14/06/2022

Guardiões da Floresta realizam formação política na TI Arariboia, no Maranhão

Segundo o Cimi – Regional Maranhão, a formação política tornou-se necessária devido ao aumento de invasores nos territórios; essa é a segunda etapa da ação

Registros da formação na Terra Indígena Araribóia. Foto: Gilderlan Rodrigues/Cimi-MA

Registros da formação na Terra Indígena Araribóia. Foto: Gilderlan Rodrigues/Cimi-MA

Por Jesica Carvalho e Lucimar Carvalho, do Cimi Regional Maranhão

Os Guardiões da Floresta realizaram entre os dias 25 e 31 de maio, na Terra Indígena (TI) Arariboia, a sua segunda etapa de formação política. A atividade contou com o apoio do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – Regional Maranhão e com a presença de guardiões das regiões Zutiwa, Juçaral Jenipapo, Canudal, Barreiro e Arariboia. Juntos, compartilharam as ações de proteção que os Guardiões da Floresta vêm realizando na região norte do território, que segue sendo foco de entrada de madeireiros.

Segundo a assessora jurídica do Cimi – Regional Maranhão, Lucimar Carvalho, a formação política tornou-se necessária, pois “três caminhões de madeireiros foram encontrados, no dia 27 de maio, em ação de extração ilegal de madeira dentro do território”. Na região norte da TI Arariboia, os Awá Guajá livres, não contatados, desfrutam dessa parte do território.

“A formação política tornou-se necessária, pois três caminhões de madeireiros foram encontrados, no dia 27 de maio, em ação de extração ilegal de madeira dentro do território”

Registros da formação na Terra Indígena Araribóia. Foto: Gilderlan Rodrigues/Cimi-MA

Embora os Guardiões da Floresta tenham fechado cerca de 28 ramais, por onde os madeireiros entravam, dos 32 que existem no território, a continuidade das invasões ainda é uma realidade. Essa situação coloca os Awá Guajá livres em situação de vulnerabilidade. O que pode ser confirmado com a última operação da Polícia Federal realizada nessa TI, que desmontou serrarias que funcionavam clandestinamente e extraíam a madeira do território.

Nos dias em que aconteceu a formação, a assessoria jurídica do Cimi – Regional Maranhão pôde constatar, in loco, o contexto de vulnerabilidade em que o território se encontra, mesmo com a ação dos Guardiões da Floresta em defesa do território. Assim, os guardiões têm colocado seus corpos à frente na defesa do Bem Viver e da vida.

No entanto, os órgãos oficiais têm pouca atuação para coibir as invasões que destroem a terra dos povos Tentehara/Guajajara e Awá Guajá. “A possibilidade de represália por parte de não-indígenas pela atuação dos Guardiões [da Floresta] é constante, deixando-os apreensivos e exigindo, dessa forma, apoio das instituições que atuam na defesa dos seus direitos”, destaca Lucimar Carvalho.

“A possibilidade de represália por parte de não-indígenas pela atuação dos Guardiões [da Floresta] é constante”

Paulo Paulino Guajajara, Guardião da Floresta assassinado na Terra Indígena Arariboia. Foto: Sarah Shenker/Survival International

Paulo Paulino Guajajara, Guardião da Floresta assassinado na Terra Indígena Arariboia. Foto: Sarah Shenker/Survival International

Na oportunidade, foram discutidos temas em relação às ações jurídicas de interesse do povo, como o acompanhamento do julgamento do assassinato do guardião Paulo Paulino Guajajara, e da situação política e jurídica quanto aos direitos dos povos indígenas e suas claras ameaças de retrocesso: o julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365 (com Repercussão Geral) – caso Xokleng; o Projeto de Lei (PL) da Mineração (PL 191/2020); o PL 490/2007, que busca estabelecer novos marcos sobre demarcação dos territórios. Com destaque e ênfase para a inconstitucionalidade de tais propostas legislativas e a reafirmação do direito originário reconhecido pela Constituição Federal de 1988.

“Outro ponto de destaque no encontro foi a reflexão sobre as diversas formas e âmbitos de criminalização e discriminação a que a atividade dos Guardiões [da Floresta] é constantemente submetida, violentando claramente preceitos e direitos constitucionais, jurisprudências e normas internacionais como a Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho]”, afirma Lucimar Carvalho.

Olímpio Iwyramu Guajajara, relata a importância da capacitação e planejamento para a luta dos Guardiões da Floresta.  “Nós precisamos bastante do apoio e da cobertura de todos os parceiros que nos apoiam e que apoiam essa luta que é nossa, a nossa organização interna dos Guardiões da Floresta”, aponta.

“Nós precisamos bastante do apoio e da cobertura de todos os parceiros que nos apoiam e que apoiam essa luta”

Guardiões da Floresta durante formação política na Terra Indígena Arariboia, no Maranhão. Foto: Lucimar Carvalho/Cimi Regional Maranhão

Destaca-se, assim, a importância da formação política para os Guardiões da Floresta, tendo em vista que, apesar da luta pela proteção territorial, esses guerreiros buscam permanência dos direitos dos povos indígenas conquistados em 1988. Enfatiza-se, ainda, que o histórico de violência e assassinatos rodeia os Tentehara/Guajajara, principalmente aqueles que se encontram à frente da proteção territorial, como é o caso dos Guardiões da Floresta, que se esforçam para descontinuar ahistórica exploração e espoliação do seu povo, a exemplo do que aconteceu com vários defensores e guardiões tombados pela ganância e ânsia de continuar a destruição da floresta.

De acordo com Gilderlan Rodrigues, coordenador do Cimi – Regional Maranhão, a formação política para os Guardiões da Floresta é importante em dois aspectos: “o primeiro em relação ao envolvimento dos guardiões na TI Arariboia pela luta dos seus direitos, garantidos pela Constituição Federal de 1988, que visam a demarcação das terras indígenas, a sua organização social, a educação diferenciada, a assistência à saúde diferenciada e aos territórios. O segundo, por sua vez, refere-se ao fortalecimento organizativo dentro do território, para que os guardiões façam um trabalho com as suas aldeias e demais lideranças para despertar em todos o sentimento de pertencimento e proteção do território”, enfatiza.

 

Guardiões da Floresta

Os Guardiões da Floresta constituem uma gestão autônoma do território, com suas formas próprias de organização, que seguem regras e normas observadas por seus ocupantes e por aqueles que vivem em suas extremidades e que, porventura, adentrem em sua terra. A Constituição Cidadã destaca o respeito às formas próprias de organização dos povos originários, dessa forma, o objetivo dos Guardiões da Floresta é claro: a proteção ao território e de quem ali vive.

Mesmo determinado pela Constituição Federal que cabe à União a proteção das terras indígenas, tal direito continua sem a garantia eficaz por parte do Estado. Assim, com o aumento das invasões de madeireiros e garimpeiros aos territórios indígenas do Maranhão, em 2012, foi constituído o grupo Guardiões da Floresta, com atuação dos povos originários, que passou a patrulhar as áreas demarcadas.

“A organização dos Guardiões [da Floresta], sua atuação em defesa do território e do bem viver dos povos que ali convivem não somente é legítima, mas se sustenta em seu direito originário as formas próprias de organização que estão reconhecidas pela Constituição Federal. No seu direito à autodeterminação e à autonomia de gestão do seu território conforme preceitua a convenção 169 da OIT”, acrescenta Lucimar Carvalho.

“Os Guardiões da Floresta constituem uma gestão autônoma do território, com suas formas próprias de organização”

Registros da formação na Terra Indígena Araribóia. Foto: Gilderlan Rodrigues/Cimi-MA

A assessora jurídica complementa, ainda, que, conforme estabelece a Declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas, os Estados devem reconhecer o seu direito à autodeterminação, à autonomia ou ao autogoverno nas questões relacionadas a seus assuntos internos e locais, bem como o direito de conservar e reforçar suas próprias instituições políticas, jurídicas, econômicas, sociais e culturais.

Desse modo, os Guardiões da Floresta reforçam a força dos seus guerreiros ancestrais na luta pela proteção do seu território. Por sua vez, o Cimi – Regional Maranhão, em sua histórica luta de defesa dos direitos dos povos indígenas, “reafirma sua presença e aliança com a causa, atuando de acordo como se apresenta sua missão, nas mais diversas situações, com fé e compromisso”, finaliza Lucimar Carvalho.

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