado do Mato Grosso do Sul contra a comunidade e território de Guapoy.
Este ataque já está sendo chamada em todos os nossos territórios de Massacre de Guapoy. Em mais uma ação ilegal da PM que tem agido como Cão de Guarda do ruralismo e da corja política ruralista no Estado, foram atacadas crianças, jovens, idosos, famílias que decidiram, depois de muito esperar sem alcançar seu direito, retomar um território que sempre foi deles e que foi roubado no passado de nosso povo.
As imagens do Massacre falam por sí e são de fazer doer a alma do mais duro dos seres humanos. Tiros em jovens desarmados, violações a pessoas rendidas, disparos de helicóptero, tudo isso inclusive com uso de munição letal, deram o tom da covardia levada a cabo por um corpo policial que atuou sem mandado de reintegração de posse.
Inclusive é preciso denunciar que são dezenas de ações de despejo ilegal realizadas no mesmo modelo contra os povos do MS, sejam eles Kaiowá, e também contra outros povos como os Kinikinau, desde 2016, apenas não sendo maior o número porque na pandemia nos deixaram para morrer por falta de iniciativa de saúde do Estado, não precisando os policiais irem fazer o serviço sujo.
Logo na sequência do Massacre, típico de quem se adianta para esconder e acobertar o próprio crime, o secretário de segurança do convocou uma coletiva de imprensa cheia de mentiras e absurdos – chavões antigos que destilam preconceito contra nós, como associação de indígenas com drogas e sendo colocados genericamente como paraguaios – que nem mesmo se sustentam frente as inúmeras imagens que já vão ganhando o mundo.
Será que a criança, caída atingida por uma bala de borracha, que consiste em uma das imagens corresponde ao tráfico de drogas? Já são dois mortos, podendo ser maior o número (a comunidade fala em pelo menos 04) e ao menos 10 feridos. Nos solidarizamos ao mesmo tempo com o ataque realizado -no mesmo dia do Massacre contra a comunidade de Kurupi\Santiago Kue, onde a PM junto com fazendeiros abriu fogo contra famílias, por pouco não causando o mesmo estrago.
Nós, da Aty Guasu, levaremos a todas as esferas esse Massacre e não desistiremos até que os responsáveis sejam punidos e responsabilizados. Exigimos a imediata prisão e responsabilização do Governador do Estado do MS, do comando da BOP/PM, e do secretário de segurança do Estado do MS.
Da mesma forma, queremos e exigimos a investigação e prisão de mais três pessoas. Do servidor Nilton da Funai de Amambai e do servidor José da Funai de Ponta Porã por coparticipação e facilitação do Massacre.
Neste sentido, nossa dor não termina e diante dos áudios e provas, também pedimos a investigação e prisão do Capitão da reserva de Amambai, por facilitação do massacre. Não podemos permitir que divisões internas sejam instrumentalizadas pelo Poder Público e que isso nos tire a vida.
Ainda em tempo, exigimos que o MPF de Ponta Porã, que tem se mostrado lento em compreender a realidade imposta, assuma seu dever em defender nossos direitos imediatamente, sob o risco de ser conivente com todos estes atos de violência contra nosso povo.
Aty Guasu, 25 de junho de 2022.