28/09/2021

Brasil tem “uma das piores práticas indigenistas estatais para enfrentar a pandemia”, afirma Cimi na ONU

Declaração foi feita em painel sobre direitos humanos dos povos indígenas na pandemia, que integra programação da 48ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU

Manifestação dos povos indígenas em defesa de seus direitos constitucionais, em Brasília, no dia 19 de abril de 2021. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Manifestação dos povos indígenas em defesa de seus direitos constitucionais, em Brasília, no dia 19 de abril de 2021. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Por Assessoria de Comunicação do Cimi

Na manhã desta terça-feira (28), durante um painel da 48ª sessão do Conselho de Direitos Humanos (CDH) das Nações Unidas (ONU), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) denunciou as diversas “omissões deliberadas” que marcaram a atuação do governo brasileiro no combate à pandemia do coronavírus entre povos indígenas.

A afirmação foi feita durante a participação do Cimi no painel anual do CDH sobre os direitos dos povos indígenas, cujo tema, neste ano, foi “a situação dos direitos humanos dos povos indígenas frente à pandemia de covid-19, com foco especial no direito à participação”.

“As forças políticas predominantes no Brasil aproveitam a pandemia para desmantelar uma sólida governança ambiental e indígena, conseguida com sacrifícios após a redemocratização do país”, afirmou o coordenador do Cimi Regional Sul, Roberto Liebgott, que fez a manifestação em nome do Cimi no painel do CDH. Assista abaixo:

“Infelizmente, hoje trazemos um exemplo de uma das piores práticas indigenistas estatais para enfrentar a pandemia: a do Brasil”

A fala faz referência a uma série de medidas do governo federal e do poder Legislativo aproveitaram a pandemia para, como afirmou o então ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro, Ricardo Salles, “passar a boiada”, flexibilizando uma série de medidas de proteção ambiental e retirando direitos territoriais dos povos indígenas.

É o caso de medidas do governo federal como a Instrução Normativa (IN) 09/2020, da Funai, que liberou a certificação de propriedades privadas sobre terras indígenas, e da Instrução Normativa Conjunta 01/2021, da Funai e do Ibama, que liberou a participação de não índios em associações voltadas a realizar empreendimentos dentro de terras indígenas; e de medidas do Congresso Nacional, como o Projeto de Lei (PL) 490/2007, que busca retirar os direitos territoriais indígenas e foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara em junho.

“Infelizmente, hoje trazemos um exemplo de uma das piores práticas indigenistas estatais para enfrentar a pandemia: a do Brasil”, declarou Roberto Liebgott.

Segundo dados oficiais da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), 53.457 indígenas foram contaminados pela covid-19 no país até o dia 27 de setembro. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) contabiliza 1.208 mortes indígenas decorrentes da contaminação pelo coronavírus no mesmo período.

A fala do Cimi também fez referência às diversas denúncias levadas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e à própria ONU acerca das violações e da negligência do governo federal na proteção dos povos indígenas durante a pandemia de covid-19. Em 2020, a própria CIDH emitiu medidas cautelares em favor dos povos Munduruku, Yanomami e Ye’kwana, sob grave ameaça devido à presença de invasores em seus territórios em plena pandemia.

Em agosto deste ano, o Comitê da ONU contra a Discriminação Racial (CERD) notificou o Estado brasileiro por meio do seu mecanismo de alerta de atrocidades, chamando atenção para os “impactos dramáticos” da pandemia da covid-19 sobre as populações indígenas, em particular no estado do Amazonas.

“Durante a pior fase da pandemia no Brasil, ao invés da participação, os povos indígenas e ONGs tiveram que recorrer à CIDH e ao CERD para deter as atrocidades em curso, em meio a uma série de omissões deliberadas e sabotagem do Plano de Contingência ordenado pela Suprema Corte de Brasil”, afirmou o representante do Cimi, fazendo referência às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, de autoria da Apib.

O painel sobre os direitos indígenas durante a pandemia foi presidido pela vice-presidente do CDH da ONU, Keva L. Bain, e teve a participação da secretária-geral adjunta de Direitos Humanos, Ilze Brands Kehris, da presidente do Mecanismo Especializado sobre os Direitos dos Povos Indígenas (EMRIP), Megan Davis, do relator especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, José Francisco Cali Tzay, e da presidente do Fórum Permanente da ONU sobre Questões Indígenas, Anne Nuorgam.

A fala de Roberto Liebgott foi a primeira de diversas participações previstas sobre a temática indígena pelo Cimi e outras organizações indígenas, indigenistas e da sociedade civil durante a 48ª sessão do CDH. Outras duas manifestações em diferentes espaços e um evento paralelo sobre os direitos indígenas estão previstos para esta semana.

Veja a íntegra da fala do Cimi:

 

Painel anual sobre os direitos dos povos indígenas
Tema: a situação dos direitos humanos dos povos indígenas frente à pandemia de covid-19, com foco especial no direito à participação

 

Declaração oral de Roberto Liebgott – Conselho Indigenista Missionário (Cimi)
28 de setembro de 2021

 

O Cimi parabeniza o Conselho de Direitos Humanos por realizar este painel importante e oportuno, que oferece a oportunidade de levantar diferentes preocupações dos povos indígenas no Brasil.

O slogan “reconstruir melhor” é um sonho distante para os povos indígenas do Brasil. Não há um plano, nem mesmo uma visão no país de como sair da pandemia, e o presidente da República segue projetando uma realidade paralela, como fez antes da Assembleia Geral da ONU este ano. Ao contrário de uma visão que consideraria os povos indígenas como agentes de mudança, no espírito dos ODS, e emergindo da pandemia com uma realidade melhor para todos, as forças políticas predominantes no Brasil aproveitam a pandemia para desmantelar uma sólida governança ambiental e indígena, conseguida com sacrifícios após a redemocratização do país.

Durante a pior fase da pandemia no Brasil, ao invés da participação, os povos indígenas e ONGs tiveram que recorrer à CIDH e ao CERD para deter as atrocidades em curso, em meio a uma série de omissões deliberadas e sabotagem do Plano de Contingência ordenado pela Suprema Corte de Brasil. Foram as diversas marchas a Brasília, levando 15 mil indígenas de 117 diferentes povos, que fizeram a diferença na luta por seus direitos e na resistência aos retrocessos.

Os povos indígenas do Brasil foram grandes defensores da Constituição do Brasil, cuja democracia hoje sofre uma das maiores ameaças e que afeta fortemente seus direitos e sua própria existência.

Infelizmente, hoje trazemos um exemplo de uma das piores práticas indigenistas estatais para enfrentar a pandemia: a do Brasil.

Obrigado.

 

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