11/07/2019

Indígenas ocupam a Sesai e pedem a saída da secretária de saúde indígena

Promessas não cumpridas e retrocessos foram os motivos que levaram à ocupação atual da Sesai e o pedido pela saída da secretária Silvia Waiãpi

Ocupação na sede Sesai, em Brasília. Foto: Cátia Salles

Ocupação na sede Sesai, em Brasília. Foto: Cátia Salles

Restabelecimento da autonomia de gestão, normalização dos repasses mensais, renovação de contratos emergenciais de transporte, fim da perseguição a lideranças indígenas, transparência no orçamento, retorno da participação social e a reativação dos conselhos que foram extintos arbitrariamente.

Estas são as principais reivindicações dos 115 indígenas que ocupam a sede da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) em Brasília desde a noite de terça (9). Vindos do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI)  Litoral Sul, que abrange os estados do Rio Grande do Sul, São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Rio de Janeiro, os indígenas pedem a saída da secretária Silvia Waiãpi, nomeada em abril por Jair Bolsonaro.

A expectativa é que novas comitivas de povos indígenas de outras regiões do país cheguem no decorrer da semana a Brasília.

Retrocessos sem fim

A gestão Bolsonaro tem colecionado atritos com o movimento indígena desde que assumiu o poder em janeiro. Junto com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que é da bancada ruralista do Mato Grosso do Sul, e da nova secretária da Sesai, as ameaças e retrocessos se acumulam.

Logo no início do ano, em fevereiro, o desmonte do Mais Médicos atingiu especialmente os povos indígenas, como o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostrou em levantamento exclusivo. Em março, a mobilização indígena precisou ir às ruas em todo o país para evitar o fim da independência da SESAI e a municipalização da saúde.

Em abril, durante o Acampamento Terra Livre, Waiãpi foi nomeada e o atraso do repasse financeiro para as entidades que atuam na saúde indígena causava um caos no atendimento. A participação social também sofreu um duro baque com o fim do Conselho Nacional de Política Indigenista, o Fórum de Presidentes do Condisi (Conselho Distrital de Saúde Indígena), e outras instâncias relevantes. Em maio, Bolsonaro alterou a SESAI por decreto, extinguiu o Departamento de Gestão, eliminou o caráter social na administração e forçou, na prática, a municipalização.

“Depois que a Silvia entrou, a secretaria sofreu um verdadeiro desmonte. Hoje, os distritos não têm mais autonomia para poder fazer o trabalho. Eles não municipalizaram a saúde, mas desmancharam a secretaria. Se você não tem autonomia de gestão, você não toma decisão. A impressão é que a SESAI acabou”, afirma Kretã Kaingang, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil para a Região Sul.

Sem qualquer plano de gestão apresentado até o momento, a avaliação é que a SESAI se tornou um “elefante branco” e agora depende exclusivamente das decisões tomadas a portas fechadas no ministério.

Esta soma de promessas não cumpridas e retrocessos impostos à força foi o que levou à ocupação atual da Sesai e o pedido pela saída da secretária Silvia Waiãpi. Mobilizados, os indígenas prometem só deixar a sede da Secretaria depois que a situação for finalmente resolvida.

Indígenas do DSEI Litoral Sul ocupam sede da Sesai, em Brasília. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Indígenas do DSEI Litoral Sul ocupam sede da Sesai, em Brasília. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Perseguição a líderes indígenas

Kretã Kaingang também enumera uma série de outros problemas, como a perseguição a líderes indígenas por parte de Waiãpi, que teria um perfil autoritário.

A secretária entrou com um processo contra Issô Truká, liderança da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e do Condisi, e também acionou na justiça outras lideranças.  “É uma perseguição muito grande, não é dessa maneira que se dialoga. Ela é uma pessoa muito autoritária e não quer ouvir. Com todo o respeito que ela merece por ser uma indígena, de gestão pública e de política ela não entende nada, ela não sabe o que é a palavra diálogo”, afirma Kretã.

No DSEI Litoral Sul, que tem uma população de 23 mil indígenas de 11 etnias diferentes, a situação tende a piorar bastante a partir de agosto. O contrato com a empresa que presta o serviço de logística de transporte para os pacientes e profissionais da saúde se encerra em 30 de julho. Uma nova licitação precisava ser concluída até esse prazo, mas até hoje nada foi feito. Agora não há mais tempo hábil, informam as lideranças.

Com isso, indígenas que, por exemplo, precisam fazer hemodiálise até 3 vezes por semana em cidades próximas, gestantes que necessitam de pré-natal e crianças com atendimento especial estarão prejudicadas. O contrato, que deveria ser renovado em abril, por um acordo entre Ministério Público Federal, Ministério da Saúde e povos indígenas, está em risco pela demora excessiva por parte da Saúde.

“Isso dá a impressão de que é realmente uma política de genocídio. Passou o tempo, não responderam, guardaram aqui. Licitação não é uma coisa simples. As empresas que prestam o serviço também têm receio de assumir compromisso com esse governo porque os repasses atrasam sempre”, diz Kretã.

A frota de veículos atende os povos Guarani, Xetá, Kaigang, Terena, Tupi-Guarani, Krenak e Pataxó. A maioria dos profissionais que realiza o atendimento e mora na cidade, como médicos, dentistas, enfermeiros, também ficarão sem transporte.

O problema se arrasta pelo menos desde o fim de 2018, quando o diretor do Departamento de Gestão da Saúde Indígena (DGESI), agora extinto, Márcio Godoi Spindola, se comprometeu com o pleno funcionamento do transporte na região. Na época, a promessa era de que o orçamento disponível para 2019 seria de 22 milhões. Além do problema emergencial no DSEI Litoral Sul, todo a definição orçamentária da Sesai está sendo feita sem diálogo e transparência por parte de Waiãpi.

Governo ignora justificativas para reativar conselhos

Outro problema grave é que o governo Bolsonaro ignorou todas as três justificativas enviadas pelos povos indígenas para reativar o Fórum de Presidentes dos Condisi, que havia sido extinto por decreto, junto com centenas de outros conselhos e instâncias participativas. O prazo, de até 28 de junho, foi cumprido. As solicitações, no entanto, não foram aceitas.

“Todas as nossas justificativas foram ignoradas. Na verdade, eles não querem ser fiscalizados pelos povos indígenas. Precisamos sim fiscalizar o nosso orçamento, ter transparência e controle social em todas as áreas. Com a extinção do Fórum dos Condisi, tudo é o ministro que decide. Isso é muito ruim”, afirma Kretã.

Enquanto isso, o Ministério da Saúde liberou em um dia, na última segunda-feira, R$ 1,1 bilhão em emendas parlamentares para agradar aos deputados e garantir a aprovação da reforma da Previdência.

O ministro Mandetta (DEM) reconheceu sem pudor que a liberação desse montante, na véspera da discussão sobre a reforma da Previdência na Câmara, foi “um esforço” pela aprovação da proposta.

Nota da Sesai

Em resposta à reportagem, o Ministério da Saúde, por meio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), declarou em nota que “não há atraso em repasses para Distritos Sanitários Especiais de Saúde (DSEIs). A secretária Sílvia Waiãpi tem priorizado o diálogo direto com os povos indígenas por meio de visitas às unidades de saúde indígena e às aldeias para verificar, pessoalmente, as condições de atendimento.

A Sesai também afirmou que “a autonomia dos DSEIs permanece inalterada e o atendimento efetivo aos indígenas segue sendo executado dentro da normalidade”.

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