Em audiência pública, indígenas, indigenistas e senadores criticam atual contexto de violência em terras indígenas
A reunião ocorreu na manhã desta quarta-feira (22) na CDH do Senado Federal; lideranças indígenas, representantes da Univaja, do INA e da Funai participaram da audiência
“Quantos mais ‘Brunos’ e ‘Doms’ precisarão morrer? Temos que andar com segurança, com carro blindado. Isso não é vida. Não estamos pedindo nada demais, só queremos ter acesso a todas as garantias constitucionais. Apenas isso”. O desabafo foi de Eliesio Marubo, representante da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), durante uma audiência pública na manhã desta quarta-feira (22), no Senado Federal.
A reunião, convocada pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH), o senador Humberto Costa (PT/PE), teve como objetivo investigar o contexto de violência contra os povos indígenas da região Norte do país.
Segundo o requerimento (nº 37/2022 – CDH), a audiência deveria ser realizada para “investigar, ‘in loco’, as causas do aumento da criminalidade e de atentados na região Norte, com o objetivo de debater as causas do aumento da criminalidade e de atentados na região Norte”.
Estiveram presentes na audiência lideranças indígenas dos povos Macuxi (RR), Guarani Kaiowá (MS) e Tupinambá (BA), representantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da Univaja. Geovanio Oitaia Pantoja, coordenador-geral de Índios Isolados e Recém Contatados da Fundação Nacional do Índio (Funai), e Fernando Vianna, presidente do Indigenistas Associados (INA), também participaram do encontro – mas em formato virtual.
‘Não foi caso isolado’
Durante a reunião, representantes de organizações indígenas e indigenistas voltaram a afirmar que o assassinato de Bruno e de Dom não foi um caso isolado: o episódio faz parte de um contexto de aumento de violência na região Amazônica, especialmente no Vale do Javari.
Fernando Vianna, presidente do INA, não escondeu a sua preocupação com o contexto da região. Segundo ele, quando recebeu a notícia do desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, ficou “muito preocupado”, pois sabia que não era um caso único.
Em sua fala, o presidente do INA lembrou, ainda, do caso de Maxciel Pereira dos Santos, funcionário da Funai também assassinado na Terra Indígena (TI) do Vale do Javari. Em 2019, o corpo de Maxciel foi encontrado com dois tiros na nuca. A Polícia Federal do Amazonas abriu um inquérito para apurar o crime, mas, até hoje, a investigação não foi concluída e nenhum suspeito foi indiciado. Maxciel trabalhava com a fiscalização e combate às atividades ilícitas.
“Há todo um quadro de invasão de pessoas que ingressam nas terras para atividades ilegais. Junto com os crimes ambientais mais costumeiros, como pesca e caça ilícitas, há articulações com forças do crime muito mais complexas, com conexões com o narcotráfico internacional e o comércio de armas”, afirmou Fernando.
“Há todo um quadro de invasão de pessoas que ingressam nas terras para atividades ilegais”
Críticas à Funai
Durante a audiência, os participantes não disfarçaram o descontentamento perante a atual gestão da Funai – presidida por Marcelo Xavier. Segundo Fernando, “o momento é de indignação, porque o ambiente é de descaso, assédio e de falta de diálogos tanto com servidores quanto com os próprios indígenas”.
Ele alegou também que “a Funai possui uma diretoria comprometida não com os direitos indígenas, mas sim com interesses econômicos e de setores que disputam a posse de terras indígenas”. Ao final, Fernando pediu aos senadores presentes – senador Humberto Costa (PT/PE) e Randolfe Rodrigues (Rede/AP) – que ajudem a dialogar com o Ministério da Justiça.
“A Funai possui uma diretoria comprometida não com os direitos indígenas, mas sim com interesses econômicos”
Eliesio Marubo, representante da Univaja, também se posicionou a respeito do descaso da Funai. “Bruno e Dom estavam realizando uma atividade de necessidade dos povos indígenas daquela região [Vale do Javari], mas tivemos um resultado terrível. É importante colocar como ponto principal a ineficiência dos órgãos públicos perante casos como esse, sobretudo a Funai. Gostaria também de ouvir o Ministério Público Federal [MPF]. O que fizeram com as tantas denúncias que fizemos?”, indagou.
Eliesio também falou sobre as constantes ameaças de morte sofridas pela diretoria da Univaja, intensificadas a partir de 2019 – quando começaram os trabalhos do atual governo. O representante reforçou que é importante dar continuidade aos trabalhos da comissão para dar respostas “às famílias e à sociedade”.
“Teremos mais casos na região. Vários integrantes da diretoria da Univaja estão ameaçados. Continuaremos de cara limpa brigando pelos nossos parentes e exigindo que o Estado cumpra sua obrigação”, afirmou em tom de indignação.
“Continuaremos de cara limpa brigando pelos nossos parentes e exigindo que o Estado cumpra sua obrigação”
Resposta da Funai
A respeito do caso Bruno e Dom, Geovanio Oitaia Pantoja, coordenador-geral de Índios Isolados e Recém-Contatados da Funai, disse durante a audiência que a Funai foi informada dos desaparecimentos apenas na manhã da segunda-feira, dia 6 de junho de 2022. Geovanio alegou que, no mesmo dia, equipes da Funai na região começaram as buscas – que já estavam sendo feitas desde domingo pela Univaja.
“A todo momento a ideia era encontra-los vivos. As angústias foram aumentando conforme os dias iam passando. Então a Funai esteve presente em todo o processo de busca e acompanhamento dessas equipes, juntamente com a Polícia Federal e com outras instituições presentes na busca”, explicou.
Geovanio disse que a Funai tem realizado ações de fiscalização dentro dos territórios indígenas ao lado da Força Nacional de Segurança Pública e da Polícia Militar.
Em um momento, a fala de Geovanio foi interrompida pelo senador Randolfe, que questionou o motivo de o representante da Funai não ter comparecido presencialmente à audiência pública, já que estava em Brasília. Indignado, o senador sugeriu realizar uma nova reunião para que Geovanio preste mais esclarecimentos, mas presencialmente.
Povos em Brasília
A audiência pública foi acompanhada por indígenas de três povos: Macuxi (RR), Guarani Kaiowá (MS) e Tupinambá (BA). Ao final, as lideranças compartilharam, brevemente, seus contextos, pediram aos senadores que os ajudem e entregaram aos senadores um documento com denúncias contra o governo federal.
Os indígenas fazem parte das delegações que chegaram em Brasília, nesta semana, para realizar audiências e atos contra a retirada de pauta do julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, no Supremo Tribunal Federal (STF) – julgamento que definirá a demarcação das terras indígenas de todo o país.
Cerca de 150 indígenas, de seis povos, estarão presentes na capital, a princípio, até o dia 23 de junho de 2022 – entre eles, povos Xokleng (SC), Guarani Kaiowá (MS), Tupinambá (BA), Taurepang, Wapichana e Macuxi (os três últimos do estado de Roraima/RR). Ao longo da semana, outras delegações deverão se somar aos atos. As mobilizações e agendas das delegações estão sendo acompanhadas pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).