Ano eleitoral: governo busca aprovar “pautas da morte”
Antes das decisões das urnas, bancadas alinhadas à Bolsonaro devem forçar a aprovação da agenda anti-indígena
2022 é um ano eleitoral e será marcado por diversos acontecimentos importantes que decidirão o futuro do país, incluindo às inúmeras decisões a cargo do Poder Legislativo, que colocam os parlamentares numa corrida contra o tempo para aprovação de projetos de interesse do governo ainda sem definição. Toda essa dinâmica dá mais movimento ao Congresso Nacional e algumas pautas ganham ainda mais força.
O coordenador do Cimi Sul, Roberto Liebgott, em entrevista ao Jornal Extra Classe, frisou que os últimos oito meses “desse desgoverno serão desafiadores e precisaremos, mais do que tudo, colocar obstáculos à sua saga devastadora e, para tanto, necessitaremos intensificar as denúncias, as mobilizações e as articulações políticas e jurídicas no Brasil e no exterior”.
Para “passar a boiada” antes das decisões das urnas, negligenciando à política indigenista e ambiental do País e em apoio às chamadas “pautas da morte”, o governo de Jair Bolsonaro, primeiro governo desde a redemocratização a não demarcar nenhuma terra indígena, tenta, a todo custo, votar projetos que são danosos aos povos originários e à legislação socioambiental brasileira, ainda mais diante da influência popular reduzida pela nova onda de Coronavírus e com a Câmara e Senado atuando remotamente. Ou seja, mesmo diante da continuidade da crise sanitária, econômica e ambiental, o governo e seus apoiadores no parlamento seguem movimentando propostas que servem ao interesse de poucos.
Veja a agenda anti-indígena do governo federal, pautada no Congresso Nacional
Veja a agenda anti-indígena do governo federal, pautada no Congresso Nacional, com propostas legislativas que buscam restringir os direitos dos povos originários ou que causam danos irreversíveis aos ecossistemas brasileiros.
• Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 177/2021 – Denúncia da Convenção 169/OIT
O que prevê: a desobrigação do Brasil ao cumprimento à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), principal instrumento de direito internacional para a proteção dos direitos indígenas e quilombolas, garantindo às comunidades tradicionais, entre outras coisas, o direito de autodeterminação sobre suas próprias vidas e território, rompendo com a doutrina da tutela do Estado e, ao mesmo tempo, com aquela ideia do que é civilizado e do que não é civilizado. O Projeto, de autoria do Deputado Federal Alceu Moreira (MDB-RS), pretende autorizar o Presidente da República a denunciar a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), permitindo que Jair Bolsonaro retire o Brasil da Convenção, que é reconhecida em 23 países.
Status: Desde maio do ano passado está em discussão na Câmara dos Deputados e, agora, aguarda designação de relator na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional.
• Projetos de Lei 191/2020 – PL da Mineração
O que prevê: a liberação para mineração, construção de hidrelétricas, a exploração de petróleo e gás e a agricultura em larga escala nas terras indígenas sem entraves, mesmo sem aval dos índios. De autoria do deputado Homero Pereira (PR-MT) e do Executivo, o PL da Mineração ameaça a soberania dos indígenas sobre seus territórios, aumentam sua exposição à violência, a doenças e contaminações.
Status: PL 191 aguarda apreciação na Câmara, aguardando a criação de comissão especial pela Mesa Diretora.
• Projetos de Lei 490/2007 – Ameaça a territórios e povos indígenas
O que prevê: a flexibilização do usufruto exclusivo das terras indígenas pelos povos originários, garantido pela Constituição, e, na prática, inviabiliza demarcações de terras indígenas ao impor a tese do marco temporal, além de transferir do Executivo para o Legislativo a prerrogativa de demarcação de terras indígenas. De autoria do deputado Homero Pereira (PR-MT) e do Executivo, o PL ainda permite a exploração de terras indígenas para os mais diversos empreendimentos econômicos, como agronegócio, mineração e construção de hidrelétricas.
Status: PL 490 foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e segue para votação no plenário.
• Projetos de Lei 2.633/2020 e 510/2021 – PLs da Grilagem
O que prevê: alteração das normas de regularização fundiária em áreas da União. São chamados de “PLs da Grilagem” e, na prática, propõem legalizar grandes extensões de terras públicas. O PL 510, além disso, pretende alterar a data limite para que invasões de terras públicas sejam legalizadas, passando o prazo de 2011 para 2014. Com os PLs, de autoria do deputado federal Zé Silva (Solidariedade-MG) e do senador Irajá Abreu (PSD/TO), as ocupações ilegais poderão ser regularizadas apenas com a apresentação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), dispensarão imóveis de recompor a vegetação nativa e devem aumentar os conflitos por áreas com títulos precários.
Status: projetos de lei 2.633/2020 está na Câmara e o 510/2021 no Senado, aguardam apreciação.
• Projeto de Lei 2.159/2021 (antigo 3.729/2004) – “a mãe de todas as boiadas”
O que prevê: o desmonte do licenciamento ambiental de obras no país todo, ao isentar 13 tipos de atividades e permitir o “autolicenciamento” para uma série de projetos, derrubando parâmetros nacionais para que estados decidam sobre processos, fragilizando um dos principais instrumentos de proteção ambiental. Isso deve aumentar a judicialização de licenças e as ameaças a comunidades indígenas e tradicionais afetadas por obras, abre alas ao desmatamento e outros impactos dentro e fora de áreas protegidas. É de autoria dos deputados petistas, como Luciano Zica (PT/SP), Walter Pinheiro (PT/BA) e Zezéu Ribeiro (PT/BA), mas sofreu inúmeras alterações no decorrer desses 17 anos até ser descaracterizado.
Status: a proposta já foi aprovada pelos deputados em maio do ano passado e agora tramita no Senado.
• Projeto de Lei 6.299/2002 – “pacote do veneno”
O que prevê: o aumento da circulação de agrotóxicos no país, por meio da flexibilização da autorização e registro de agrotóxicos no país, permitindo a liberação de agrotóxicos mutagênicos, carcinogênicos e de alta toxicidade, liberando inclusive substâncias que são proibidas em outros países. O “pacote do veneno” flexibiliza os critérios de controle e de autorização destas substâncias e troca o termo “agrotóxicos” por “pesticidas”. De autoria do ex-senador Blairo Maggi, o PL distancia a agricultura ecológica e justa, traz risco para a saúde humana (câncer e malformação) e danos ambientais (contaminação da água, solo e ar), além de trazer ainda mais insegurança alimentar, porque o uso de agrotóxicos favorece a produção de mais commodities (soja, milho, algodão) e não de mais comida.
Status: Após 20 anos de tramitação, a Câmara dos Deputados aprovou o texto final do Projeto de Lei que agora aguarda apreciação pelo Senado Federal.
• Projeto de Lei 5.544/2020 – PL da “caça esportiva”
O que prevê: a liberação da “caça esportiva” de qualquer animal silvestre no país, alegando fomentar a “conservação de espécies ameaçadas de extinção”. O tiroteio estaria liberado para qualquer pessoa com mais de 21 anos portando um registro e uma licença de Colecionador, atirador ou Caçador (CAC). É de autoria do deputado federal Nilson Stainsack (PP/SC).
Status: pronta para entrar na pauta da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara.
• Projeto de Lei PL 4.348/19 – Grilagem em assentamentos rurais
O que prevê: a liberação da grilagem em assentamentos rurais e a privatização de áreas destinadas à reforma agrária. O PL ameaça direitos de agricultores e agricultoras familiares e pode facilitar a ocupação ilegal de terras públicas. O texto aprovado altera a legislação atual que regulamenta a regularização fundiária em assentamentos rurais dentro e fora da Amazônia Legal. No entanto, já existe lei para titular terras de trabalhadores rurais – ela precisa ser aplicada.
Status: em abril do ano passado foi aprovado sem nenhum debate no Senado e, agora, aguarda definição da Câmara. Se aprovado pelos deputados, seguirá para sanção presidencial.
• PDL 28/2019 – Fragmentação de terras indígenas
O que prevê: a exclusão da Terra Indígena São Marcos da área urbana da sede do Município de Pacaraima, em Roraima, uma uma brecha para que territórios indígenas sejam fragmentados em todo o país. De autoria do senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), o argumento é de que a União teria “afrontado” os poderes do município ao regulamentar as terras em seus limites. No entanto, o processo administrativo de demarcação e homologação da terra foi concluído em 1991 pelo Decreto de Homologação 312/1991 e com o Registro no Sistema de Patrimônio da União (SPU) efetivado. O município de Pacaraima só foi criado em 1995. O artigo 1º do Decreto situa, na época, a TI São Marcos “no município de Boa Vista”.
Status: Depois de passar pelo Senado em 2019, o PDL tramita na Câmara dos Deputados, aguardando deliberação no plenário.
• PL 984/2019 – Reabertura de estrada que corta ao meio o Parque Nacional do Iguaçu
O que prevê: a reabertura da Estrada do Colono dentro do Parque Nacional do Iguaçu, que é Patrimônio Natural da Humanidade e uma área de Mata Atlântica rica em biodiversidade. Localizado no Paraná, o parque seria cortado ao meio, ameaçando a vida de espécies animais e vegetais que habitam nele.
Status: Aguardando Constituição de Comissão Temporária pela Mesa, pronta para Pauta no Plenário.
STF: marco temporal no fim da fila
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, pautou o julgamento da tese do marco temporal, Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, para o dia 23 de junho de 2022, penúltima semana antes do recesso de julho, trazendo apreensão sobre a possibilidade um novo adiamento do caso, tendo em vista que, até outubro, outras questões de cunho eleitoral possam surgir no tribunal, jogando a causa indígena para o fim da fila.
O fato é que o governo federal, cada dia mais, tem negligenciado a política indigenista do País e somente a pressão da sociedade civil e de organizações nacionais e internacionais poderá pressionar o STF a concluir o julgamento, cobrando do presidente Fux seu posicionamento de que a matéria indígena teria prioridade no Supremo. Quanto mais o tribunal demora a decidir, maiores são as chances de os parlamentares aprovarem o marco temporal por meio do PL 490, que aguarda votação em plenário.