19/11/2021

Carta de Dom Evaldo: Conflito em Terra Indígena do Povo Akroá Gamella, mais um episódio das sucessivas perseguições e violação dos seus mais legítimos direitos

“Buscam-se encontrar diversos motivos do que teria ocasionado o referido conflito, mas escutando os indígenas podemos sustentar como foco a intromissão abrupta de uma concessionária de energia elétrica que deseja a todo custo implantar postes de energia elétrica na Terra Indígena Taquaritiua”

Balas de arma de fogo são encontradas pelo povo Akroá Gamella – 18 de novembro de 2021 – foto povo Akroá Gamella

Por Dom Evaldo Carvalho dos Santos, C.M*

Tivemos a oportunidade de acompanhar e ajudar na mediação de mais um conflito provocado na Terra Indígena do Povo Akroá Gamella.

Buscam-se encontrar diversos motivos do que teria ocasionado o referido conflito, mas escutando os indígenas podemos sustentar como foco a intromissão abrupta de uma concessionária de energia elétrica que deseja a todo custo implantar postes de energia elétrica na Terra Indígena Taquaritiua.

Temos notícias que há bem pouco tempo no estado do Pará o Supremo Tribunal Federal recomendou a suspensão imediata de instalação de energia elétrica dentro de Terras Indígenas sem a devida autorização e sem licenciamento.

Há algumas semanas os Akroás Gamellas já viam impondo resistência a instalação de linhões de energia elétrica que atravessavam o território indígena, contudo eram ignorados. A empresa de energia simplesmente de forma irregular, sem autorização prévia do Povo Indígena e sem o devido licenciamento ambiental expedido pelo Ibama, mas com a anuência da Funai, insiste de forma arbitrária na execução da obra e como se não bastasse leva “seguranças” para “vigiar” as torres contra possíveis reações dos indígenas.

“Os Akroás Gamellas já viam impondo resistência a instalação de linhões de energia elétrica que atravessavam o território indígena, contudo eram ignorados”

O estopim do conflito aconteceu no final da manhã do dia de ontem, 18 de novembro, quando esses “seguranças” foram questionados pelos Akroás Gamellas e convidados a deixar suas terras. Em meio a tensão do momento esses homens resolveram acionar a Polícia Militar, que entraram na aldeia Cajueiro e efetuaram a prisão de algumas lideranças do povo indígena e agiram de forma truculenta nesta intervenção: houve muita gritaria, disparos e violência.

Na delegacia de Viana o clima era muito tenso por parte dos policiais e por parte dos indígenas. Na rodovia estadual o Povo Gamella realizava um protesto pela prisão dos “parentes” obstruindo o acesso. Nos pediram para mediar a situação (Ir. Cristina e Dom Evaldo), o que procuramos fazer para evitar um iminente confronto com drásticas consequências.

Conseguimos evitar o pior, salvaguardando a vida e a integridade física de dezenas de indígenas e policiais. Para esta mediação contamos com o apoio e assessoria do Cimi, CPT, da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, e da CNBB. Acompanhamos, com a presença da assessoria jurídica do Cimi o desenrolar dos fatos até de madrugada onde começaram a ser liberados parte daqueles indígenas que já tinham sido transferido para outra cidade, Vitória do Mearim, e outros oito ainda ficaram detidos.

“Conseguimos evitar o pior, salvaguardando a vida e a integridade física de dezenas de indígenas e policiais”

Hoje, 19 de novembro, pela manhã, os indígenas ainda não liberados foram conduzidos ao presídio de Viana. No período da tarde deverá acontecer uma audiência de custódia e se o judiciário decidir os liberará ainda hoje. Agora eles contam com um advogado do Cimi e com o apoio da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos que estão ouvindo os indígenas e olhando os inquéritos para entrarem com as medidas necessárias pela liberdade dos irmãos gamelas.

Podemos dizer que o clima ainda permanece tenso, mas seguimos acompanhando a situação. No entanto, nos conforta saber que os organismos de defesa dos indígenas já se encontram em Viana (MA) tomando as medidas cabíveis e conversando com o Povo Akroá Gamella em seu território.

Lamentamos e repudiamos mais esse episódio de violação dos direitos desse povo que desde 2014 luta pela demarcação do seu território em meio a violência, sofrimento e perseguição. Apelamos para o bom senso de quem é de direito para a libertação desses irmãos, além de se comprometerem com maior empenho para atender suas reivindicações e punir os verdadeiros culpados pelas violações dos seus mais legítimos direitos.

*Dom Evaldo Carvalho dos Santos, C.M
Bispo de Viana-MA e referencial do Cimi Regional Maranhão.

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