Povos indígenas voltam à capital para reivindicar a retomada do julgamento do Recurso Extraordinário, no STF
No dia 11 de novembro, lideranças indígenas deram início ao movimento “Levante pela Democracia”; entre as pautas, estão a retomada do julgamento do RE 1.017.365 e a derrubada do PL 490
Mais uma vez, povos indígenas de todo o país voltaram à capital para lutar contra medidas que derrubam os direitos originários. Assim como no I Fórum Nacional de Educação Superior Indígena e Quilombola e na II Marcha das Mulheres Indígenas, o acampamento “Levante Pela Democracia”, uma extensão do “Levante Pela Terra”, foi erguido no gramado do espaço da Funarte, em Brasília. A mobilização começou no dia 11 de novembro e ainda não há previsão para finalizar.
Entre as reivindicações do movimento, está a retomada do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que trata das demarcações das terras indígenas. De acordo com Kretã Kaingang, liderança do povo Kaingang e coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a principal expectativa é saber quando o Supremo Tribunal Federal (STF) irá retomar o julgamento.
“Esperamos que seja colocado em pauta o mais rápido possível pelo presidente do STF [Luiz Fux]. Nós estamos em Brasília, mais uma vez, para fazer com que a sociedade incorpore o que está acontecendo com a gente, porque a questão não é só nossa. No caso, de uma derrota, todos vão sofrer as consequências”, afirmou Kretã.
A liderança, que também esteve presente na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – a COP 26 –, lembrou a importância de proteger as terras indígenas para evitar novas catástrofes ambientais. “Quando falamos em aquecimento global, o que faz a contenção de tudo, no caso, são as terras indígenas. E, quando esses projetos de lei são aprovados e assinados por esse desgoverno, toda a sociedade sofre e perde. Por isso, é importante construirmos juntos pautas em comum”, reforçou.
“Quando esses projetos de lei são aprovados e assinados por esse desgoverno, toda a sociedade sofre e perde”
Assim como Kretã, Brasílio Priprá, liderança do povo Xokleng, pretende sair da capital com uma data definida para a retomada do julgamento na Corte. “A maior preocupação do povo Xokleng é que a demora da votação pode piorar o cenário de ameaças nas aldeias. Então, estamos lutando pela democracia, para expor os nossos problemas e apresentar propostas em defesa dos povos indígenas. Esperamos que o STF apresente uma data e que nos dê segurança jurídica. Não só para o povo Xokleng, mas para todos os povos do Brasil”, afirmou Brasílio ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Carta ao STF
Na tarde dessa quarta-feira (17), lideranças do povo Xokleng, acompanhadas pelas equipes jurídica e de comunicação do Cimi, entregaram ao gabinete do presidente do STF, o ministro Luiz Fux, uma carta com o pedido da retomada do julgamento do RE. “O processo teve o julgamento suspenso por pedido de vista. Agora, diante da devolução do processo para julgamento pelo Ministro Vistor, Alexandre de Moraes, pedimos encarecidamente que possa colocar o caso para continuidade do julgamento”, diz um trecho da carta.
“Nosso direito é inalienável, indisponível e o direito que temos sobre nossas terras é imprescritível. Por isso mesmo não se sujeita esse direito à posse de não índios, fazendo dos títulos de propriedade incidente sobre a nossa terra, nulos de pleno direito”, afirmam as lideranças no mesmo texto.c No documento, as lideranças relembram casos de violência e invasões sofridas pelo povo Xokleng, como a perda da área indígena para os colonos e a construção de uma barragem no local.
“Nosso direito é inalienável, indisponível e o direito que temos sobre nossas terras é imprescritível”
Rafael Modesto, um dos advogados da povo Xokleng no caso e assessor jurídico do Cimi, frisou que o julgamento deve ser retomado, o quanto antes, em razão também de conflitos e ataques sofridos pelos Xokleng. “O pedido é para que, de pronto, com celeridade, esse processo seja recolocado em julgamento dado que os Xokleng estão passando por uma situação de instabilidade e insegurança jurídica, inclusive com situações de ameaças, ações de reintegração de posse movidas por empresas e fazendeiros”, explicou.
“A insegurança tem sido muito grande e o pedido direcionado ao presidente do STF foi para que paute o processo com brevidade e, no mérito, o pedido foi para que fosse provido o recurso garantido então o direito territorial do povo de se manter o território, de se reestruturar o território invadido. Uma área na qual foi demarcada no início do século passado, esbulhada, invadida e intitulada. Uma ocupação ilegal, injusta e ilícita por não-índios. O pedido é por justiça, para que o ministro se sensibilize”, completou.
“A insegurança tem sido muito grande e o pedido direcionado ao presidente do STF foi para que paute o processo com brevidade”
Após a entrega, Brasílio Priprá também reforçou a importância deste momento para os povos indígenas e para toda a sociedade brasileira, assim pontuado por ele. “Entregamos uma carta ao ministro Fux para que ele tenha um carinho e respeito, e coloque em pauta novamente o julgamento da Repercussão Geral para que beneficie todos os povos indígenas, a sociedade brasileira e o mundo. O nosso objetivo é sempre cuidar do meio ambiente, cuidar das florestas, dos rios, dos povos indígenas. Estamos mais uma vez nessa luta e esperançosos”, afirmou ao Cimi.
Leia a carta na íntegra:
Excelentíssimo Senhor Ministro Luiz Fux
Ref. Pauta de Julgamento: RE 1017365 (Tema 1031)
O Povo Xokleng, da Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ, do Estado de Santa Catarina, por meio do seu cacique Presidente, nos termos do caput do art. 231 da Constituição Federal de 1988 vem, muito respeitosamente até Sua Excelência, entregar Carta, requerendo o que segue:
Ministro, com o respeito de sempre vimos até Sua Excelência cumprimentar e agradecer pelo início do julgamento do Tema 1031 – “definição do estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das terras de ocupação tradicional indígena”, que diz respeito à nossa terra de ocupação tradicional, a TI Ibirama La-Klãnõ, do Povo Xokleng.
O processo teve o julgamento suspenso por pedido de vista. Agora, diante da devolução do processo para julgamento pelo Ministro Vistor, Alexandre de Moraes, pedimos encarecidamente que possa colocar o caso para continuidade do julgamento.
Daí então, que não se poderia aceitar a anistia de todos os crimes cometidos nas expulsões do Povo Xokleng, por meio da tese do marco temporal, como proposto pelo Ministro Nunes Marques. Nosso direito é inalienável, indisponível e o direito que temos sobre nossas terras é imprescritível. Por isso mesmo não se sujeita esse direito à posse de não índios, fazendo dos títulos de propriedade incidente sobre a nossa terra, nulos de pleno direito.
Nosso caso é similar aos Pataxó Hã Hã Hãe, que Sua Excelência foi Relator dos Embargos, julgado em 2009, onde foram anulados todos os títulos de propriedades incidentes naquela área indígena. Naquele caso havia demarcação datada do início do século passado e a nossa terra da mesma forma. As duas áreas foram invadidas com violência após demarcadas nas décadas de 1910 e 1920.
O território Xokleng foi demarcado no início do século passado e depois invadido e o governo titulou nossas terras aos colonos e hoje temos a posse de apenas 14 mil hectares, quando foi de mais 37 mil. Ainda, uma barragem foi construída nas nossas terras, o que levou as melhores e mais produtivas áreas, nos empurrando para as encostas, em áreas degradadas.
Em função disso, repudiamos a tese do marco temporal e do renitente esbulho, porque não faz justiça e aumenta o conflito e violência. Ainda, não podemos aceitar a anistia dos crimes de esbulho, roubo, violência, tortura e assassinatos de indígenas.
Por isso mesmo pedimos que não permita que a tese do marco temporal seja aprovada pela Corte Constitucional, para afastar o retrocesso em matéria de direitos humanos.
Antes, com o devido respeito, pedimos encarecidamente que o caso seja colocado a julgamento com brevidade.
Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ, 12 de novembro de 2021.
Cacique Presidente,
Nilton Nan Diavi Cangui Ndili