18/06/2021

Pastorais Sociais do Campo lançam nota em denúncia aos Projetos de Lei da Morte

Regularização da grilagem de terras, devastação de terras indígenas, desmonte da fiscalização contra o trabalho escravo e do licenciamento ambiental correm risco de aprovação no Congresso

Por Articulação das Pastorais do Campo

Flexibilização e regularização da grilagem de terras, invasão de terras indígenas, desmonte da fiscalização contra o trabalho escravo e extinção do licenciamento ambiental no Brasil. Essas são as pautas que correm no Congresso Nacional neste primeiro semestre de 2021, repudiadas através de nota lançada hoje pela Articulação das Pastorais do Campo.

Estas organizações que lutam a favor da pauta ambiental e do bem-viver, trazem em sua missão pastoral apoio irredutível aos povos do campo, das águas e das florestas, que lutam e resistem em defesa de seus territórios contra o trator ruralista dirigido pelo Congresso Nacional.

Confira a Nota na íntegra:

 

Nota das Pastorais Sociais do Campo contra os Projetos de Lei da Morte

A Articulação das Pastorais Sociais com Campo, integrada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Conselho Pastoral de Pescadores (CPP), Pastoral da Juventude Rural (PJR), Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM) e pela CÁRITAS Brasil, vem a público denunciar os interesses escusos que estão por trás de Projetos de Lei (PLs) em tramitação no Congresso Nacional relacionados a questões agrária e socioambiental, que ameaçam ainda mais a vida, o meio-ambiente, os povos e trabalhadores/as da terra, das florestas e das águas e toda a sociedade brasileira e mundial.

Dentre os PL’s da Morte destacamos o PL 510/2021, no Senado Federal e o PL 2633/2020, na Câmara dos Deputados, que objetivam instaurar novas regras para processos de regularização fundiária de modo a favorecer a prática reiterada do apossamento ilegal de terras públicas mediante fraudes cartoriais e violência contra antigos moradores e usuários (grilagem). O PL 3097/2020, na Câmara dos Deputados, privilegia os interesses empresariais nas parcerias agrícolas, agropecuárias e extrativas, e representa grave ameaça à política pública de erradicação do trabalho escravo. O PL 490/2007 que segue na Câmara visa, na prática, acabar com demarcações de terras indígenas e revelar às escâncaras a exploração de terras já demarcadas. A estes se soma o PL 3.729/2004, já aprovado na Câmara dos Deputados, que praticamente extingue o licenciamento ambiental no Brasil, nos deixando ainda mais expostos a crimes ambientais como aqueles ocorridos em Mariana e Brumadinho/MG.

É um assombroso pacote de retrocessos, revelando a desconstitucionalização de direitos conquistados historicamente, à custa de muita luta, sangue e sacrifícios. Se aprovados, esses PL’s comprometerão princípios basilares da Constituição Federal de 1988, dita “Cidadã”, no pós-Ditadura Militar de 1964-1985, afrontando diretamente a dignidade da pessoa humana e a defesa da vida, dos povos originários e comunidades tradicionais, dos/as trabalhadores/as rurais e do meio ambiente equilibrado; não só deles, porém, mas de todos e todas. Trata-se de um amplo processo de legalização de crimes contra o povo brasileiro. Uma volta – legislativa – à ditadura!

O atual contexto brasileiro da pandemia de Covid-19 – mal enfrentada pelo governo federal – é marcada por um elevado número de evitáveis mortes de brasileiros/as, além do desemprego e a fome crescentes, mas não só. Também deixam suas marcas nesse cenário de crise – ao contrário do necessário e urgente recomendado – o avanço dos negócios impostos pelo capital financeiro-agrário, nacional e estrangeiro, sobre terras públicas e territórios de vida – eco-sócio-sistemas -, com explícito incentivo à grilagem de terras e à legalização de terras griladas. A retomada e pauta sequente destes Projetos de Lei está a provocar ainda maior vulnerabilidade dos povos e territórios ainda preservados e de decisiva importância para o enfrentamento da crise ecológica, causando preocupações alarmantes para o conjunto da sociedade.

A atuação do governo federal e de vários governos estaduais tem sido causa de graves violações de direitos humanos – econômicos, sociais, culturais e ambientais (DHESCAs), como revelam os dados de conflitos no campo registrados pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (CEDOC), da CPT. Em 2020, foram 2.054 ocorrências de conflitos no campo, envolvendo quase um milhão de pessoas. Destes, 1.576 foram ocorrências de conflitos por terra, uma média de 4,31 conflitos por terra por dia; neles estiveram envolvidas 171.625 famílias e 77,4 milhões de hectares – números muito maiores que os de 2019; o de ocorrências o maior já registrado historicamente. O recorde maior de 2020 foi o de 81.225 famílias que tiveram suas terras e territórios invadidos, um aumento de 102,8% em relação a 2019 – o maior número da série histórica registrada pela CPT desse tipo de violência.

Este trágico quadro requer medidas para interromper os desmandos e garantir a proteção destes povos, comunidades e territórios, ao bem de todos e de toda a vida. No entanto, o que está em curso é exatamente o contrário disto. Projetos de Lei em tramitação no Congresso Nacional relacionados às questões agrária e socioambiental vão ao encontro da política governamental atual, focada na constante retirada de direitos constitucionais desses povos e comunidades tradicionais e camponesas, em favor de interesses de grupos econômicos minoritários poderosos.

Repudiamos os intentos e manobras subjacentes aos Projetos de Lei da Morte e exigimos sua imediata retirada da pauta do Congresso Nacional. Não passarão!

Ai daqueles que tramam maldades; que mesmo repousando em suas camas planejam crueldades. E, logo que o dia amanhece eles executam seus planos malignos, pois têm poder para isso. Eles cobiçam campos e terrenos, e tomam posse deles; invejam e desejam casas e propriedades de outros e acabam por apoderar-se delas. E não têm escrúpulos em agir com violência contra qualquer homem e sua família; agridem com impiedade o semelhante e os seus herdeiros. (Miquéias 2,1-2).

Brasília/DF, 18 de Junho de 2021

Articulação das Pastorais Sociais do Campo

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