28/08/2019

PEC 187 é aprovada em Comissão da Câmara, mas sem arrendamento de terras indígenas a fazendeiros

Povos indígenas lutam para que tramitação da PEC 187 seja barrada e o presidente da Casa, Rodrigo Maia, não crie Comissão Especial para analisá-la

Povo Xukuru Kariri de Alagoas acompanhou votação na CCJC, manifestando-se contra PEC 187. Foto: Adi Spezia/Cimi

Povo Xukuru Kariri de Alagoas acompanhou votação na CCJC, manifestando-se contra PEC 187. Foto: Adi Spezia/Cimi

Por Tiago Miotto, da Ascom/Cimi

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 187/2016 foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJC) da Câmara dos Deputados, por 33 votos a 18. A proposta pretende alterar os direitos indígenas na Constituição Federal para permitir “atividades agropecuárias e florestais” em terras demarcadas – algo que já é permitido e praticado pelos povos originários.

Lideranças do povo Xukuru Kariri, de Palmeira dos Índios (AL), acompanharam a votação na Câmara, manifestando-se contra qualquer alteração em seus direitos garantidos na Constituição Federal.

Apesar dos protestos, que também ocorreram na semana passada, a CCJC aprovou o parecer do novo relator das PECs 187 e 343, o ruralista Pedro Lupion (DEM-PR). Com isso, a PEC 187 avança na tramitação, mas a PEC 343 foi arquivada, pois Lupion, seguindo o acordo estabelecido entre parlamentares após os embates da semana anterior, votou pela inadmissibilidade da proposta que tramitava apensada à PEC 187.

A PEC 187 prevê o acréscimo de um parágrafo ao artigo 231 da Constituição, incluindo uma autorização explícita para atividades agrícolas, pecuárias e florestais em terras indígenas e para que os indígenas façam a “administração de seus bens e comercialização da produção”.

“Os povos indígenas em muitas regiões já produzem em suas terras e comercializam, inclusive nos municípios e regiões próximas aos seus territórios. Isso, portanto, não é uma novidade e não justifica qualquer alteração na Constituição”, avalia o Secretário Adjunto do Cimi, Gilberto Vieira dos Santos.

“Por outro lado, alterar a Constituição para inserir algo que já é garantido abre a possibilidade ou um precedente para que outras alterações possam ser feitas para prejudicar os povos indígenas no que tange à demarcação e ao usufruto exclusivo e de seus territórios, como já se tentou com a PEC 215/2000”, pondera.

A deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR) considera que, embora o conteúdo da PEC 187 seja praticamente inócuo, sua tramitação apresenta risco para os direitos indígenas e deveria ser, antes, submetida à consulta dos povos originários.

“Essa proposta nem sequer deveria estar sendo apreciada aqui, porque a Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho] determina que todas as medidas legislativas deveriam ser precedidas de uma consulta prévia, livre e informada, o que não aconteceu aqui. O motivo real dessa PEC é realmente dar possibilidade a matérias estranhas que possam prejudicar os direitos indígenas”, avalia a parlamentar indígena.

Povo Xukuru Kariri de Alagoas acompanhou votação na CCJC, manifestando-se contra PEC 187. Foto: Adi Spezia/Cimi

Povo Xukuru Kariri de Alagoas acompanhou votação na CCJC, manifestando-se contra PEC 187. Foto: Adi Spezia/Cimi

Cláusulas pétreas

Em nota técnica sobre as PECs 187 e 343, a Assessoria Jurídica do Cimi aponta que ambas são inconstitucionais. Entre outros motivos, a análise aponta que os artigos 231 e 232 da Constituição Federal, que tratam dos direitos dos povos indígenas, tratam de direitos e garantias individuais e coletivas e são, portanto, cláusulas pétreas.

Ou seja, trata-se de artigos que não podem ser modificados por emendas do Congresso Nacional ou do Poder Executivo, porque são “resguardados pela imutabilidade constitucional”.

“Todos os elementos do direito indígena que conformam o Capítulo VIII da CF/88, do Título VIII, são direitos individuais indígenas, em certo plano; mas, vão muito além, diante da cosmovisão, por serem direitos indisponíveis manejados no plano da coletividade, considerando a relação multicultural e pluriétnica das gentes indígenas”, afirma a nota técnica.

Compromisso

Após a votação, lideranças indígenas, deputados e deputadas da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos Indígenas protocolaram na Câmara dos Deputados um documento pedindo ao presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que não crie a Comissão Especial para a PEC 187.

Maia já afirmou publicamente que, em caso de aprovação na CCJC, poderia barrar a criação da Comissão Especial da PEC 187. A análise em Comissão Especial é a próxima etapa da tramitação de uma proposta de alteração da Constituição, e a Comissão só pode ser criada pelo presidente da Casa.

“Se for algo que sinalize alguma polêmica, algum encaminhando que gere mais narrativas negativas sobre o Brasil, é claro que vai ficar onde está”, afirmou Maia, na ocasião.

“O que nós queremos é que seja garantido o que foi conquistado com muita luta na Constituição de 1988. Hoje, vemos os direitos que foram conquistados serem violados pelos próprios parlamentares dessa casa”, afirmou o cacique Cícero Xukuru Kariri durante o protocolo do documento ao presidente da Câmara.

Povo Xukuru Kariri manifesta-se contra PEC 187 na Câmara. Foto: Adi Spezia/Cimi

Povo Xukuru Kariri manifesta-se contra PEC 187 na Câmara. Foto: Adi Spezia/Cimi

PEC do arrendamento arquivada

A PEC 343, que tramitava apensada à PEC 187, foi arquivada. Essa proposta, de autoria do deputado Nelson Padovani (PMDB-PR), continha propostas ainda mais agressivas aos direitos dos povos indígenas do que a PEC 187, de autoria de Vicentinho Júnior (PL-TO).

A proposta de Padovani previa a abertura das terras demarcadas para a exploração agropecuária por não indígenas e abria caminho para o uso de seus “recursos hídricos e minerais” por empresas e mineradoras, sem sequer a autorização do Congresso Nacional, como a Constituição atualmente exige.

O projeto também previa que os acordos para o que os ruralistas chamam de “parcerias agrícolas e pecuárias” – na prática, arrendamento de terras indígenas – seriam acordados diretamente entre fazendeiros e Fundação Nacional do Índio (Funai), sem a participação dos povos que vivem nos territórios afetados, e poderiam abarcar até metade de cada terra demarcada.

Inicialmente, o relator de ambas as propostas era o ruralista gaúcho Alceu Moreira (MDB-RS), que votou pela admissibilidade de ambas em seu parecer. Após forte mobilização, na semana passada, os povos indígenas conquistaram o que consideraram uma “vitória parcial”: a votação na CCJC foi adiada e um acordo entre parlamentares definiu que a PEC 187 seria votada sem obstrução da oposição, mas a PEC 343 seria barrada.

Assim, nesta semana, a relatoria das PECs na CCJC foi trocada e Moreira foi substituído pelo também ruralista Pedro Lupion, que seguiu o acordo e votou pelo arquivamento da PEC 343.

Os povos indígenas, entretanto, temem que propostas semelhantes às da PEC 343 sejam reinseridas na PEC 187 ao longo de sua tramitação. Por isso, lutam para que a PEC 187 também seja barrada nas próximas etapas de tramitação.

“Esse é o nosso apelo para o povo dessa casa: se já erraram, cuidem de consertar o erro que cometeram hoje na votação da PEC 187”, reivindica o cacique Cícero.

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