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Após decisão judicial, indígenas Guarani e Kaiowá temem despejo violento em Naviraí (MS)

A comunidade Guarani e Kaiowá do tekoha Mboreviry, em Naviraí (MS), reivindica a demarcação da área retomada em outubro de 2021. Foto: Ruy Sposati/Cimi Regional Mato Grosso do Sul

A comunidade Guarani e Kaiowá do tekoha Mboreviry, em Naviraí (MS), reivindica a demarcação da área retomada em outubro de 2021. Foto: Ruy Sposati/Cimi Regional Mato Grosso do Sul

Por Assessoria de Comunicação do Cimi

Indígenas Guarani e Kaiowá temem despejo violento após a decisão da Justiça Federal de Naviraí, no Mato Grosso do Sul, que determina a desocupação do tekoha Mboreviry e impõe a reintegração de posse em favor da empresa do Grupo Petrópolis, num prazo de até dez dias. A liminar de despejo foi deferida na tarde desta segunda-feira, 18 de abril, contra o território de ocupação tradicional que está em processo de retomada desde o final do ano de 2021.

Na decisão, “a Justiça Federal de Naviraí determinou que comunidade indígena Mboreviry desocupe a área retomada em dez dias. Sendo assim, há a iminência de despejo policial que poderá ocorrer contra a comunidade Guarani e Kaiowá”, alerta Anderson Santos, advogado da comunidade Guarani e Kaiowá e assessor jurídico do Conselho indigenista Missionário (Cimi) Regional Mato Grosso do Sul.

O pedido de reintegração de posse foi movido por uma empresa do Grupo Petrópolis [1], um dos principais fabricantes de cerveja do Brasil, que tem interesse no local. “A empresa do Grupo Petrópolis [cervejaria] ingressou ainda no ano passado com ação de reintegração de posse contra a comunidade indígena Mboreviry, em Naviraí, onde vivem pelo menos 37 famílias ocupando um ínfimo pedaço de seu antigo tekoha”, explica o advogado da comunidade.

Segundo descreve o processo, a área reivindicada pelos indígenas como território tradicional serve de centro de distribuição da Cervejaria Petrópolis e outro imóvel onde funciona uma oficina. Além disso, estão em vias de conclusão outros dois contratos com outras empresas para se estabelecerem no terreno.

“Há negociações para que o Mercado Livre venha para Naviraí/MS e coloque seu centro de distribuição no referido lote. (…) Informou que também tem a intenção de fazer um loteamento em parte do imóvel”, lista a decisão judicial.

Os indígenas realizaram a retomada [2] guiados pela memória e pelos relatos de seus anciões, que recordam que a área sempre foi frequentada e utilizada pelos Guarani e Kaiowá da área. Os indígenas denominam o córrego Touro, às margens do qual está localizado o tekoha, de Mboreviry, nome que também deram à retomada.

“O momento é de apreensão na comunidade e nós, defensores de direitos humanos, precisamos estar mobilizados para acompanhar qualquer iniciativa de despejo que possa ocorrer”

“O momento é de apreensão na comunidade e nós, defensores de direitos humanos, precisamos estar mobilizados para acompanhar qualquer iniciativa de despejo que possa ocorrer contra a comunidade”, reforça Anderson.

A situação dos Guarani e Kaiowá se torna ainda mais complexa e temerosa quando na decisão da Justiça Federal de Naviraí/MS, determina que a reintegração de posse movida contra os indígenas “não viola” as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspenderam despejos em meio à pandemia.

Em 2020, o ministro Edson Fachin suspendeu todos os despejos contra comunidades indígenas [3] até a conclusão do julgamento de repercussão geral sobre demarcação de terras, e o ministro Roberto Barroso, mais recentemente, estendeu a suspensão dos despejos no Brasil até junho de 2022 [4], em razão da crise sanitária.

Anderson explica porque esse argumento não se sustenta. “É totalmente equivocado, pois a Repercussão Geral, ao ser atribuída a um determinado tema, suspende todos os processos que estejam ou venham a entrar em andamento. Pegamos como exemplo a repercussão geral do caso de revisão do FGTS, onde processos antigos ou nascedouros são suspensos já no recebimento da petição inicial”, argumenta.

A narrativa abordada pelo juiz que proferiu a decisão, busca criar, novamente, um marco temporal. “A decisão do [ministro] Fachin não diz nada sobre tempo, não diz sobre data. Ela atribui repercussão geral a todos os processos possessório e dominiais que versem sobre demarcação de território tradicional indígena. Outro ponto a ser esclarecido é que, independentemente da fase administrativa em que estiver o processo de demarcação, este não vincula o processo judicial, cabe enfatizar. Com isso, a ação deve ser suspensa até o julgamento do caso de repercussão geral”, explica Anderson.

Não suficiente, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), de número 828 (ADPF 828) suspendeu qualquer tipo de despejo, seja ele envolvendo indígenas, sem-terra ou sem teto, até junho de 2022. “Então, o juiz está afrontando, literalmente, a disposição do Supremo Tribunal Federal”, esclarece Anderson.

Na decisão proferida nesta segunda (18), a Justiça Federal destaca ficar “autorizado o uso da força policial para acompanhar o Oficial de Justiça no cumprimento da ordem judicial”. Ainda consta oficiar “a Polícia Federal, a Polícia Militar e a Prefeitura do Município para que auxilie na reintegração de posse forçada, caso seja necessário”.

Os Guarani e Kaiowá temem um despejo violento contra a comunidade que vive em situação de vulnerabilidade, agravada pela pandemia da Covid-19. Mesmo ameaçada de despejo, a comunidade Guarani e Kaiowá luta pela demarcação do território de ocupação tradicional e irá recorrer da decisão da Justiça Federal. As lideranças relatam não ter perdido o vínculo [2] e nunca deixaram de frequentar a área retomada.