Indígenas Munduruku barram audiência pública sobre construção de portos no rio Tapajós
Povo Munduruku denuncia a ausência de consulta prévia, livre e informada para o licenciamento da obra
Indígenas do povo Munduruku barraram uma audiência que seria realizada ontem (2), no pavilhão de eventos da Igreja Nossa Senhora de Nazaré, em Itaituba, no Pará. A audiência discutiria o licenciamento da estação de Transbordo e Carga no rio Tapajós. Após a entrada dos indígenas, uma comissão com representantes do Ministério Público Estadual, da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e da Câmara Municipal, argumentou que a audiência teria sido autorizada por decisão judicial.
O povo Munduruku manteve-se contrário à realização desta, assim como outras etnias, grupos sociais e movimentos sociais presentes no local. A audiência foi então cancelada. Os indígenas divulgaram na ocasião a “Carta do povo Munduruku contra os portos no Tapajós”, em que denunciam a tentativa de licenciamento da obra sem respeito ao seu direito de consulta livre, prévia e informada, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“Exigimos que qualquer consulta seja conforme o nosso protocolo”, afirmam os Munduruku na carta. “São seis empresas que estão afetando a vida de centenas de pessoas. E com a construção de mais portos o nosso modo de vida será ainda mais afetado”, destacam os indígenas.
“Já instalaram seis portos ao redor de nosso rio Tapajós e nunca vieram nos dizer como seríamos impactados. E com a construção de mais portos o nosso modo de vida será ainda mais afetado”
Confira o documento:
Carta do povo Munduruku contra os Portos no Tapajós
Nós, povo Munduruku do Médio Tapajós, denunciamos mais uma vez as destruições que Governo e empresas estão trazendo para o Tapajós. Há mais de 519 anos os pariwat continuam invadindo as nossas terras. Antes chegavam com seus navios, hoje chegam com barcaças de soja.
Mas as marcas dos povos indígenas e dos ribeirinhos estão por toda a Amazônia. Por isso aqui tem Terra Preta (Katõ), tem árvores, plantas e animais de todo tipo. As marcas de Karosakaybu e os desenhos de Muraycoko mostram que somos os antigos dessa terra.
Os pariwat fizeram leis para reconhecer nossa história, nossa relação com o território, nosso modo de vida diferente do deles. Para quê existem essas leis? Constituição Federal, Convenção 169. Fizemos um Protocolo de Consulta e entregamos ao Governo, mas nós indígenas, os ribeirinhos e pescadores nunca fomos consultados.
Já instalaram seis portos ao redor de nosso rio Tapajós e nunca vieram nos dizer como seríamos impactados. Nós já estamos sendo afetados com tantas barcas enormes passando pelas nossas aldeias, não conseguimos mais pescar perto de casa, temos que ir cada vez mais longe para conseguir alimentar os nossos filhos. Estamos até proibidos de pescar perto de onde estão os portos, ou de atravessar para o outro lado do rio.
São seis empresas que estão afetando a vida de centenas de pessoas. E com a construção de mais portos o nosso modo de vida será ainda mais afetado. Sabemos também que essas obras geram especulação da terra, grilagem e ainda mais invasão para o nosso território. E junto com isso vem as drogas, a violência, a prostituição: mais conflito ameaçando a nossa vida e o futuro dos nossos filhos.
Querem construir 22 portos no tapajós. Como ficará a vida dos ribeirinhos, pescadores e indígenas depois que todos esses grandes empreendimentos começarem a funcionar?
Estamos denunciando a SEMAS (Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade), que está concedendo licença para toda essa destruição. Denunciamos também a empresa Rio Tapajós Logística, que quer implantar o projeto Estação de Transbordo de Cargas (ETC) sem respeitar o nosso protocolo de consulta. Exigimos que qualquer consulta seja conforme o nosso protocolo. E que parem de mentir dizendo que aqui não existe índios: estamos aqui sim.
Nós queremos que as empresas dos portos e os projetos de morte saiam do nosso território e nos deixem em paz, para trabalhar nas nossas roças, pescar nosso peixe, contar nossas histórias e construir nosso plano de vida. Não admitimos que a nossa vida e a saúde dos nossos filhos sejam trocadas por soja para alimentar os porcos e encher os bolsos dos empresários brasileiros e estrangeiros.
Nós estamos aqui para dizer que não vamos aceitar isso e não vamos sair do nosso território. Somos um povo guerreiro e vamos continuar lutando pelo nosso rio!
Sawe!
Itaituba, 02 de julho de 2019