01/07/2019

“Vamos ter 40 dias de paz”, afirma liderança Avá-Guarani após audiência com Itaipu no STF

Despejo contra indígenas segue suspenso até nova audiência e comunidades poderão ser realocadas em áreas da Itaipu até conclusão dos estudos da Funai

Liderança Avá-Guarani fala durante audiência de conciliação no STF. Foto: Tiago Rodrigues

Liderança Avá-Guarani fala durante audiência de conciliação no STF. Foto: Tiago Rodrigues

Por Adi Spezia, da ASCOM/Cimi

Em audiência de conciliação na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), os indígenas Avá-Guarani na região Oeste do Paraná conquistaram importante vitória frente à Itaipu Binacional, no último dia 26. A audiência envolvia três processos de reintegração de posse, ações estas movida pela Binacional contra três comunidades indígenas, correspondente aos Tekoha – lugar onde se é – Pyau, Curva Guarani e Yva Renda, sob o argumento de que os indígenas estariam ocupando uma área de reserva legal próxima ao empreendimento da empresa.

Decisões liminares determinando o despejo dos indígenas já haviam sido suspensas pelo presidente da Corte, ministro Dias Toffoli. Na audiência, acordou-se pela suspensão dos processos de reintegração de posse dos três tekoha por mais 40 dias. No período, será averiguada a possibilidade de destinar áreas de terra remanescentes da Itaipu aos indígenas, de forma provisória, até que os estudos da Fundação Nacional do Índio (Funai) para identificar e delimitar a terra tradicional reivindicada pelos Avá Guarani sejam concluídos.

Por isto, neste intervalo de tempo, a Funai também deverá entregar um cronograma de atuação do Grupo de Trabalho que está analisando a reivindicação territorial dos Avá-Guarani, que aguarda providências desde 2009. Atendendo a uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF), a Funai instituiu, em setembro de 2018, um grupo técnico para realizar os estudos de identificação e delimitação das Terras Indígenas (TIs) Ocoy e Santa Helena, localizadas nos municípios de São Miguel do Iguaçu e Santa Helena, no Paraná. Se o acordo for firmado, os

“A Itaipu flexibilizou o entendimento de que áreas remanescentes podem ser destinadas às comunidades indígenas”

O acordo entre indígenas e Itaipu foi firmado porque existem áreas remanescentes que são de propriedade da empresa e que podem ser destinadas às comunidades Guarani.

“São áreas que a Itaipu já indenizou para terceiros, mas que não chegaram a ser alagadas e que estão nas mãos de pessoas que já foram compensadas. A Itaipu flexibilizou o entendimento de que essas áreas podem ser destinadas às comunidades indígenas”, aponta o advogado do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) que acompanhou a audiência, Adelar Cupsinski.

O resultado é considerado um avanço muito importante, pois os índios que foram expulsos do território no passado para dar lugar a este empreendimento agora buscam um local onde possam ficar nas suas terras tradicionais até a conclusão do processo administrativo de demarcação que está sendo conduzido pela Funai.

A audiência foi conduzida pelo Juiz Auxiliar da Presidência, Márcio Antônio Boscaro, com participação de representantes do Ministério Público Federal (MPF), Funai, advogados da Itaipu Binacional, Defensores Público da União (DPU) e lideranças indígenas das três aldeias e seus advogados. Num primeiro momento os indígenas não foram aceitos para compor a mesa de negociações, no decorrer da audiência formam chamados e tiveram a oportunidade de se manifestar.

Os caciques denunciaram a espoliação que o povo Avá-Guarani sofre em seus territórios e a perda territorial que se deu ao longo de décadas. Primeiro para os projetos de colonização e depois, quando estavam as margens do Rio Paraná, a área foi inundada pelo empreendimento da Itaipu, onde dezenas de aldeias foram alagadas.

“Eles falam que não existia índio na região e mesmo assim continuamos a lutar pelos nossos direitos. Eu tinha sete anos quando começou a construção da hidrelétrica, ficou comprovado que eu nasci ali”

O cacique do Tekoha Curva Guarani, Lino Cesar Cunumi Pareira, trouxe fotos registradas em sua aldeia ainda quando era criança, local que hoje se encontra inundado. Há anos os Avá-Guarani vêm sofrendo com a construção da Itaipu. “Eles [Itaipu Binacional] sempre falam que não existia índio na região e mesmo assim continuamos a lutar pelos nossos direitos. Eu tinha sete anos de idade quando começou a construção da usina hidrelétrica e em 2019, ficou comprovado que eu nasci ali, nesse local que antes era a antiga Aldeia Jacutinga. Eu mesmo mostrei a foto, a prova de que a antiga aldeia existia e que tinha índio lá, e assim conseguimos conquistar a cabeça da Itaipu e o nosso direito”, afirma Lino.

A audiência começou bastante tensa, por um lado os advogados da Itaipu alegando que os índios estavam querendo uma área de preservação ambiental e, portanto, deveriam sair do lugar. Por sua vez, os indígenas argumentando que estavam ali antes do empreendimento e que, agora, estão fazendo um processo de retornar aos seus territórios tradicionais.

“Sofremos sem ter um local de viver, foram 37 aldeias nossas alagadas. Agora, os Avá-Guarani lutam pela retomada de parte dessas aldeias”

O cacique Fernando Lopes, do Tekoha Pyau, afirma que “com a construção da hidrelétrica, nossa aldeia ficou toda embaixo do Rio Paraná. Sofremos sem ter um local de viver, nossos parentes foram sendo espalhados por tudo que é lugar, ao total foram 37 aldeias alagadas e agora, os Avá-Guarani lutam pela retomada de pelo menos nove dessas aldeias. A Itaipu quer tirar nós daquele lugar, quer colocar na rua dizendo que os indígenas apareceram só dois anos atrás. Hoje descobrimos que existem áreas remanescentes que a Itaipu deu para os colonos para plantar soja e milho enquanto quer que nós, que vivemos na reserva, saiamos”.

A acusação que recai sobre os Avá-Guarani é de ocupar uma área de preservação ambiental nas proximidades da empresa Binacional. No entanto, o que tem sido desconsiderado é que este povo já vivia nesta região antes mesmo da construção da hidrelétrica. “Foi por isso que a empresa entrou com uma reintegração de posse, porque estamos reivindicando nossos direitos. A Comissão da Verdade confirmou que a região era morada dos Avá-Guarani. O antropólogo contratado pela empresa também confirmou, eu tenho esse laudo e mostrei aqui no STF, da mesma forma o laudo antropológico realizado pelo Ministério Público”, afirma o cacique Oscar Benites Lopes, do Tekoha Yva Renda.

“A Itaipu se comprometeu em ceder para nós um pedacinho da área remanescente. Essa decisão para gente é um respiro dessa situação. Vamos ter 40 dias de paz. Sem contar que a gente vai conseguir ter um espaço para plantar nossa mandioca, manter nossa cultura, nossas tradições”, desabafa o cacique.

A próxima audiência de conciliação ficou agendada para o dia 7 de agosto deste ano, quando os termos da proposta firmada neste 26 de junho deverão ser analisados e a conciliação finalizada.

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