12/02/2021

TRF-4 determina que prefeitura deve dar condições dignas à hospedagem de indígenas em Florianópolis

MPF sustentou que Tisac, casa de passagem provisória para os indígenas, deve ter condições dignas imediatamente para pelo menos as seis famílias que já estão no local

Indígenas convivem com estruturas elétrica e hidráulica precárias e falta de segurança em Florianópolis (SC). Foto: MPF/SC

Indígenas convivem com estruturas elétrica e hidráulica precárias e falta de segurança em Florianópolis (SC). Foto: MPF/SC

O município de Florianópolis terá de dar imediatamente condições dignas para a hospedagem de indígenas no desativado Terminal do Saco dos Limões (Tisac), conforme decisão dessa terça-feira (9) da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). Os desembargadores do TRF4 negaram provimento ao agravo de instrumento da prefeitura, que inicialmente (decisão liminar) suspendeu as melhorias necessárias, determinada pela 6ª Vara Federal da capital.

Em sessão telepresencial, a 3ª Turma do Tribunal levou em consideração a argumentação do procurador regional da República José Osmar Pumes, do Ministério Público, de que a questão deixou de ser apenas “um deslocamento de indígenas para esse local”, já que eles já estão no Tisac, com a temporada de verão bem adiantada. “Eles estão lá, trabalhando”, disse.

Em seu voto, o desembargador Rogério Favreto, do TRF4, deixou claro que a discussão não era sobre o deslocamento, mas sobre as condições sanitárias do local de abrigo dos indígenas. “Não estamos discutindo efetivamente o deslocamento e sim essas condições sanitárias de um ambiente que foi reservado como um local de passagem, de aguardo e que, por acordo judicial, a prefeitura vem descumprindo, alegando questões econômicas”, disse.

“Se, por um lado, não é desejado a questão de trabalho, a municipalidade libera para todo mundo, só os indígenas não podem produzir o seu artesanato. Me parece aqui uma questão justamente de preconceito até, que teve da municipalidade”, disse ainda o desembargador federal. “Estamos discutindo aqui apenas providências singelas, aqui do ambiente, limpeza, sanitização, desinfecção, coisas que já se assumiu nesse compromisso.”

O desembargador Rogério Favreto observou também, durante a sessão telepresencial dessa terça-feira (9), que no Tisac estão abrigadas provisoriamente “meia dúzia de famílias” e que, por estarem ali reunidas, “se ainda não foram, ali fica muito mais fácil de serem vacinadas” contra a covid-19.

Histórico – Em dezembro de 2016, o MPF ajuizou ação civil pública contra a União, a Funai e o município de Florianópolis requerendo a construção de uma casa de passagem para esses grupos – etnias como Kaingang, Guarani e Xokleng – e, provisoriamente, sua alocação, já naquele verão, no desativado Tisac. A sentença da Justiça Federal, em setembro de 2017, acatou os pedidos e ainda determinou a criação de um grupo de trabalho interinstitucional, a ser fiscalizado pelo MPF, para definir os critérios técnicos e tradicionais necessários à construção da casa de passagem.

Como resultado foi firmado termo de compromisso em que o município se comprometeu a disponibilizar estruturas provisórias na temporada 2018/2019 e a iniciar a implantação da casa de passagem definitiva ainda em 2019 – em terreno cedido pela União ao lado do Tisac. No entanto, segundo o MPF, a prefeitura protelou a construção definitiva e também a realização das instalações provisórias, além de ter permitido que o terminal fosse utilizado como depósito de lixo.

Em 3 de dezembro de 2020 foi determinada a intimação pessoal do prefeito de Florianópolis para que comprovasse, em 24 horas, as providências administrativas adotadas em relação ao Tisac, sob pena de incorrer em improbidade administrativa e cometer crime de desobediência judicial, sem prejuízo do pagamento da multa R$ 10 mil ao dia.

Contra essa decisão, o município ajuizou recurso, sustentando que a construção da casa de passagem provisória oneraria a administração, que precisaria utilizar-se “de recursos essenciais já realocados para o combate à pandemia, além de estimular o deslocamento dos indígenas para o município, colocando-os em risco de vida dado o crescimento da contaminação pela covid-19”. Alegou ainda que o combate à pandemia vem exigindo aumento significativo e não programado dos gastos; que há queda de arrecadação e realocação de verbas para o Fundo Municipal de Saúde; e que o Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, que estados e municípios têm autonomia para regulamentar as medidas de isolamento.

Discriminação – Para o MPF, a postura do município, no sentido de que todos podem trabalhar em Florianópolis menos os indígenas, revela discriminação, já que não há proibição de atividades de comércio e de lazer mesmo na época atual de pandemia. Quanto às supostas dificuldades derivadas da queda de arrecadação e do aumento de despesa, o órgão apontou em seus contra-argumentos que isso não foi impeditivo para o Executivo realizar diversas obras no período da pandemia, “como o ‘asfaltaço’ alardeado pela mídia e a ciclovia no bairro Santa Mônica”, faltando recursos apenas para cumprir com o acordo e com a decisão judicial.

Quanto ao argumento da prefeitura de que “não seria prudente incentivar viagem ou permanência de indígenas” na capital, o MPF aponta que não há proibição de mobilidade do povo em geral ou de atividades comerciais em Florianópolis. Logo, os indígenas podem exercer o direito de ir e vir e desenvolver suas atividades. “A questão é que os indígenas já estão chegando a Florianópolis e não têm onde ficar alojados. Deve ser disponibilizado espaço de apoio com vistas a respeitar a peculiaridade da cultura indígena, assegurando o acolhimento seguro e digno dos índios da região durante o período em que transitam pela cidade de Florianópolis, principalmente dada a situação de risco em que se encontram, já que se acomodam em locais perigosos e sem a mínima estrutura”, afirmou o procurador regional da República Paulo Gilberto Cogo Leivas em sua manifestação.

No que tange a alegada violação do princípio da separação dos poderes e à decisão do STF apontada pelo Executivo, o MPF argumenta que “a autonomia do município em estabelecer medidas de isolamento tem limitações como o direito fundamental à não discriminação”. E que a Justiça Federal apenas determinou o cumprimento de medidas a que a prefeitura ficou obrigada “em razão de sentença bem como de termo de compromisso originado do grupo de trabalho”.

Tendo como base os apontamentos do Ministério Público Federal, o TRF4 julgou improcedente o recurso interposto pela prefeitura, que fica obrigada a cumprir as determinações da sentença. Na sessão telepresencial da última terça-feira (9), a 3ª Turma do TRF 4 levou em consideração a argumentação exposta pelo MPF no processo e a sustentação oral do procurador regional da República José Osmar Pumes.

Ainda cabem recursos.

Números dos processos no TRF4:
– 5030065-13.2016.4.04.7200 (ação civil pública)
– 5031159-88.2019.4.04.7200 (cumprimento provisório da sentença proferida no processo acima)
– 5057652-37.2020.4.04.0000 (agravo de instrumento – recurso em relação ao cumprimento provisório da sentença)

* Com informações da PRR4

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