Em encontro, povo Guarani denuncia violações cometidas por governos de quatro países
O Conselho Continental da Nação Guarani se reuniu em Foz do Iguaçu (PR) entre os dias 13 e 15 de maio; juntos, elaboraram um documento para direcionar aos governos do Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia
Entre os dias 13 e 15 de maio, representantes do Conselho Continental da Nação Guarani (CCNAGUA) se reuniram em Foz do Iguaçu (PR) para denunciar as violações de direitos sofridas pelos Guarani, povo que habita quatro países: Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia. Esse foi o primeiro encontro presencial do Conselho desde o início da pandemia de Covid-19.
Além dos Guarani, estiveram presentes no encontro representantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), do Equipo Nacional de Pastoral Aborigen (ENDEPA), da Argentina, e da Institución Ecuménica de Promoción Social (Oguasu), do Paraguai.
O CCNAGUA foi criado em 2010 durante o III Encontro Continental da Nação Guarani, em Assunção, no Paraguai. O Conselho é composto por representantes dos Guarani dos quatro países – Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia –, e tem como sua instância máxima uma grande assembleia composta pelas bases e lideranças tradicionais do povo Guarani.
De acordo com Clovis Brighenti, historiador e membro do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – Regional Sul, o encontro foi um “momento importante e de atualização”.
“O Conselho [CCNAGUA] se reorganizou e estabeleceu novas metas e planos de trabalho para os próximos anos. Entre as ações do CCNAGUA, constam a firme determinação no apoio às lutas locais do povo Guarani, em especial à ação pela demarcação, a garantia e a livre determinação desses territórios para que os povos possam, de fato, exercer sua soberania alimentar e cultural, sem interferência de agentes externos”.
“Entre as ações do CCNAGUA, constam a firme determinação no apoio às lutas locais do povo Guarani, em especial à ação pela demarcação”
Durante o encontro, os conselheiros puderam constatar que, em especial no Brasil e no Paraguai, mesmo com alguns territórios já demarcados, os Guarani estão sofrendo uma forte pressão do agronegócio – impulsionado pelos próprios governos desses países – para utilizar as terras para arrendamento e para a produção agropecuária. Na avaliação de Clovis, essas práticas contrariam os princípios socioculturais do povo Guarani, o que gera miséria, fome e insegurança.
Além disso, o Conselho também refletiu e estabeleceu algumas proposições de diálogo com órgãos internacionais, uma vez que os quatro países citados nesta matéria são signatários da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e também dos demais mecanismos e órgãos da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA).
“Então a busca por um amparo e posição desses órgãos da ONU e da OEA é considerado pelos Guarani um marco estratégico, porque, em nível local dos governos nacionais, perceberam e percebem que os avanços são mínimos. E, nos últimos anos, houve mais recuos do que avanços”, afirmou o historiador.
“Em nível local dos governos nacionais, perceberam e percebem que os avanços são mínimos”
As violações de direitos efetivadas pelos governos militares desses países, como a construção de hidrelétricas, também foram pautadas durante essa última reunião do Conselho.
“A hidrelétrica de Itaipu Binacional é um exemplo. Inclusive, há uma ação dos Guarani no Supremo Tribunal Federal [STF] para que os governos façam a devida reparação através de seus órgãos e também do Governo do Estado do Paraná. No Paraguai, os Guarani também estão se organizando e propondo ações no âmbito nacional e internacional para a reparação dos direitos violados por essas grandes obras dos governos militares”, explicou Clovis.
Ao final do encontro, os representantes do CCNAGUA elaboraram um documento direcionado aos governos dos quatro países, à sociedade civil e às comunidades Guarani. Nele, denunciam o histórico de violências sofrida pelos Guarani. Juntos, propõe também a resistência permanente pelos territórios, a fim de evitar despejos e a perda de direitos.
Veja a carta na íntegra:
MANIFIESTO DEL CONCEJO CONTINENTAL DE LA NACIÓN GUARANÍ
El Concejo Continental de la Nación Guaraní (CCNAGUA) reunido en la ciudad de Foz de Iguazú – Brasil – del 13 al 15 de mayo de 2022 queremos decir y denunciar las violaciones de derechos que hacen al desarrollo pacífico y saludable que las Comunidades de nuestro pueblo, que trasciende las fronteras políticas de Paraguay, Brasil, Bolivia y Argentina, merecen tener.
Deseamos que este mensaje llegue a nuestro pueblo presente en más de 1600 tekoha kuéra en nuestro territorio en las tierras bajas de la América del Sur. Juntos somos más de 260 mil personas y como Concejo estamos cerca de cada uno y con todos asumimos las luchas, el dolor y la resistencia de nuestro pueblo.
Muchos siglos antes que llegara el primer europeo, nuestros abuelos y abuelas, marcaban con su huella el territorio que hoy nos vemos obligados a reclamar.
Por ellos, en el caso de Argentina, queremos expresar nuestro total repudio a las declaraciones y el proyecto de derogación de la Ley 26.160 (2006) de la diputada Victoria Villarruel, del bloque “La Libertad Avanza”.
Esta ley ordena la demarcación y reconocimiento territorial del territorio de ocupación y uso de las diferentes comunidades, prohibiendo – hasta la finalización del relevamiento- desalojar a las Comunidades del territorio en que se encuentren.
Acusa de “usurpadores” a las Comunidades, nadie puede usurpar lo que le pertenece, las Comunidades recuperan su territorio del que ha dispuesto – sin su autorización – un Estado amparado en un inmoral derecho de conquista heredado de la corona española.
Al Estado Paraguayo, le exigimos que respete sus compromisos jurídicos internacionales, asumidos voluntariamente, y así, proceder de inmediato a la derogatoria del art. 162 del Código Penal paraguayo, que criminaliza nuestra lucha por nuestras tierras ancestrales. Denunciamos ante organismos internacionales los numerosos desplazamientos forzados que el Estado paraguayo está promoviendo a través de desalojos que consideramos ilegales. Instamos al Poder Judicial y al Ministerio Público a que se anule la orden de desalojo de nuestra comunidad Hugua poi, ubicada en el distrito de Raúl Arsenio Oviedo, departamento de Caaguazú, teniendo en cuenta que se trata de un territorio ancestral de nuestro pueblo Mbya, y donde 52 de nuestras familias viven allí.
Reiteramos el cumplimiento de la deuda histórica de territorios inundados en las dos hidroeléctricas Yasyretã e Itaipu que tiene con el pueblo Guaraní en los tres países. Pedimos que la Corte Suprema de Justicia de Brasil de seguimiento a ACO 3555 a fin de reparar las violaciones de derechos de los Guaraní.
Expresamos el mismo repudio a todas las acciones antiindígenas que el Estado brasileño ha tomado contra nuestras comunidades que sufren la peor situación de falta de tierra en el país. Denunciamos los avances que ha hecho el gobierno de Jair Bolsonaro, en connivencia con diputados ruralistas, para salir del Convenio 169 de la OIT. Alertamos a la ONU sobre los crímenes de lesa humanidad que este gobierno ha cometido contra nuestras comunidades. Exhortamos al fiscal de la Corte Penal Internacional a dar seguimiento a las denuncias presentadas por nuestro pueblo. Exigimos que el parlamento brasileño presente todos los proyectos de ley contrarios a nuestros derechos, como el 490, 191 y la PEC 215. A riesgo de que nunca más se garanticen nuestras tierras tradicionales, instamos al Supremo Tribunal Federal de Brasil a juzgar RE-RG 1.017.365 en defensa de nuestros derechos territoriales originales. No al Marco Temporal!
Nos unimos a nuestros pueblos Guaraní en Bolivia y queremos estar con ellos en sus luchas, construyendo juntos la Nación Guaraní, el camino constante. Reafirmamos la denuncia hecha junto al Estado Plurinacional de Bolivia cuanto el desastre natural y la emergencia nacional que nuestras comunidades están sufriendo ante la severa sequía, producto de la crisis climática, y la consecuente pérdida de cultivos. Bolivia debe aprobar una ley y un plan de emergencia y cooperar con las comunidades. Debe seguir reconociendo el autogobierno en los territorios que nos pertenecen, respetando el principio de la no interferencia y fortaleciendo la Asamblea del Pueblo Guaraní (APG) desde nuestras decisiones.
A nuestros che retarã kuery que sufren con los desalojos, desamparo y otros tipos de violencia, queremos ofrecer nuestra solidaridad y apoyo. Estamos alertas y listos para contribuir a las luchas y defensa de los derechos y la autodeterminación. Reafirmamos nuestro compromiso con ningún derecho a menos.
Así como el sol sale cada mañana, la Nación Guaraní ha mostrado la constancia de su resistencia, el CCNAGUA nació para acompañar a nuestros hermanos y hermanas en la defensa de sus derechos y territorios.
Iguasu, Paraná, 15 de mayo de 2022