A tarde desta quarta-feira (1) foi marcada por mais um ataque da Polícia Militar contra povos indígenas de Roraima (RR). Dessa vez, a ação ocorreu na Terra Indígena (TI) Pium, região Tabaio, no município de Alto Alegre (RR), logo após a Vara da Comarca de Alto Alegre (RR) emitir decisão favorável à reintegração de posse de um fazendeiro da região.
Na ação, os policiais atiraram bombas de gás lacrimogêneo, usaram spray de pimenta e lançaram balas de borracha contra os moradores da comunidade. Em fotos e vídeos, é possível também perceber, ao fundo, um trator derrubando casas. Homens, mulheres, crianças e animais estavam presentes no momento das agressões.
De acordo com nota do Conselho Indígena de Roraima (CIR) [1], “dois jovens ficaram feridos com balas de borracha, mesmo não havendo resistência por parte dos indígenas”. Segundo informações do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – Regional Norte I e do CIR, a situação continua tensa na noite desta quarta-feira (1).
“Dois jovens ficaram feridos com balas de borracha, mesmo não havendo resistência por parte dos indígenas”
No texto, o Poder Judiciário do estado de Roraima autoriza, explicitamente, o “uso da força policial”. “O (A) MM. Juiz (a) de Direito da Vara Cível da Comarca de Alto Alegre manda ao Senhor Oficial de Justiça a quem este for apresentado que reintegre na posse do imóvel acima identificado o autor da presente ação, identificado na exordial (anexa). Desde logo, fica autorizado o uso da força policial”, diz o texto da decisão.
“Desde logo, fica autorizado o uso da força policial”
Segundo informações do Cimi Regional Norte I, a juíza responsável por esse caso atuou em processo parecido contra a mesma comunidade, mas o autor era outro fazendeiro. Na ocasião, a juíza declinou a competência da Justiça Estadual e o processo seguiu para a Justiça Federal. A expectativa era de que fosse adotada a mesma decisão nesse episódio mais recente.
Contextualização
Em uma reunião da comunidade da TI Pium, no dia 11 de abril de 2021, lideranças relataram que foram procuradas pelo fazendeiro – favorecido no processo de reintegração de posse – e, então, informados de que ele iria levantar cercas em uma área do território. Segundo informações dos moradores, o local é preservado por eles há anos, porque passa um igarapé que “banha a comunidade”.
“É uma área que predomina ervas medicinais, uma área que não era ocupada por casas anos atrás, porque a nossa preocupação era a preservação, deixando somente os animais no espaço, como gados e porcos. Diante dessa informação do fazendeiro, surgiu a preocupação, porque o intuito dele é plantar soja e destruir nossa Mãe Terra”, afirmou uma das lideranças.
“Diante dessa informação do fazendeiro, surgiu a preocupação, porque o intuito dele é plantar soja e destruir nossa Mãe Terra”
Ainda segundo os moradores da comunidade, eles decidiram, desde então, manter uma barreira de monitoramento e de ocupação da retomada dessa área. As lideranças afirmam, ainda, que, por várias vezes, tentaram explicar ao fazendeiro a importância dessa área para todos que moram no local e também para as futuras gerações.
Decisão do STF: despejos e desocupações
Em uma decisão [2] nesta quarta-feira (1), o ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), estendeu até 31 de março de 2022 as regras que suspendem os despejos e as desocupações por conta da pandemia da Covid-19.
No texto do ministro, ele também estabelece que a medida vale para imóveis tanto de áreas urbanas quanto de áreas rurais. Segundo Barroso, a medida é “urgente” perante o agravamento severo das condições socioeconômicas que vive o país.
“Com a chegada do mês de dezembro, constata-se que a pandemia ainda não chegou ao fim e o contexto internacional – notadamente com a nova onda na Europa e o surgimento de uma nova variante – recomenda especial cautela por parte das autoridades públicas”, frisou o ministro.
“Com a chegada do mês de dezembro, constata-se que a pandemia ainda não chegou ao fim”
Durante ação de reintegração de posse, na TI Pium, tratores são utilizados para derrubar casas. Foto: comunidade da TI Pium
Suspensão de despejos em meio à pandemia
A decisão do Poder Judiciário do estado de Roraima também foi na direção contrária de uma decisão liminar [3] deferida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, no dia 7 de maio deste ano. O ministro suspendeu os efeitos do Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre todas as terras indígenas do Brasil.
A medida, desde então suspensa, determinava a aplicação da tese do marco temporal e inviabilizava a demarcação de grande parte das terras tradicionais no país.
Estabelecido ainda sob o governo de Michel Temer, em 2017, o “Parecer Antidemarcação” vinha sendo usado pelo governo Bolsonaro para reverter demarcações de terras indígenas em estágio avançado e justificar o abandono, pela Funai, da defesa de comunidades indígenas em processos judiciais.
Mas, nesse mesmo pedido, os indígenas e organizações haviam solicitado a suspensão de todos processos judiciais que poderiam resultar em despejos ou na anulação de demarcações durante a pandemia de covid-19.
Esta solicitação já havia sido atendida no dia 6 de maio de 2021 pelo ministro Fachin, que determinou a suspensão de todas as ações e recursos sobre terras indígenas até que o processo de repercussão geral seja julgado pelo STF ou até o fim da pandemia, caso ela perdure mais do que isso.
Fachin, em sua decisão, lembra que os indígenas sofreram historicamente com as doenças trazidas pelos europeus e que “essas moléstias foram responsáveis, até recentemente, por dizimarem etnias inteiras pelo interior do país”.
“Essas moléstias foram responsáveis, até recentemente, por dizimarem etnias inteiras pelo interior do país”
Para o ministro, o risco de novas reintegrações de posse em meio à pandemia agravaria a situação dos indígenas, “que podem se ver, repentinamente, aglomerados em beiras de rodovias, desassistidos e sem condições mínimas de higiene e isolamento para minimizar os riscos de contágio pelo coronavírus”.
*Com informações do Conselho Indígena de Roraima (CIR)