26/10/2021

Lideranças Pataxó da Aldeia Cahy Pequi vivem sob ataques e ameaças de empreendedores

No dia 20 de outubro, lideranças sofreram uma tentativa de homicídio; há mais de ano, o território é alvo de loteamento

Em março de 2016, uma reintegração de posse ameaçou a vida dos Pataxó de Comexatibá. Decisão foi revertida pouco antes de ser cumprida. Foto: Renato Santana

Por Assessoria de Comunicação do Cimi

Desde que fazendeiros e hoteleiros passaram a invadir uma área da Aldeia Cahy Pequi, pertencente à Terra Indígena (TI) Comexatibá, em Cumuruxatiba, Bahia (BA), o Povo Pataxó não tem um momento de respiro. Era manhã do dia 20 de outubro quando houve mais uma tentativa de homicídio contra lideranças do povo. Há mais de ano, o território é alvo de loteamento.

Ao Cimi, lideranças Pataxó falaram sobre o episódio de tensão dentro da aldeia seguido por uma denúncia de racismo. “No momento [da invasão], nos aproximamos do veículo e indagamos o fazendeiro da região sobre o loteamento que ele tinha feito na área indígena. Nesse momento, ele deu ré com sua caminhonete, vindo com muita rapidez em nossas direções. O veículo pegou de raspão na perna de uma liderança e colidiu na moto dele, havendo perdas materiais”, afirmou uma das lideranças – por motivo de segurança, não iremos divulgar os nomes.

Após o ocorrido, as lideranças compareceram à Delegacia de Polícia Civil do Prado (BA) para fazer o Boletim de Ocorrência (BO), alegando a tentativa de homicídio. No entanto, de acordo com os indígenas, o delegado do local negou escutá-los.

“A liderança que sofreu o ataque insistiu em dar seu depoimento. Explicamos ao delegado que o BO é direito de todo cidadão, mas ele se alterou dizendo que, ‘de maneira nenhuma’, o permitiria depor em sua delegacia e pediu para que ele procurasse a Justiça Federal, o Fórum ou a Polícia Federal”, denuncia. Na avaliação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – Regional Leste, a postura do delegado representa um ato de “preconceito e racismo”.

“Explicamos ao delegado que o BO é direito de todo cidadão, mas ele se alterou dizendo que, ‘de maneira nenhuma’, o permitiria depor em sua delegacia”

Pataxó barraram rodovia na região da Terra Indígena Comexatibá para proteger suas aldeias da contaminação por covid-19. Foto: povo Pataxó

Em 2020, o povo Pataxó barrou uma rodovia na região da Terra Indígena Comexatibá para proteger suas aldeias da contaminação por covid-19. Foto: povo Pataxó


Suspensão de Liminar 1.111 – Bahia

No ano passado, o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, suspendeu liminar sentenciada pela Vara Única da Subseção Judiciária de Teixeira de Freitas (BA) em ação de reintegração de posse de terras ocupadas pelos Pataxó, na TI Comexatibá. A decisão foi tomada em processo de Suspensão de Liminar Nº 1.111 – Bahia, apresentado pelo Ministério Público Federal (MPF).

Segundo o MPF, o cumprimento da ordem de reintegração de posse representaria “grave risco de lesão à ordem e à segurança públicas, provocando danos irreversíveis à subsistência da comunidade indígena Pataxó de Comexatibá”. O órgão afirmou também que as propriedades retomadas pelos indígenas estariam inseridas na área de ocupação tradicional indígena – TI Comexatibá, Aldeia Cahy Pequi –, identificada como ocupação Pataxó, segundo Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação produzido pela Fundação Nacional do Índio (Funai), em 2015.

“Há grave risco de lesão à ordem e à segurança públicas, provocando danos irreversíveis à subsistência da comunidade indígena Pataxó de Comexatibá”

Aldeia Mucujê, da TI Comexatibá (BA). Foto: povo Pataxó

No texto da decisão, o ministro Toffoli reconheceu que existem “estudos técnicos que apontam para a tradicionalidade da ocupação indígena”. “Não se pode desconsiderar o delicado contexto fático atualmente instalado na região, marcado por conflitos envolvendo as comunidades indígenas e não-índios”, afirma. Toffoli também frisou, com preocupação, que a “ordem de reintegração de posse de imóvel ocupado por indígenas, com o uso de força policial, colocaria em risco a ordem e a segurança pública”.


Histórico na TI Comexatibá Apreensão e resistência

Há anos, o Cimi vem denunciando os ataques sofridos pelo povo Pataxó, da TI Comexatibá, em razão das tentativas de reintegração de posse. Em agosto de 2015, por exemplo, a Aldeia Cahy Pequi foi invadida e depredada por homens armados. Eles queimaram uma maloca que continha artesanatos e objetos de uso tradicional e religioso. Em seguida, ocorreu uma série de ataques de pistoleiros, sendo necessário esconder as crianças em caixas d’água, com medo dos tiros disparos por armas de fogo.

“Ocorreu uma série de ataques de pistoleiros, sendo necessário esconder as crianças em caixas d’água, com medo dos tiros disparos por armas de fogo”

Ataque contra o povo Pataxó, em 2015. Foto: povo Pataxó

Já em janeiro de 2016, uma ação de reintegração de posse surpreendeu dezenas de famílias. Além de um posto de saúde e de uma escola, várias casas foram destruídas, muitas delas com os pertences dos indígenas em seu interior.

À época, o Cimi apurou que, aproximadamente 100 policiais federais, militares e civis, acompanhados de agentes da Companhia Independente de Policiamento Especializado/Mata Atlântica (Caema), chegaram à aldeia às sete horas da manhã, anunciando a reintegração de posse naquela data.

 

A ocupação Pataxó

Com o fundo do Monte Pascoal, a área, que ainda não foi demarcada, é assediada por empreendimentos turísticos, como resorts, hotéis e restaurantes, que se aproveitam da história do lugar e do Parque Nacional do Descobrimento (PND), uma das poucas áreas de Mata Atlântica preservada na região.

A partir dos anos 1960 e até o ano 2000, o crescimento da região ao redor da TI Comexatibá é vertiginoso: surgem 21 municípios e a população saltou para cerca de 1 milhão de habitantes. Dos 3 milhões de hectares que compõem a região onde está a TI Comexatibá, 2 milhões estão dominados por meia dúzia de empresas.

O eucalipto toma conta de 800 mil hectares e o restante da área é formado por fazendas de gado e, mais ao Sul, pela plantação de cana de açúcar. Os Pataxó, em tal contexto, são os principais guardiões do que resta de Mata Atlântica na região.

Reintegração de posse na Aldeia Cahy Pequi, na TI Comexatibá (BA), em 2015. Foto: povo Pataxó

Em uma entrevista cedida ao Cimi, em 2019, a professora Maria Giovanda Batista, que coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas Interculturais e da Temática Indígena da Universidade do Estado da Bahia, em Teixeira de Freitas, explicou como isso ocorre.

Conforme a professora, a cosmologia Pataxó está atrelada à Mata Atlântica. “Os nomes dos filhos são de pássaros deste bioma e, da mata, eles retiram suas indumentárias, além da alimentação, a mesa farta… não há possibilidade de sustentação do ecossistema Mata Atlântica sem a demarcação da terra Pataxó”, disse Maria Giovanda.

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