Após decisão judicial, indígenas Guarani e Kaiowá temem despejo violento em Naviraí (MS)
Deferida pela Justiça Federal nesta segunda (18), liminar de despejo oficia as Polícias Federal e Militar para auxiliar na remoção forçada das 37 famílias do tekoha Mboreviry
Indígenas Guarani e Kaiowá temem despejo violento após a decisão da Justiça Federal de Naviraí, no Mato Grosso do Sul, que determina a desocupação do tekoha Mboreviry e impõe a reintegração de posse em favor da empresa do Grupo Petrópolis, num prazo de até dez dias. A liminar de despejo foi deferida na tarde desta segunda-feira, 18 de abril, contra o território de ocupação tradicional que está em processo de retomada desde o final do ano de 2021.
Na decisão, “a Justiça Federal de Naviraí determinou que comunidade indígena Mboreviry desocupe a área retomada em dez dias. Sendo assim, há a iminência de despejo policial que poderá ocorrer contra a comunidade Guarani e Kaiowá”, alerta Anderson Santos, advogado da comunidade Guarani e Kaiowá e assessor jurídico do Conselho indigenista Missionário (Cimi) Regional Mato Grosso do Sul.
O pedido de reintegração de posse foi movido por uma empresa do Grupo Petrópolis, um dos principais fabricantes de cerveja do Brasil, que tem interesse no local. “A empresa do Grupo Petrópolis [cervejaria] ingressou ainda no ano passado com ação de reintegração de posse contra a comunidade indígena Mboreviry, em Naviraí, onde vivem pelo menos 37 famílias ocupando um ínfimo pedaço de seu antigo tekoha”, explica o advogado da comunidade.
Segundo descreve o processo, a área reivindicada pelos indígenas como território tradicional serve de centro de distribuição da Cervejaria Petrópolis e outro imóvel onde funciona uma oficina. Além disso, estão em vias de conclusão outros dois contratos com outras empresas para se estabelecerem no terreno.
“Há negociações para que o Mercado Livre venha para Naviraí/MS e coloque seu centro de distribuição no referido lote. (…) Informou que também tem a intenção de fazer um loteamento em parte do imóvel”, lista a decisão judicial.
Os indígenas realizaram a retomada guiados pela memória e pelos relatos de seus anciões, que recordam que a área sempre foi frequentada e utilizada pelos Guarani e Kaiowá da área. Os indígenas denominam o córrego Touro, às margens do qual está localizado o tekoha, de Mboreviry, nome que também deram à retomada.
“O momento é de apreensão na comunidade e nós, defensores de direitos humanos, precisamos estar mobilizados para acompanhar qualquer iniciativa de despejo que possa ocorrer”
“O momento é de apreensão na comunidade e nós, defensores de direitos humanos, precisamos estar mobilizados para acompanhar qualquer iniciativa de despejo que possa ocorrer contra a comunidade”, reforça Anderson.
A situação dos Guarani e Kaiowá se torna ainda mais complexa e temerosa quando na decisão da Justiça Federal de Naviraí/MS, determina que a reintegração de posse movida contra os indígenas “não viola” as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspenderam despejos em meio à pandemia.
Em 2020, o ministro Edson Fachin suspendeu todos os despejos contra comunidades indígenas até a conclusão do julgamento de repercussão geral sobre demarcação de terras, e o ministro Roberto Barroso, mais recentemente, estendeu a suspensão dos despejos no Brasil até junho de 2022, em razão da crise sanitária.
Anderson explica porque esse argumento não se sustenta. “É totalmente equivocado, pois a Repercussão Geral, ao ser atribuída a um determinado tema, suspende todos os processos que estejam ou venham a entrar em andamento. Pegamos como exemplo a repercussão geral do caso de revisão do FGTS, onde processos antigos ou nascedouros são suspensos já no recebimento da petição inicial”, argumenta.
A narrativa abordada pelo juiz que proferiu a decisão, busca criar, novamente, um marco temporal. “A decisão do [ministro] Fachin não diz nada sobre tempo, não diz sobre data. Ela atribui repercussão geral a todos os processos possessório e dominiais que versem sobre demarcação de território tradicional indígena. Outro ponto a ser esclarecido é que, independentemente da fase administrativa em que estiver o processo de demarcação, este não vincula o processo judicial, cabe enfatizar. Com isso, a ação deve ser suspensa até o julgamento do caso de repercussão geral”, explica Anderson.
Não suficiente, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), de número 828 (ADPF 828) suspendeu qualquer tipo de despejo, seja ele envolvendo indígenas, sem-terra ou sem teto, até junho de 2022. “Então, o juiz está afrontando, literalmente, a disposição do Supremo Tribunal Federal”, esclarece Anderson.
Na decisão proferida nesta segunda (18), a Justiça Federal destaca ficar “autorizado o uso da força policial para acompanhar o Oficial de Justiça no cumprimento da ordem judicial”. Ainda consta oficiar “a Polícia Federal, a Polícia Militar e a Prefeitura do Município para que auxilie na reintegração de posse forçada, caso seja necessário”.
Os Guarani e Kaiowá temem um despejo violento contra a comunidade que vive em situação de vulnerabilidade, agravada pela pandemia da Covid-19. Mesmo ameaçada de despejo, a comunidade Guarani e Kaiowá luta pela demarcação do território de ocupação tradicional e irá recorrer da decisão da Justiça Federal. As lideranças relatam não ter perdido o vínculo e nunca deixaram de frequentar a área retomada.