26/11/2021

A luta pela descolonização e libertação no território do povo Ka’apor

O nome Ka’apor significa morador da floresta, se não tem floresta não tem sentido falar de Ka’apor

Povo Ka’apor em seu território sagrado. Foto: José Mendes

Por Cimi Regional Maranhão e Conselho de Gestão Ka’apor Tuxa tá Pame

A Terra Indígena (TI) Alto Turiaçu, localizada na parte que chamam de Amazônia Legal, a noroeste do Estado do Maranhão (MA), e junto à Reserva Biológica (Rebio) Gurupi e à Terra Indígena Awa, constituem uma grande área contígua de floresta do estado. Com 531 mil hectares, a Terra Indígena (TI) Alto Turiaçu é a maior do Maranhão e é a casa de três povos, Guajá, Ka’apor e Tembé, inclusive com informações de presença de indígenas isolados.

O histórico das ameaças e violências sobre os indígenas e seu território é farto, inclusive com casos de assassinatos que seguem impunes. Antes, nos territórios, havia muitas invasões madeireiras, no entanto, o povo conseguiu fechar ramais madeireiros e criar área de proteção do território de forma autônoma. Devido a essa luta, os indígenas foram criminalizados, porém permanecem firmes por entender que a luta é para o bem de todos.

Atualmente, o avanço da mineração e das práticas ilegais do garimpo na região se consolida como uma forte ameaça e um desafio para o povo Ka’apor, que luta para manter fora do seu território uma atividade depredadora da terra.

“Atualmente, o avanço da mineração e das práticas ilegais do garimpo na região se consolida como uma forte ameaça e um desafio para o povo Ka’apor”

Indígenas Ka’apor lutam há anos pela retirada dos invasores de seu território tradicional. Crédito da foto: Povo Ka’apor

Em setembro deste ano, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) visitou a TI Turiaçu durante atividade do Conselho de Gestão do povo Ka’apor Tuxa Ta Pame. Após diálogo com o povo, foi constatado o avanço e marcas da mineração e do garimpo na região, assim como ocorre em outras TIs no Brasil – por exemplo, com os territórios dos Munduruku, no Pará (PA), e dos Yanomami, em Roraima (RR).

O Cimi apurou, ainda, que há uma grande facilidade para os mineradores legalizarem o ouro retirado, ilegalmente, de terras indígenas, a exemplo do que vem acontecendo com o povo Kayapó, no estado do Pará.

Ainda no mês de setembro, ocorreu uma operação da Polícia Federal (PF) no município Centro Novo do Maranhão que desestruturou uma ação garimpeira nas proximidades do limite da TI Alto Turiaçu. Essa ação já demonstra que é uma região com grande interesse mineral e que, segundo um levantamento feito pelo povo Ka’apor – no seu processo de etnomapeamento e etnozoneamento – e aliados, se traduz a partir de vários pedidos de autorização de pesquisas obtidos junto à Agência Nacional de Mineração.

“Há uma grande facilidade para os mineradores legalizarem o ouro retirado, ilegalmente, de terras indígenas, a exemplo do que vem acontecendo com o povo Kayapó”

Povo Ka’apor fecha mais um ramal de madeireiro e estaqueiro no território. Foto Guarda de Autodefesa Ka’apor

O povo Ka’apor possui uma conexão profunda com seu território e, até mesmo por isso, expõe preocupação com essa letal proximidade e com as claras negociações políticas que tramitam no Congresso Nacional, envolvendo a legislação ambiental que impactará diretamente nas terras indígenas. Exemplo disso é o Projeto de Lei (PL) 191/2020, enviado pelo presidente da República para o Congresso Nacional. A proposta tem como objetivo regulamentar a mineração e o garimpo dentro dos territórios originários.

A fala de Itahu Ka’apor, liderança Ka’apor, destaca a importância da floresta para a vida de seu povo, de onde tiram seu alimento, sem que ocorra uma “dependência” do supermercado, “de onde vem comida envenenada”. Para eles, a floresta “é pai, mãe, irmãos” e a maior lei é respeitar a natureza.

“O macaco capelão canta, porque está feliz, e a felicidade é porquê tem comida. E assim é com o povo Ka’apor, que também segue feliz com a terra protegida e com comida. Os animais cantam para Ka’apor e Ka’apor canta para eles também”, explicou Itahu.

“O capitalismo não quer a vida, só quer a morte. Nossa luta ainda tem muito tempo, mas devagar iremos chegar onde queremos. Nós sabemos onde queremos chegar, que não é o mesmo lugar que o Estado quer”, completou.

“O capitalismo não quer a vida, só quer a morte. Nossa luta ainda tem muito tempo, mas devagar iremos chegar onde queremos”

Povo Ka’apor fecha mais um ramal de madeireiro e estaqueiro no território. Foto Guarda de Autodefesa Ka’apor

Sarapó Ka´apor, outra liderança indígena, destacou que gosta muito de trabalhar na proteção de seu território para não ter invasão: foi assim que ele aprendeu com seu pai. E, por estar à frente da luta, foi alvo de muitas ameaças. Por lutar pela proteção de seu território, hoje não pode sair por temer que seja morto por aqueles que desejam invadir o território. Os indígenas denunciam que os garimpeiros que estão próximos ao território têm jogado mercúrio no rio Maracaçumé. Por conta disso, dessa constante contaminação, os peixes estão morrendo.

 

Outras ameaças à sua autodeterminação constitucional

Outro grande problema enfrentado pelo Conselho Tuxa Ta Pame é a sua relação com o Estado que, segundo eles, teima em continuar com o processo de colonização e tutela, desconsiderando os processos autônomos do povo.

Com a Secretaria de Estado da Educação (SEDUC), a batalha é pelo reconhecimento da escola e da observância das formas próprias com as quais o povo Ka’apor desenvolve suas atividades educacionais e pedagógicas, em plena sintonia com a sua vivência de ser, de viver com e da floresta, sem quebra dos vínculos e de interferência em sua cultura material e imaterial.

Exemplo disso é a resistência da aceitação do calendário cultural dos não-índios imposto pelo sistema educacional dominante, valorizando e consolidando suas formas próprias em que o plano de vida deles, segundo suas palavras, é a floresta. Segundo os Ka’apor, o direito à educação específica e diferenciada deve ser sempre exigido: “a educação tem que ser do nosso jeito”.

“A educação tem que ser do nosso jeito”

Indígena Ka’apor observa madeiras retiradas da Terra Indígena Alto Turiaçu. Crédito da foto: Lunae Parracho / Greenpeace

Na saúde, a violência pela imposição de normas externas ainda é um claro descumprimento do que preceitua a Constituição Federal: o reconhecimento das formas próprias de organização dos povos indígenas.

O Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI), além de não reconhecer a atuação do Conselho Gestor (Tuxa Ta Pame) na TI Alto Turiaçu, ainda busca criminalizar as lideranças e aliados, e é ausente na assistência. Há, claramente, uma omissão quanto às necessidades que o povo apresenta, deixando os Ka’apor descobertos do direito de assistência à saúde.

 

Autoproteção e Autodemarcação – Autonomia no Território do povo Ka’apor

A TI Alto Turiaçu passou por um processo de intensa invasão. Em 2013, os indígenas, articulados em todo território, iniciaram um processo de autodesintrusão de seu território. O resultado dessas ações foi o fechamento de ramais madeireiros. Por essa razão, lideranças indígenas ainda seguem ameaçadas, a exemplo de Eusébio Ka´apor, assassinado em 2015. Por conta disso, não podem sair de suas aldeias.

Mesmo com assassinatos e ameaças, o povo Ka’apor nunca teve qualquer manifestação de instâncias do Governo Federal, como a Fundação Nacional do Índio (Funai) do Maranhão, em punir os criminosos. Os Ka’apor continuam realizando ações autônomas de proteção territorial, mesmo correndo risco de vida diante das constantes ameaças, perseguições e agressões dos madeireiros na região.

O desejo do povo é a prisão e punição de todos que mandaram matar e mataram os indígenas nesses últimos dez anos em razão de atividades ilegais relacionadas ao setor madeireiro. Assim como o povo Ka’apor, o Cimi exige uma ação responsável do governo do Maranhão e do governo federal para a proteção de suas lideranças e território.

Devido a todo esse histórico, os Ka’apor retomam e fortalecem suas formas próprias de autoproteção, de ocupação tradicional do território e da soberania alimentar. Assim, as ações de autodemarcação com a colocação de placas próprias indicativas da terra indígena, em diversas localidades do seu território, buscam informar aos não indígenas sobre a área territorial e simbolizam o fortalecimento de suas estruturas próprias de organização e gestão territorial.

Tudo isso para fortalecer o modo de vida próprio desse povo, agregando ações que não são isoladas, mas conectadas com toda sua cosmovisão que interliga natureza e povo, território e vida.

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