Após destruição, comunidade Guarani na TI Tarumã (SC) questiona ação ilegal na Justiça
No litoral norte de Santa Catarina, a aldeia Ka’aguy Mirim Porã teve casas destruídas na semana passada, em invasão promovida por um grupo não indígenas acompanhado por policiais militares
Na manhã da última terça-feira (22/3), o núcleo Ka’aguy Mirim Porã, da Terra Indígena Tarumã, em Araquari (SC), foi alvo de uma violenta invasão por não indígenas, que levou à destruição de casas de moradia, casa de reza, instrumentos de trabalho e objetos de importância espiritual. Agora, a comunidade e a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) estão denunciando a violação de seus direitos à Justiça.
A ação foi protagonizada por um grupo de não indígenas acompanhado por policiais militares do estado de Santa Catarina, que adentrou a Terra Indígena ilegalmente e destruiu uma casa de reza, casas de moradia, galinheiro, depósito de mudas, ponte e dois portões. Também foram destruídos um forno de barro que era utilizado como instrumento de trabalho e objetos de importância espiritual. As perdas são consideradas imensuráveis pela comunidade guarani.
Apesar de enfrentar um processo de reintegração de posse na Justiça Estadual, a TI Tarumã é uma Terra Indígena declarada há mais de 12 anos: em 2008, os estudos de identificação e delimitação da TI foram aprovados por relatório da Fundação Nacional do Índio (Funai) e, em 2009, ela teve sua portaria declaratória publicada pelo Ministério da Justiça. A aldeia Ka’aguy Mirim Porã, surpreendida pelo ataque na semana passada, é um dos três núcleos que compõem a TI.
“Tem jurua aqui dentro!”
Não é a primeira vez que os Guarani na TI Tarumã são alvo de invasões por caçadores, madeireiros, desmatadores ilegais, grileiros e outros intrusos. Segundo relatos de lideranças que preferiram não se identificar, as invasões têm sido constantes, mas se agravaram neste mês de março graças à omissão dos órgão de fiscalização responsáveis.
Na invasão ocorrida na terça, o cenário de destruição e truculência chocou os moradores. “Quando cheguei lá, o portão já estava arrombado de novo. Liguei pra minha esposa e falei: ‘Tem jurua aqui dentro!’. Imediatamente ela ligou para avisar a Funai e chamar a polícia. Aí eu entrei mais pra dentro e encontrei três jurua destruindo minha barraquinha e que já tinha queimado tudo lá pra frente”, testemunha um dos moradores da área.
“Eu entrei mais pra dentro e encontrei três jurua destruindo minha barraquinha e que já tinha queimado tudo lá pra frente”
Segundo as lideranças guarani, o grupo invasor acompanhado por policiais alegava estar cumprindo uma ordem judicial de reintegração de posse – sem, contudo, apresentar qualquer mandado judicial à comunidade. Um membro do grupo invasor, vestido com trajes militares, chegou a falsamente alegar ser integrante do Exército a fim de intimidar a comunidade e legitimar a destruição da aldeia.
Enfrentamento na Justiça
As lideranças da TI Tarumã procuraram a Polícia Civil para registrar Boletim de Ocorrência, além de terem mobilizado Funai, Ministério Público Federal (MPF) e outras autoridades públicas para fazer valer seus direitos. A Assessoria Jurídica da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), que representa a comunidade, também ingressou na ação de reintegração de posse que ameaça os Guarani que vivem nessa área.
Um dos principais pontos questionados na Justiça pela comunidade é a ilegalidade da ação de não indígenas e policiais em Ka’aguy Mirim Porã, tanto pela ausência de mandado judicial de reintegração de posse, quanto por contrariar determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) – que suspende a tramitação e proíbe o cumprimento de reintegrações de posse contra comunidades indígenas desde 2020.
Para a assessoria da CGY, a Justiça Estadual de Santa Catarina não tem competência para processar e julgar o caso – já que processos relacionados a direitos indígenas correm em âmbito federal – e a ação de reintegração de posse deveria ser extinta.
A luta continua
Localizada no município de Araquari (SC), a TI Tarumã enfrenta, nos últimos anos, um aumento da pressão por empreendimentos, como a instalação de uma fábrica da BMW – o que, segundo as lideranças da região, tem potencializado invasões dentro da TI. “Sabemos que a terra é nossa, mas com as fábricas chegando, se a gente não se movimentar, a gente vai ficar no meio da cidade”, avalia uma das lideranças da região, que preferiu não se identificar.
“Sabemos que a terra é nossa, mas com as fábricas chegando, se a gente não se movimentar, a gente vai ficar no meio da cidade”
Outra das lideranças que prefere não se identificar reforça que os Guarani seguirão resistindo: “A gente vai continuar trabalhando até a gente conseguir construir o barraquinho de novo e a gente vai voltar para lá com certeza. A certeza é que a gente vai continuar nossa luta”.