01/12/2021

Comunidade da TI Pium, em Roraima, sofre ataques de policiais após decisão favorável à reintegração de posse de fazendeiro

Ação da Polícia Militar ocorreu na manhã desta quarta-feira (1) na TI Pium, no município de Alto Alegre (RR); O CIR já vinha contestando a Justiça Estadual de Roraima sobre casos similares anteriores

Em ação, Polícia Militar atirou bombas de gás lacrimogêneo, usou spray de pimenta e atirou com arma de balas de borracha contra a comunidade da Ti Pium. Foto: comunidade da TI Pium

Por Assessoria de Comunicação do Cimi*

A tarde desta quarta-feira (1) foi marcada por mais um ataque da Polícia Militar contra povos indígenas de Roraima (RR). Dessa vez, a ação ocorreu na Terra Indígena (TI) Pium, região Tabaio, no município de Alto Alegre (RR), logo após a Vara da Comarca de Alto Alegre (RR) emitir decisão favorável à reintegração de posse de um fazendeiro da região.

Na ação, os policiais atiraram bombas de gás lacrimogêneo, usaram spray de pimenta e lançaram balas de borracha contra os moradores da comunidade. Em fotos e vídeos, é possível também perceber, ao fundo, um trator derrubando casas. Homens, mulheres, crianças e animais estavam presentes no momento das agressões.

De acordo com nota do Conselho Indígena de Roraima (CIR), “dois jovens ficaram feridos com balas de borracha, mesmo não havendo resistência por parte dos indígenas”. Segundo informações do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – Regional Norte I e do CIR, a situação continua tensa na noite desta quarta-feira (1).

“Dois jovens ficaram feridos com balas de borracha, mesmo não havendo resistência por parte dos indígenas”

Em ação da Polícia Militar, na TI Pium, moradores da comunidade ficam feridos após disparos com armas de bala de borracha. Foto: comunidade da TI Pium

No texto, o Poder Judiciário do estado de Roraima autoriza, explicitamente, o “uso da força policial”. “O (A) MM. Juiz (a) de Direito da Vara Cível da Comarca de Alto Alegre manda ao Senhor Oficial de Justiça a quem este for apresentado que reintegre na posse do imóvel acima identificado o autor da presente ação, identificado na exordial (anexa). Desde logo, fica autorizado o uso da força policial”, diz o texto da decisão.

“Desde logo, fica autorizado o uso da força policial”

Moradores da comunidade da TI Pium após lançamento de bomba de gás lacrimogêneo pela Polícia Militar. Foto: comunidade da TI Pium

Segundo informações do Cimi Regional Norte I, a juíza responsável por esse caso atuou em processo parecido contra a mesma comunidade, mas o autor era outro fazendeiro. Na ocasião, a juíza declinou a competência da Justiça Estadual e o processo seguiu para a Justiça Federal. A expectativa era de que fosse adotada a mesma decisão nesse episódio mais recente.

 

Contextualização

Em uma reunião da comunidade da TI Pium, no dia 11 de abril de 2021, lideranças relataram que foram procuradas pelo fazendeiro – favorecido no processo de reintegração de posse – e, então, informados de que ele iria levantar cercas em uma área do território. Segundo informações dos moradores, o local é preservado por eles há anos, porque passa um igarapé que “banha a comunidade”.

“É uma área que predomina ervas medicinais, uma área que não era ocupada por casas anos atrás, porque a nossa preocupação era a preservação, deixando somente os animais no espaço, como gados e porcos. Diante dessa informação do fazendeiro, surgiu a preocupação, porque o intuito dele é plantar soja e destruir nossa Mãe Terra”, afirmou uma das lideranças. 

Diante dessa informação do fazendeiro, surgiu a preocupação, porque o intuito dele é plantar soja e destruir nossa Mãe Terra”

Ação da Polícia Militar na comunidade Pium, no município de Alto Alegre (RR) após decisão favorável de reintegração de posse de fazendeiro da região. Foto: comunidade Pium

Ainda segundo os moradores da comunidade, eles decidiram, desde então, manter uma barreira de monitoramento e de ocupação da retomada dessa área. As lideranças afirmam, ainda, que, por várias vezes, tentaram explicar ao fazendeiro a importância dessa área para todos que moram no local e também para as futuras gerações.

 

Decisão do STF: despejos e desocupações 

Em uma decisão nesta quarta-feira (1), o ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), estendeu até 31 de março de 2022 as regras que suspendem os despejos e as desocupações por conta da pandemia da Covid-19.

No texto do ministro, ele também estabelece que a medida vale para imóveis tanto de áreas urbanas quanto de áreas rurais. Segundo Barroso, a medida é “urgente” perante o agravamento severo das condições socioeconômicas que vive o país.

“Com a chegada do mês de dezembro, constata-se que a pandemia ainda não chegou ao fim e o contexto internacional – notadamente com a nova onda na Europa e o surgimento de uma nova variante – recomenda especial cautela por parte das autoridades públicas”, frisou o ministro.

“Com a chegada do mês de dezembro, constata-se que a pandemia ainda não chegou ao fim”

Durante ação de reintegração de posse, na TI Pium, tratores são utilizados para derrubar casas. Foto: comunidade da TI Pium

 

Suspensão de despejos em meio à pandemia

A decisão do Poder Judiciário do estado de Roraima também foi na direção contrária de uma decisão liminar deferida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, no dia 7 de maio deste ano. O ministro suspendeu os efeitos do Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre todas as terras indígenas do Brasil.

A medida, desde então suspensa, determinava a aplicação da tese do marco temporal e inviabilizava a demarcação de grande parte das terras tradicionais no país.

Estabelecido ainda sob o governo de Michel Temer, em 2017, o “Parecer Antidemarcação” vinha sendo usado pelo governo Bolsonaro para reverter demarcações de terras indígenas em estágio avançado e justificar o abandono, pela Funai, da defesa de comunidades indígenas em processos judiciais.

Mas, nesse mesmo pedido, os indígenas e organizações haviam solicitado a suspensão de todos processos judiciais que poderiam resultar em despejos ou na anulação de demarcações durante a pandemia de covid-19.

Esta solicitação já havia sido atendida no dia 6 de maio de 2021 pelo ministro Fachin, que determinou a suspensão de todas as ações e recursos sobre terras indígenas até que o processo de repercussão geral seja julgado pelo STF ou até o fim da pandemia, caso ela perdure mais do que isso.

Fachin, em sua decisão, lembra que os indígenas sofreram historicamente com as doenças trazidas pelos europeus e que “essas moléstias foram responsáveis, até recentemente, por dizimarem etnias inteiras pelo interior do país”.

“Essas moléstias foram responsáveis, até recentemente, por dizimarem etnias inteiras pelo interior do país”

Indígenas do povo Xokleng e outros povos da região Sul acompanham audiência no STF. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Indígenas do povo Xokleng e outros povos da região Sul acompanham audiência no STF. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Para o ministro, o risco de novas reintegrações de posse em meio à pandemia agravaria a situação dos indígenas, “que podem se ver, repentinamente, aglomerados em beiras de rodovias, desassistidos e sem condições mínimas de higiene e isolamento para minimizar os riscos de contágio pelo coronavírus”.

 

*Com informações do Conselho Indígena de Roraima (CIR)

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