09/03/2022

Ano eleitoral: governo busca aprovar “pautas da morte”

Antes das decisões das urnas, bancadas alinhadas à Bolsonaro devem forçar a aprovação da agenda anti-indígena

Ato simbólico de denuncia a agenda anti-indígena do governo federal e do Congresso Nacional. Um grande caixão, simbolizando os “projetos de morte” contra os povos originários, foi queimado em frente ao Palácio do Planalto em agosto de 2021, durante a realização do acampamento “Luta Pela Vida”, que reuniu mais de 6 mil indígenas de 176 povos de todas as regiões do País. Foto: Marina Oliveira/Cimi

Por Hellen Loures da Assessoria de Comunicação do Cimi – MATÉRIA PUBLICADA ORIGINALMENTE NA EDIÇÃO 442 DO JORNAL PORANTIM

2022 é um ano eleitoral e será marcado por diversos acontecimentos importantes que decidirão o futuro do país, incluindo às inúmeras decisões a cargo do Poder Legislativo, que colocam os parlamentares numa corrida contra o tempo para aprovação de projetos de interesse do governo ainda sem definição. Toda essa dinâmica dá mais movimento ao Congresso Nacional e algumas pautas ganham ainda mais força.

O coordenador do Cimi Sul, Roberto Liebgott, em entrevista ao Jornal Extra Classe, frisou que os últimos oito meses “desse desgoverno serão desafiadores e precisaremos, mais do que tudo, colocar obstáculos à sua saga devastadora e, para tanto, necessitaremos intensificar as denúncias, as mobilizações e as articulações políticas e jurídicas no Brasil e no exterior”.

Para “passar a boiada” antes das decisões das urnas, negligenciando à política indigenista e ambiental do País e em apoio às chamadas “pautas da morte”, o governo de Jair Bolsonaro, primeiro governo desde a redemocratização a não demarcar nenhuma terra indígena, tenta, a todo custo, votar projetos que são danosos aos povos originários e à legislação socioambiental brasileira, ainda mais diante da influência popular reduzida pela nova onda de Coronavírus e com a Câmara e Senado atuando remotamente. Ou seja, mesmo diante da continuidade da crise sanitária, econômica e ambiental, o governo e seus apoiadores no parlamento seguem movimentando propostas que servem ao interesse de poucos.

Veja a agenda anti-indígena do governo federal, pautada no Congresso Nacional

Foto Hellen Loures/Cimi

Veja a agenda anti-indígena do governo federal, pautada no Congresso Nacional, com propostas legislativas que buscam restringir os direitos dos povos originários ou que causam danos irreversíveis aos ecossistemas brasileiros.

Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 177/2021 – Denúncia da Convenção 169/OIT

O que prevê: a desobrigação do Brasil ao cumprimento à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), principal instrumento de direito internacional para a proteção dos direitos indígenas e quilombolas, garantindo às comunidades tradicionais, entre outras coisas, o direito de autodeterminação sobre suas próprias vidas e território, rompendo com a doutrina da tutela do Estado e, ao mesmo tempo, com aquela ideia do que é civilizado e do que não é civilizado. O Projeto, de autoria do Deputado Federal Alceu Moreira (MDB-RS), pretende autorizar o Presidente da República a denunciar a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), permitindo que Jair Bolsonaro retire o Brasil da Convenção, que é reconhecida em 23 países.

Status: Desde maio do ano passado está em discussão na Câmara dos Deputados e, agora, aguarda designação de relator na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional.

Projetos de Lei 191/2020 – PL da Mineração

O que prevê: a liberação para mineração, construção de hidrelétricas, a exploração de petróleo e gás e a agricultura em larga escala nas terras indígenas sem entraves, mesmo sem aval dos índios. De autoria do deputado Homero Pereira (PR-MT) e do Executivo, o PL da Mineração ameaça a soberania dos indígenas sobre seus territórios, aumentam sua exposição à violência, a doenças e contaminações.

Status: PL 191 aguarda apreciação na Câmara, aguardando a criação de comissão especial pela Mesa Diretora.

• Projetos de Lei 490/2007 – Ameaça a territórios e povos indígenas

O que prevê: a flexibilização do usufruto exclusivo das terras indígenas pelos povos originários, garantido pela Constituição, e, na prática, inviabiliza demarcações de terras indígenas ao impor a tese do marco temporal, além de transferir do Executivo para o Legislativo a prerrogativa de demarcação de terras indígenas. De autoria do deputado Homero Pereira (PR-MT) e do Executivo, o PL ainda permite a exploração de terras indígenas para os mais diversos empreendimentos econômicos, como agronegócio, mineração e construção de hidrelétricas.

Status: PL 490 foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e segue para votação no plenário.

• Projetos de Lei 2.633/2020 e 510/2021 – PLs da Grilagem

O que prevê: alteração das normas de regularização fundiária em áreas da União. São chamados de “PLs da Grilagem” e, na prática, propõem legalizar grandes extensões de terras públicas. O PL 510, além disso, pretende alterar a data limite para que invasões de terras públicas sejam legalizadas, passando o prazo de 2011 para 2014. Com os PLs, de autoria do deputado federal Zé Silva (Solidariedade-MG) e do senador Irajá Abreu (PSD/TO), as ocupações ilegais poderão ser regularizadas apenas com a apresentação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), dispensarão imóveis de recompor a vegetação nativa e devem aumentar os conflitos por áreas com títulos precários.

Status: projetos de lei 2.633/2020 está na Câmara e o 510/2021 no Senado, aguardam apreciação.

• Projeto de Lei 2.159/2021 (antigo 3.729/2004) – “a mãe de todas as boiadas”

O que prevê: o desmonte do licenciamento ambiental de obras no país todo, ao isentar 13 tipos de atividades e permitir o “autolicenciamento” para uma série de projetos, derrubando parâmetros nacionais para que estados decidam sobre processos, fragilizando um dos principais instrumentos de proteção ambiental. Isso deve aumentar a judicialização de licenças e as ameaças a comunidades indígenas e tradicionais afetadas por obras, abre alas ao desmatamento e outros impactos dentro e fora de áreas protegidas. É de autoria dos deputados petistas, como Luciano Zica (PT/SP), Walter Pinheiro (PT/BA) e Zezéu Ribeiro (PT/BA), mas sofreu inúmeras alterações no decorrer desses 17 anos até ser descaracterizado.

Status: a proposta já foi aprovada pelos deputados em maio do ano passado e agora tramita no Senado.

• Projeto de Lei 6.299/2002 – “pacote do veneno”

O que prevê: o aumento da circulação de agrotóxicos no país, por meio da flexibilização da autorização e registro de agrotóxicos no país, permitindo a liberação de agrotóxicos mutagênicos, carcinogênicos e de alta toxicidade, liberando inclusive substâncias que são proibidas em outros países. O “pacote do veneno” flexibiliza os critérios de controle e de autorização destas substâncias e troca o termo “agrotóxicos” por “pesticidas”. De autoria do ex-senador Blairo Maggi, o PL distancia a agricultura ecológica e justa, traz risco para a saúde humana (câncer e malformação) e danos ambientais (contaminação da água, solo e ar), além de trazer ainda mais insegurança alimentar, porque o uso de agrotóxicos favorece a produção de mais commodities (soja, milho, algodão) e não de mais comida.

Status: Após 20 anos de tramitação, a Câmara dos Deputados aprovou o texto final do Projeto de Lei que agora aguarda apreciação pelo Senado Federal.

• Projeto de Lei 5.544/2020 – PL da “caça esportiva”

O que prevê: a liberação da “caça esportiva” de qualquer animal silvestre no país, alegando fomentar a “conservação de espécies ameaçadas de extinção”. O tiroteio estaria liberado para qualquer pessoa com mais de 21 anos portando um registro e uma licença de Colecionador, atirador ou Caçador (CAC). É de autoria do deputado federal Nilson Stainsack (PP/SC).

Status: pronta para entrar na pauta da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara.

• Projeto de Lei PL 4.348/19 – Grilagem em assentamentos rurais

O que prevê: a liberação da grilagem em assentamentos rurais e a privatização de áreas destinadas à reforma agrária. O PL ameaça direitos de agricultores e agricultoras familiares e pode facilitar a ocupação ilegal de terras públicas. O texto aprovado altera a legislação atual que regulamenta a regularização fundiária em assentamentos rurais dentro e fora da Amazônia Legal. No entanto, já existe lei para titular terras de trabalhadores rurais – ela precisa ser aplicada.

Status: em abril do ano passado foi aprovado sem nenhum debate no Senado e, agora, aguarda definição da Câmara. Se aprovado pelos deputados, seguirá para sanção presidencial.

• PDL 28/2019 – Fragmentação de terras indígenas

O que prevê: a exclusão da Terra Indígena São Marcos da área urbana da sede do Município de Pacaraima, em Roraima, uma uma brecha para que territórios indígenas sejam fragmentados em todo o país. De autoria do senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), o argumento é de que a União teria “afrontado” os poderes do município ao regulamentar as terras em seus limites. No entanto, o processo administrativo de demarcação e homologação da terra foi concluído em 1991 pelo Decreto de Homologação 312/1991 e com o Registro no Sistema de Patrimônio da União (SPU) efetivado. O município de Pacaraima só foi criado em 1995. O artigo 1º do Decreto situa, na época, a TI São Marcos “no município de Boa Vista”.

Status: Depois de passar pelo Senado em 2019, o PDL tramita na Câmara dos Deputados, aguardando deliberação no plenário.

• PL 984/2019 – Reabertura de estrada que corta ao meio o Parque Nacional do Iguaçu

O que prevê: a reabertura da Estrada do Colono dentro do Parque Nacional do Iguaçu, que é Patrimônio Natural da Humanidade e uma área de Mata Atlântica rica em biodiversidade. Localizado no Paraná, o parque seria cortado ao meio, ameaçando a vida de espécies animais e vegetais que habitam nele.

Status: Aguardando Constituição de Comissão Temporária pela Mesa, pronta para Pauta no Plenário.

Foto: Verônica Holanda/Cimi

STF: marco temporal no fim da fila

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, pautou o julgamento da tese do marco temporal, Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, para o dia 23 de junho de 2022, penúltima semana antes do recesso de julho, trazendo apreensão sobre a possibilidade um novo adiamento do caso, tendo em vista que, até outubro, outras questões de cunho eleitoral possam surgir no tribunal, jogando a causa indígena para o fim da fila.

O fato é que o governo federal, cada dia mais, tem negligenciado a política indigenista do País e somente a pressão da sociedade civil e de organizações nacionais e internacionais poderá pressionar o STF a concluir o julgamento, cobrando do presidente Fux seu posicionamento de que a matéria indígena teria prioridade no Supremo. Quanto mais o tribunal demora a decidir, maiores são as chances de os parlamentares aprovarem o marco temporal por meio do PL 490, que aguarda votação em plenário.

 

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