14/07/2021

Para Conselho Nacional dos Direitos Humanos, “PL da Grilagem” pode estimular a violência no campo e premiar crimes

Projeto de Lei 2633/2020, que facilita apropriação privada de terras públicas, está na pauta do plenário da Câmara dos Deputados nesta quarta (14)

Desmatamento na Estação Ecológica Terra do Meio, no Pará. Foto: Fábio Nascimento/Greenpeace

Desmatamento na Estação Ecológica Terra do Meio, no Pará. Foto: Fábio Nascimento/Greenpeace

Por Assessoria de Comunicação do Cimi

Em nota, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) posicionou-se contra o Projeto de Lei (PL) 2633/2020, conhecido como “PL da Grilagem”. Para o CNDH, a proposta pode estimular a violência no campo e colocar em risco “a segurança jurídica, a função social da propriedade e o meio ambiente, preceitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988”.

Nesta terça-feira (13), um requerimento de urgência para a tramitação da proposta foi aprovado na Câmara dos Deputados por 330 votos a 109. O “PL da Grilagem” já foi incluído na pauta desta quarta (14) no plenário, e corre risco de ser votado a qualquer momento.

O projeto é de autoria do deputado Zé Silva (Solidariedade-MG) e vem sendo amplamente criticado por pesquisadores e organizações ambientalistas, indígenas e de comunidades tradicionais por incentivar o desmatamento e facilitar a apropriação privada e ilegal de terras públicas.

Na noite desta terça-feira (13), o relator da proposta no plenário, deputado Bosco Saraiva (Solidariedade-AM), publicou seu parecer sobre o projeto, considerado ainda mais radical do que a proposta original. Ambos os parlamentares são membros da bancada ruralista, empenhada na aprovação do “PL da Grilagem”.

Para o CNDH, o PL 2633/2020 traz “a possibilidade de regularizar terras públicas que foram invadidas, que são objeto de grilagem, transferindo-as para pessoas que praticaram diversos crimes, incluindo homicídios”.

Na avaliação do Conselho, é uma “grave violação dos direitos humanos possibilitar que pessoas que cometeram crimes possam ser premiadas com a regularização dessas terras”. A nota afirma que a proposta, por isso, estimula a violência no campo, a especulação imobiliária e o trabalho em condições análogas ao de escravo.

Leia a nota do CNDH na íntegra ou baixe a versão em pdf:

 

Nota Pública contra o avanço da legalização da grilagem no Brasil

  1. A Câmara dos Deputados, conforme amplamente noticiado, pretende dar tramitação, quiçá com caráter de urgência, ao controvertido Projeto de Lei – PL nº 2633/2020 (produto da conversão da Medida Provisória nº 910, de 10 de dezembro de 2019), que ao dispor “sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União” em realidade representa, conforme já se posicionou este CNDH, em março de 2020, a possibilidade de regularizar terras públicas que foram invadidas, que são objeto de grilagem, transferindo-as para pessoas que praticaram diversos crimes, incluindo homicídios.
  2. Em sua 56ª Reunião Ordinária, este CNDH aprovou a Resolução nª 2, de 11 de março de 2020, que opina pela rejeição da Medida Provisória nº 910, de 10 de dezembro de 2019, considerando que não foram realizados estudos prévios para quantificar o impacto em políticas como a reforma agrária, demarcação e titulação de áreas indígenas e quilombolas, reconhecimento de direitos territoriais de outros povos e comunidades tradicionais e criação de unidades de conservação.
  3. Este Conselho mantém seu posicionamento de que se trata de uma grave violação dos direitos humanos possibilitar que pessoas que cometeram crimes possam ser premiadas com a regularização dessas terras. O Congresso não deve premiar quem viola direitos de agricultores familiares, povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, aumentando a desigualdade, estimulando a violência no campo, a especulação imobiliária e o trabalho em condições análogas ao de escravo. Não deve incentivar a continuidade da prática ilegal, novas ocupações de terras públicas e desmatamentos. A grilagem de terras no Brasil é crime previsto em lei, e como tal deve ser tratado. Não comutado para uma nova realidade que atenta contra o meio ambiente, o patrimônio da União, dos povos originários e comunidades tradicionais.
  4. Sob a falsa justificativa de “simplificar e modernizar” o processo de regularização fundiária, o projeto não garante a confiabilidade dos dados informados pelos pleiteantes, porquanto não prevê a realização de vistoria prévia e participação dos confrontantes.
  5. É certo que a questão fundiária merece ser revista. A discussão é complexa e envolve uma miríade de interesses que não pode ser tratada a toque de caixa e sem ampla e incisiva participação popular, muito menos em cenário pandêmico ainda crônico e que não permite amplo diálogo, colocando em risco a segurança jurídica, a função social da propriedade e o meio ambiente, preceitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988.
  6. Portanto, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos, assim como fez no ano passado, reclama da presidência da Câmara dos Deputados e de todas as lideranças partidárias que não seja pautado o referido projeto de lei enquanto não se apresentem as condições necessárias para amplo e participativo debate sobre o tema fundiário rural no Brasil, sob pena de afronta a direitos constitucionais e convencionais em vigência.

CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

Brasília/DF, 06 de julho de 2021

 

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