Além do ‘Massacre de Guapoy’, Polícia Militar ataca famílias Kaiowá e Guarani de Kurupi, em Naviraí (MS)
Ataques acabaram ofuscados pela proporção do ‘Massacre de Guapoy’, mas são importantes para elucidar a atuação de forças de segurança na defesa de interesses privados no Estado
Por Cimi Regional Mato Grosso do Sul
Ao mesmo tempo em que ocorria o ‘Massacre de Guapoy’, episódio marcado pela violenta ação da Policia Militar (PM) do estado de Mato Grosso do Sul, que assassinou o indígena Vitor Fernandes e deixou dezenas de feridos, uma série de outros ataques igualmente protagonizados pela PM e fazendeiros da região de Naviraí (MS) ficaram ofuscados e subnotificados.
Esses ataques são importantes para, na contramão do que tem argumentado a Polícia Militar em relação ao ‘Massacre de Guapoy’, elucidar o fato de que, em Mato Grosso do Sul, as forças de segurança têm agido organicamente e de maneira ilegal na defesa de interesses privados.
Acampados há pelo menos duas décadas na beira da BR-163, cerca de 28 famílias Kaiowá e Guarani, do território de Kurupi/Santiago Kue, estão sob a mira de policias, fazendeiros e jagunços há pelo menos cinco dias – sofrendo ataques e cercos diários, envoltos em clima de terror.
Ataques Recentes
Na noite de quinta-feira (23), cerca de 30 indígenas retomaram parte de seu território ancestral, localizado dentro do macro território Dourados-Amambai Pegua II, em Naviraí (MS). Os indígenas chegaram a ocupar a Sede da Fazenda Tejui, uma das que incide sobre seu território.
De acordo com uma das lideranças da comunidade, a motivação da retomada ocorreu em razão das diversas ameaças que os indígenas voltaram a sofrer por parte dos fazendeiros da região. E, ao mesmo tempo, por medo de as demarcações sofrerem retrocessos perante o atual cenário político, ainda mais após a retirada de pauta do julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365.
Logo após a retomada, os indígenas sofreram um pesado ataque armado. Nesse momento, identificaram, entre seus agressores, fazendeiros, jagunços e integrantes da PM – esses últimos, inclusive, postaram vídeos em redes sociais comemorando a ação de despejo ilegal. O ataque em Naviraí começou ainda na madrugada da última quinta-feira e se estendeu até o início da manhã seguinte, resultando no desaparecimento de três pessoas – que foram encontradas dias depois.
“Logo após a retomada, os indígenas sofreram um pesado ataque armado. Identificaram, entre seus agressores, fazendeiros, jagunços e integrantes da PM “
Os indígenas relatam a intensidade dos disparos efetuados por arma de fogo e denunciam que, por muito pouco, não ocorreu um segundo massacre, na mesma manhã que ocorria o de Guapoy.
Após esse primeiro ataque, entre sábado (25) e terça-feira (28) os cercos e disparos têm sido incessantes e diários, sendo que nessas novas investidas os ataques têm sido proferidos contra o pequeno acampamento Kaiowá e Guarani espremido entre as fazendas e a BR-163. No domingo (26), ao alvorecer, disparos foram efetuados contra a comunidade, que buscou dissuadir os policias e fazendeiros com gritos e barulhos.
Já nessa segunda, dia 27, indígenas denunciam que unidades policias se instalaram dentro da Sede da Fazenda Tejui e, de lá, passaram a organizar momentos de disparos contra a comunidade, um desses flagrado por meio de gravações de vídeos – os tiros são claramente escutados. Novamente, nesse caso, os indígenas saíram até o limite do acampamento para tentar impedir um possível deslocamento dos fazendeiros e policiais até o local onde estão suas famílias.
“Após esse primeiro ataque, entre sábado (25) e terça-feira (28) os cercos e disparos têm sido incessantes e diários”
Infelizmente, ataques ilegais efetuados por policias, sejam eles despejos sem ordem de reintegração de posse ou cercos e disparos contra comunidades, têm se tornado evento cotidiano no estado de Mato Grosso do Sul. Em razão disso e, pela vulnerabilidade do local onde os indígenas de Kurupi se encontram, a comunidade segue pedindo socorro e atenção das instâncias responsáveis.
Ataques se somam a histórico de violações
Infelizmente, os últimos ataques protagonizados pelos policiais e fazendeiros não são as primeiras violações conhecidas pelos indígenas de Kurupi. Os indígenas esperam acampados há duas décadas a publicação de um Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID), já concluído pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
O ato em si já é uma terrível violação aos Direitos Humanos e Indígenas, uma vez que, sem seu território, os Guarani e Kaiowá encontram-se em péssimas condições de vida e vêm passando por longos períodos de fome. Tendo o território negligenciado, ficam à mercê de inúmeros ataques.