01/11/2019

Povo Tupinambá de Olivença pede investigação sobre projeto de hotel de luxo português em seu território

Indígenas divulgaram carta, fizeram denúncias em órgãos federais e participaram de reuniões sobre o tema na sede da delegação da União Europeia no Brasil e na Embaixada de Portugal

Lideranças Tupinambá de Olivença levam denúncia à Delegação da União Europeia no Brasil. Foto: Adi Spezia/Cimi

Lideranças Tupinambá de Olivença levam denúncia à Delegação da União Europeia no Brasil. Foto: Adi Spezia/Cimi

Por Assessoria de Comunicação do Cimi

O povo Tupinambá de Olivença divulgou uma carta cobrando investigação a respeito da pressão feita pela Embratur sobre a Fundação Nacional do Índio (Funai) para que a demarcação de sua terra indígena, no sul da Bahia, fosse “encerrada” para que um hotel de luxo da empresa Vila Galé, de Portugal, fosse construído na área. A solicitação foi feita por meio de um ofício assinado pelo presidente da Embratur, Gilson Machado Neto, e divulgado pelo site The Intercept Brasil.

No documento, que foi entregue em diversos órgãos em Brasília, o povo Tupinambá de Olivença pede a investigação de Machado Neto, do prefeito de Una (BA), do governador e do vice-governador da Bahia e de outros parlamentares que denunciam serem parte do lobby “em favor da empresa portuguesa de turismo, em prejuízo dos Tupinambá”.

Além disso, os Tupinambá denunciam “a posição do governo brasileiro em não demarcar nosso Território Sagrado, desrespeitando a Constituição Federal” e pedem que o ministro da Justiça, Sérgio Moro, assine a Portaria Declaratória da Terra Indígena (TI) Tupinambá de Olivença.

Desde abril de 2009, quando foi publicado o relatório de identificação e delimitação de sua terra indígena pela Funai, os Tupinambá de Olivença aguardam a assinatura da Portaria Declaratória de seu território, etapa que precede a demarcação física e a homologação da área, assim como a indenização de eventuais detentores de títulos de boa-fé.

Em 2016, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) derrubou os últimos impedimentos jurídicos para a publicação da Portaria, que agora depende apenas da determinação do chefe do Ministério da Justiça em seguir a Constituição Federal.

Enquanto os processos administrativos eram protelados, os Tupinambá de Olivença retomaram a maior parte de seu território tradicional. “Já estávamos ficando cercados pelos fazendeiros que nos atacavam constantemente”, relatam em sua carta. “Eles estavam destruindo os nossos bens naturais que ainda restam”.

A carta também pede investigação sobre a licença prévia concedida pelo Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do estado da Bahia (Inema) para a obra realizada sobre o território Tupinambá. A prefeitura do município de Una também concedeu licença prévia para o empreendimento, apesar de sua sobreposição a uma terra indígena já delimitada.

“A área onde eles querem construir, além de ser dentro do nosso território, é uma área de manguezal, de proteção permanente. Nós não vamos abrir mão dessa área para um resort”

Lideranças posicionam-se contra construção de hotel de luxo português na TI Tupinambá de Olivença durante reunião na Embaixada de Portugal. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Lideranças posicionam-se contra construção de hotel de luxo português na TI Tupinambá de Olivença durante reunião na Embaixada de Portugal. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Empresa ignora Constituição

No ofício enviado à Funai, a Embratur afirma que a intenção do Grupo Vila Galé é “viabilizar a construção de dois empreendimentos hoteleiros, tipo Resort, com 1040 leitos”, os quais seriam voltados “para turistas estrangeiros” e exigiriam um investimento de cerca de 150 milhões de reais.

Depois da forte repercussão da denúncia feita pelo site The Intercept nos principais jornais portugueses, o grupo estrangeiro emitiu uma nota na qual afirma que “não existem indígenas nesta área nem quaisquer vestígios dos mesmos no local” e que a área em questão seria uma “propriedade privada”.

“Para a gente isso é criminoso e precisa de retratação”, afirma o cacique Ramon Tupinambá. “A área onde eles querem construir, além de ser dentro do nosso território, é uma área de manguezal, de proteção permanente, onde há vários pescadores e marisqueiros indígenas que sobrevivem dessa região. Nós não vamos abrir mão dessa área para um resort”.

A empresa de Portugal também afirma que há contestações que “fundamentam a total inconsistência do processo” de demarcação da TI Tupinambá de Olivença e defende que “só após aprovação formal do Presidente da República é que se poderá falar em terreno indígena (sic)”.

Do ponto de vista constitucional, entretanto, essa afirmação é falsa. “Somente quem desconhece o direito indígena brasileiro pode fazer uma afirmação tão tacanha”, avalia Rafael Modesto dos Santos, assessor jurídico do Cimi.

“O processo de demarcação já superou todas as fases de impugnações e todas as contestações foram indeferidas. Ainda, no Brasil, a Constituição Federal reconheceu aos índios um direito declarado sobre suas terras de ocupação tradicional e isso significa que esse direito independe da conclusão do processo administrativo, porque ele é preexistente, anterior a qualquer outro”, explica o advogado.

“Além disso, todo empreendimento para exploração comercial em terras indígenas é nulo. Como o usufruto é exclusivo dos indígenas, o projeto todo eivado de ilicitudes e ilegalidades”, pontua Rafael.

“Independentemente do território não ter a demarcação concluída pelo governo, pelo Ministério da Justiça, nós estamos lá e nosso direito é garantido pela Constituição”

Lideranças Tupinambá de Olivença levam denúncia sobre construção de resort em seu território à Delegação da União Europeia no Brasil. Foto: Adi Spezia/Cimi

Lideranças Tupinambá de Olivença levam denúncia sobre construção de resort em seu território à Delegação da União Europeia no Brasil. Foto: Adi Spezia/Cimi

Denúncias em Brasília

Nesta semana, os Tupinambá de Olivença estiveram em Brasília, onde procolaram sua carta e reuniram-se com diversos órgãos federais e também na embaixada de Portugal e na sede da Delegação da União Europeia no Brasil.

Os Tupinambá denunciaram a situação em reuniões com parlamentares, integrantes do Ministério Público Federal (MPF), com a Comissão Nacional de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e com o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).

A delegação de lideranças ainda pediu explicações à Funai e buscou agendas com a Embratur e com o ministro da Justiça, Sérgio Moro, a quem pretendiam reivindicar a assinatura da Portaria Declaratória de seu território, atribuição do ministro. Em ambos os lugares, não foram atendidos, mas protocolaram sua carta de denúncias.

Durante audiência na sede da Delegação da União Europeia no Brasil, lideranças Tupinambá denunciaram a tentativa de construção sobre seu território. “Se a Vila Galé insistir em construir dentro do nosso território, será uma guerra. Não vamos permitir”, alertou o cacique Ramon Tupinambá.

Na embaixada de Portugal, os indígenas também apresentaram sua posição contra o empreendimento e foram questionados sobre os problemas da obra e da postura das autoridades brasileiras.

“A morosidade da demarcação da terra vai deixando nossa situação mais difícil. Não demarca o território e a gente se depara com uma construção imensa dentro de uma área de preservação nossa, no nosso território”, criticou a cacique Valdelice Tupinambá.

“Nós não vamos deixar construir. É um pedaço de nossa vida”, prosseguiu a liderança. “Para nós, é um território sagrado. No manguezal tem outras vidas, que a gente protege e que nos alimentam também”.

A Ministra-Conselheira da Embaixada de Portugal, Sandra Magalhães, comprometeu-se a transmitir à Vila Galé e ao governo de seu país o conteúdo da reunião com os indígenas.

“Parece-nos que este é um problema que precisa ser tratado, em primeiro lugar, com o governo em Salvador e com as autoridades brasileiras”, afirmou a ministra, que atribuiu às autoridades do Brasil a “lacuna” e o “vazio” que resultaram no conflito.

“Independentemente do território não ter a demarcação concluída pelo governo, pelo Ministério da Justiça, nós estamos lá e nosso direito é garantido pela Constituição. Se eles começarem a construir, vai ter reação. Quem vai se responsabilizar?”, questionou a liderança Nádia Akauã Tupinambá.

Lideranças posicionam-se contra construção de hotel de luxo português na TI Tupinambá de Olivença durante reunião na Embaixada de Portugal. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Lideranças posicionam-se contra construção de hotel de luxo português na TI Tupinambá de Olivença durante reunião na Embaixada de Portugal. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Confira abaixo a íntegra da carta de denúncia do povo Tupinambá de Olivença ou clique aqui para baixá-la em pdf:

 

Carta de Denúncia do povo indígena Tupinambá de Olivença

Nós, nação indígena Tupinambá de Olivença, localizada nos municípios de Ilhéus, Una, Buerarema e São José da Vitória, no sul do Estado da Bahia, vimos através desta carta, DENUNCIAR a posição do governo brasileiro em não demarcar nosso Território Sagrado, desrespeitando a Constituição Federal, nos artigos 231 e 232 e decreto 1775/96, que garantem a regularização dos territórios indígenas. Em 2001, obtivemos o nosso reconhecimento étnico pela FUNAI e assim foi instituído o grupo técnico para o levantamento territorial, onde nos encontramos desde muito antes de 1500; em 19 de abril de 2009, foi publicado no Diário Oficial da União, o relatório circunstanciado de identificação e delimitação da TI Tupinambá de Olivença, totalizando 47.376 hectares; a partir da publicação, se intensificou os ataques dos fazendeiros contra nosso povo, por não reconhecerem nosso direito ao território e nem o direito sagrado que a própria terra tem. No ano de 2004 começamos a retomar nosso território, pois já estávamos ficando cercados pelos fazendeiros que nos atacavam constantemente, cometendo inúmeros assassinatos, estimulados pelo próprio Governo Bolsonaro. Além do mais, eles estavam destruindo os nossos bens naturais, que ainda restam. Há agora uma solicitação do presidente da EMBRATUR (Instituto Brasileiro de Turismo), por meio do Sr. Machado Neto, PSL, junto com o prefeito do município de Una-BA, Tiago Bischner, ou Tiago de Dejair, do PP, do Governador do estado da Bahia, Rui Costa, PT, Vice-governador, João Leão, PP, Senador Otto Alencar, PSD, Dep. Federal Mario Negromonte Junior, PP, Dep. estadual Eduardo Sales, PP, entre outros, para que se encerre o processo de demarcação do nosso território sagrado, para a implantação de um resort português, de nome VILA GALÈ, com valor estimado em mais de R$ 200 milhões de reais. Nosso processo de demarcação encontra-se paralisado há 10 anos no Ministério da Justiça, para assinatura da Portaria Declaratória, pelo Exmo. Ministro da Justiça Sergio Moro. Nosso território já foi reconhecido, quando julgado por unanimidade, em setembro de 2016, no STJ (Superior Tribunal de Justiça). Determinou o STJ que se cumprisse a Constituição e que o Ministro da Justiça assinasse a devida Portaria, pois não há nenhum impedimento jurídico. A morosidade da não assinatura da Portaria Declaratória tem causado enorme prejuízo as nossas comunidades. Ainda, em sua campanha, Bolsonaro atacou constantemente os povos indígenas, nos tratando de forma hostil e afirmando que somos empecilhos para o desenvolvimento do país e que a partir do início do seu mandato, mais nenhum milímetro de terra seria demarcado para os povos indígenas. Após eleito, ele começou a cumprir suas promessas, seja por meio Medidas Provisórias, seja por Decretos presidenciais, revogando direitos indígenas adquiridos no decorrer de séculos de luta. Ainda, deixou claro que para ele o meio ambiente não é importante. O importante é abrir as terras indígenas para a exploração de forma geral e irrestrita, de grileiros, do agronegócio, dos madeireiros, da mineração e especulação imobiliária. Assim nos dirigimos às diversas instâncias de Governo Brasileiro, Embaixadas, Ongs Nacionais e Internacionais que atuam na defesa dos direitos indígenas, para afirmar que não vamos aceitar esse ataque nocivo sobre nossos direitos e pedir que:

  • Que o Ministro da Justiça assine imediatamente a portaria declaratória de demarcação do nosso território sagrado, para nos garantir segurança jurídica, física e psicológica;
  • Solicitamos que sejam investigados todos os citados acima, em especial o Presidente da Embratur, o Sr. Gilson Machado Neto, em função do loby em favor da empresa portuguesa de turismo, em prejuízo dos Tupinambá, de acordo com que veiculado recentemente na mídia.
  • Investigação das outorgas liberadas pelo INEMA/BA dentro do limite territorial sem consulta as comunidades como garante a convenção 169.

Alto lá! Esta terra tem dono!! Esse Território é da nação Tupinambá!!!

Não seremos extintos!!!

Ilhéus, 28 de outubro de 2019.

 

Share this:
Tags: