Lideranças Kaingang do norte do Rio Grande do Sul se reúnem na Terra Indígena Kandóia para definir estratégias de luta
As lideranças conclamam a todos os povos à mobilização e à vigília quanto ao caso de repercussão geral sobre terras indígenas no STF
Lideranças Kaingang do norte do Rio Grande do Sul, com apoio do Conselho Indigenista Missionário – Regional Sul (Cimi Sul) e do Conselho de Missão entre os Povos Indígenas (Comin), reuniram-se na Terra Indígena Kandóia, no município de Faxinalzinho, para discutir aspectos relacionados ao contexto político e jurídico referente aos povos indígenas do Brasil e planejar ações conjuntas diante dos problemas decorrentes deste contexto. O encontro também foi assessorado juridicamente, para estudo e debate crítico à tese do ‘marco temporal da ocupação territorial indígena’.
Participaram do encontro lideranças Kaingang das terras indígenas de Rio dos Índios, Passo dos Índios, Sêgu, Carazinho, Passo Grande do Rio Forquilha, Campo do Meio, Votouro, Serrinha, Irai, Rio da Várzea e Kandóia. O encontro teve a participação aproximada de setenta homens e mulheres. No aspecto geracional, o encontro também teve a presença de jovens e anciãs.
No que se refere aos procedimentos de demarcação ou de revisão de limites, todos, sem exceção, estão com seus processos paralisados junto ao órgão indigenista responsável, no caso a Funai, ou enfrentam processos judiciais questionando a demarcação e alguns ainda enfrentam ações de reintegração de posse. No que tange aos questionamentos judiciais das demarcações de terra, a impressão é que existe uma gigantesca fábrica de processos visando negar os direitos constitucionais dos povos indígenas em todo o Brasil e com isso, o que é ainda mais grave, faz parecer que a Lei Maior, a Constituição Federal, é letra morta e ainda, os direitos originários, inalienáveis e imprescritíveis, nela inscritos, são desconsiderados pelo Estado e pelo sistema de justiça. Todo esse cenário, além de causar insegurança, coloca milhares de famílias indígenas no risco eminente de não ter onde viver, mesmo sendo os legítimos e primeiros ocupantes deste território.
As lideranças conclamam a todos os povos à mobilização e a constante vigília no sentido de garantir o direito fundamental e sagrado à demarcação de suas terras tradicionais
As lideranças Kaingang manifestaram profunda preocupação em relação ao Recurso Extraordinário 1.017.365, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). Trata-se de um pedido de reintegração de posse movido pela Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (Fatma), contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e indígenas do povo Xokleng, que ocupam uma área reivindicada – e já identificada – como parte de seu território tradicional. Em decisão publicada no dia 11 de abril, o plenário do STF reconheceu, por unanimidade, a Repercussão Geral do julgamento do RE 1.017.365. Isso significa que o que for julgado nesse caso fixará uma tese que servirá de referência aos casos envolvendo terras indígenas, em todas as instâncias do judiciário. Com este encaminhamento, o que está em jogo é o reconhecimento ou a negação do direito mais fundamental dos povos indígenas: o direito à terra. Diante deste contexto, as lideranças conclamam a todos os povos à mobilização e a constante vigília no sentido de garantir o direito fundamental e sagrado à demarcação de suas terras tradicionais.
Com relação à conjuntura política que assola nosso país, as lideranças manifestaram profunda indignação e revolta com o ocupante da cadeira presidencial e suas constantes agressões direcionadas aos povos indígenas e suas lutas cotidianas pelo reconhecimento e garantia de seus direitos, em especial a demarcação de seus territórios. O presidente, além de manifestar seu racismo, preconceito, ódio e rancor, ainda incita a população contra os povos indígenas. A política indigenista seguida pelo atual governo constitui-se numa cartilha fascista que os ruralistas e o agronegócio historicamente defenderam. Com isso, inviabilizam qualquer demarcação de terra e fragilizam ainda mais a atenção aos povos indígenas. Esta política, carregada de maldades, pretende aniquilar os ocupantes primeiros desta terra.
Os indígenas reiteram a disposição de persistir na resistência para a garantia e ampliação de seus direitos, conquistados com luta e sangue
Outro aspecto debatido no encontro foi a questão relacionada aos arrendamentos de terras indígenas por terceiros e as iniciativas para legalizar essa prática. As lideranças manifestaram total contrariedade a essas propostas. Conforme manifestaram, todos querem produzir em suas comunidades, mas seguindo os costumes e tradições do povo Kaingang.
Ainda foram debatidas e encaminhadas questões referentes às políticas públicas de acessos e permanência no ensino superior, visando a continuidade das ações afirmativas já conquistadas junto às universidades e outras instituições de ensino superior. Da mesma forma, as lideranças debateram e definiram estratégias referente às demandas de atendimento à saúde pública, manifestando contrariedade a propostas de municipalização ou terceirização desta política. As preocupações das lideranças se acentuam com os anúncios de cortes ou previsão de recursos orçados pelos órgãos públicos responsáveis por tais políticas.
As lideranças e demais presentes no encontro, manifestam preocupação e indignação com o descaso e desmonte das políticas públicas conquistadas pelos povos indígenas. Reiteram a disposição de persistir na resistência para a garantia e ampliação de seus direitos, conquistados com a luta e o sangue de lideranças em tempos passados e recentes. E, afirmam, caso necessário, estão dispostos a seguirem o exemplo destas lideranças, pelo futuro dos povos indígenas.
Faxinalzinho, RS, 27 e 28 de agosto de 2019
Terra Indígena Kandóia