19/08/2021

Passado, presente e futuro: a ofensiva anti-indígena prospera

“O interesse na Amazônia não é no índio e nem na porra da árvore, é no minério”, Jair Bolsonaro

Foto: Pedro França/Agência Senado – Fotos Públicas

Por Hellen Loures da Assessoria de Comunicação do Cimi – MATÉRIA PUBLICADA ORIGINALMENTE NA EDIÇÃO 436 DO JORNAL PORANTIM

Os tempos atuais apresentam uma semelhança considerável com o passado e apontam para um futuro incerto, com sérios riscos à sustentabilidade das comunidades vulneráveis e ao patrimônio natural do país. Elites no poder – como protagonistas na exploração desenfreada da biodiversidade e com capacidade de promover a destruição acelerada da fauna, flora e das Terras Indígenas – determinam os novos contornos da história, com o aval de um governo federal que incentiva a superexploração dos recursos naturais e o desmatamento das florestas para produção a qualquer custo. O monopólio do poder com a imposição de vontades por meio de métodos arbitrários e violentos.

“O interesse na Amazônia não é no índio e nem na porra da árvore, é no minério”, disse Jair Bolsonaro, em 2019, durante declaração em frente ao Palácio do Planalto a garimpeiros da região de Serra Pelada, no estado do Pará. Um dos inúmeros discursos do presidente da República que legitima as barbáries sob falsas alegações de busca pelo progresso e pelo desenvolvimento. Uma tragédia anunciada, tramada e autorizada por uma política de entreguismo das riquezas naturais à pecuária predatória e aos gigantes da mineração. Fator que historicamente impacta nos direitos dos povos originários.

Eleito prometendo não demarcar nenhum centímetro de terra indígena, o governo Bolsonaro acaba induzindo também a opinião pública a se colocar contra a preservação das florestas e contra os povos tradicionais. A percepção dos conflitos envolvendo as comunidades indígenas é bastante difusa para a maioria da população brasileira – que pouco sabe sobre o que acontece, onde ocorre e quem está envolvido –, deixando-os suscetíveis à informações falsas, a exemplo a fala do presidente da República culpabilizando os indígenas pelas queimadas e incêndios na Amazônia em um discurso na ONU.

Os discursos do presidente também agravam ainda mais as situações de violência contra os povos originários e aqueles que os defendem. Prova de que esse discurso de ódio, aliado à inação e a omissão dos poderes, tem um efeito prático e devastador são os crescentes números de assassinatos de lideranças indígenas, o aumento da invasão de aldeias, as inúmeras violências contra mulheres, crianças e idosos, entre tantas outras. Enquanto isso, criadores de gado e fazendeiros de soja seguem operando na ilegalidade, assim como madeireiros, garimpeiros e grileiros de terra sentem-se empoderados pelos discursos de Bolsonaro sobre incentivo à exploração de terras indígenas. Desta forma, o presidente da República joga sombra sobre o futuro socioambiental do país e ameaça a sobrevivência das comunidades tradicionais.

É a mesma ânsia desenvolvimentista da época da ditadura se repetindo, manifestada tanto em ataques e violência física contra comunidades vulneráveis quanto em violações e retrocesso nos direitos conquistados na Constituição de 1988. Conceitos de desenvolvimento que buscam justificar todo tipo de violência, como as registradas no Relatório Figueiredo, elaborado no fim da década de 1960.

O documento, entre outras coisas, explicita que o passado de massacre aos indígenas se repete hoje. No Relatório Figueiredo, podemos observar que a investigação de massacres e torturas de povos indígenas no interior do Brasil contou com a participação direta do extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI) – órgão federal fundado em 1910 que antecedeu a Fundação Nacional do Índio (Funai). Com quase sete mil páginas, o documento denuncia atividades ilícitas do governo, como atos de corrupção, e expõe casos de maus tratos a indígenas, prisões, assassinatos e escravidão. Histórico que ainda hoje ecoa sobre os povos originários, que são diariamente desrespeitados e têm seus modos de vida severamente impactados para que mega projetos sejam implementados.

“Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios”, afirmou Bolsonaro, em pronunciamento na Câmara dos Deputados em 1998, apoiando todos os massacres ocorridos contra os indígenas e reforçando seu posicionamento de extermínio dos povos tradicionais. Terríveis consequências da política de integração forçada de povos indígenas brasileiros no século passado e da impunidade dos crimes cometidos até hoje, bem como a ausência de reparação aos povos originários. Realidade que continua a amparar e privilegiar órgãos e agentes do estado corruptos, que apoiam interesses escusos de uma minoria em detrimento do meio ambiente, que é um bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida, um direito atemporal; sendo sua preservação uma obrigação da sociedade e do Poder Público, segundo a Constituição Federal de 1988, o art. 225.

Todavia, de acordo com cerca de 800 indígenas que participaram do “Levante Pela Terra”, em Brasília, no dia 16 de junho desse ano, e que foram atacados com spray de pimenta, bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral na entrada do prédio da Fundação Nacional do Índio (Funai), quando esperavam ser recebidos pelo presidente do órgão, Marcelo Xavier; o que se vê hoje é uma “Fundação da INTIMIDAÇÃO do Índio”. Órgão que, aliado a parlamentares e empresários, persegue, intimida e criminaliza lideranças e organizações indígenas, que edita atos administrativos anti-indígenas e negocia medidas no Congresso Nacional, articulando com lobby pesado em prol de aprovação de Projetos de Lei que na prática acaba com a política de demarcação de terras indígenas no país.

O presidente da Funai, que chegou ao cargo indicado pela bancada ruralista, é considerado pelos povos tradicionais como o pior gestor da história da Fundação, diante do não cumprimento da função de proteger os direitos dos povos indígenas, e ainda por negociar vidas e instrumentalizá-la em prol de interesses particulares do agronegócio, do garimpo ilegal e de outras tantas ameaças que colocam em risco a existência indígena e do meio ambiente.

Diante deste cenário, o que resta de esperança para o futuro vem dos movimentos sociais, que lutam para demonstrar que a concentração fundiária precisa ser contestada e combatida e que somente uma floresta em pé será capaz de gerar riquezas. É a luta indigenista em prol dos conhecimentos originários sobre o uso e manutenção dos ecossistemas, que garantem a segurança necessária para as florestas e para a soberania alimentar dos povos tradicionais, além do modo de vida próprio, contrapondo-se aos modelos de produção e de apropriação que destroem os recursos naturais e fragilizam a autonomia indígena.

A esperança precisa andar lado a lado com a crença na preservação da biodiversidade, com a fé nos guardiões da fauna e flora brasileira e em busca de ações de manejo dos recursos de forma sustentável. Que não percamos a fé!

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