03/04/2019

Demarcação da TI Dourados Amambai Peguá I deve ser retomada e concluída pela Funai, determina TRF-3

Lideranças da Aty Guasu, a Grande Assembleia Guarani e Kaiowá, pronunciaram a opinião de que agora esperam pela conclusão do procedimento demarcatório

A comunidade de Guapo'y mobilizou-se para resistir à reintegração. Foto: Tiago Miotto/Cimi

O STF suspendeu, em abril de 2016, uma reintegração de posse da fazenda Santa Maria contra o tekoha Guapo’y, TI Dourados Amambai Peguá I. Crédito da foto: Tiago Miotto/Cimi

Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

O Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região restabeleceu o procedimento demarcatório da Terra Indígena Dourados Amambai Peguá I, do povo Guarani e Kaiowá. Para o desembargador Valdeci Santos, tratou-se de uma “providência prematura” da Justiça Federal de Dourados ao anular a demarcação antes de sua conclusão.

A Fundação Nacional do Índio (Funai) entrou com um agravo de instrumento no TRF-3 contra a ação deferida pela Justiça Federal proposta por Antônio Carlos Gimenes Bertiplagia, apresentado como proprietário da Fazenda Santo Antônio, município de Caarapó, cuja área incide sobre um dos tekoha – lugar onde se é – que compõe o Peguá I.

O desembargador argumenta, em seu provimento ao agravo da Funai, que o procedimento de demarcação foi interrompido em fase de análise de contestações ao Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID), ou seja, “o procedimento em questão encontra-se pendente de finalização”.

Para o magistrado: “visto que o constituinte designou o Poder Executivo a promover o reconhecimento e demarcação das terras indígenas, não cabendo ao Poder Judiciário, nesse momento, intervir na questão, sob pena de suprimir competência constitucional insculpida”.

Lideranças da Aty Guasu, a Grande Assembleia Guarani e Kaiowá, pronunciaram a opinião de que agora esperam pela conclusão do procedimento demarcatório, que vem se arrastando ao menos desde 2004 e passou por acordos com o governo e inúmeras reintegrações de posse, assassinatos de lideranças políticas do povo e sofrimento.

Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), celebrado em 2007 pelo Ministério Público Federal (MPF), governo federal e o povo Guarani e Kaiowá, contextualiza a referência de acordos feita pela Aty Guasu – cenário em que a Dourados Amambai Peguá I está inscrita com sua delimitação na bacia do Rio Dourados, entre os municípios de Caarapó, Laguna, Amambai e Naviraí.

São nove aldeias consolidadas na Dourados Amambai Peguá. “Podemos dizer que há, dentro deste Peguá, dezenas de outros pontos originários além destes nove. Não é possível precisar com exatidão, mas algo perto de 50 podendo chegar a 100”, estima Matias Benno, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Mato Grosso do Sul.

Uma das aldeias consolidadas é o tekoha – lugar onde se é – Guapo’y. Em agosto do ano passado, os Guarani e Kaiowá sofreram um ataque de forças policiais que utilizou até um helicóptero na operação. Um ancião chegou a ser detido. Meses antes, em abril, reintegração de posse contra o Guapo’y foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF) momentos antes da polícia cumprir o despejo.

O quadro de violações e tentativas de despejo é comum nos demais tekoha do Dourados Amambai Peguá I. Um dos episódios de mais visibilidade envolvendo a demarcação é o chamado Massacre de Caarapó, quando na retomada Kunumi Poty Verá Clodiodi Guarani e Kaiowá foi assassinado em 14 de junho de 2016.

Outros nove Peguá organizam a demanda territorial Guarani e Kaiowá pelo centro-sul do Mato Grosso do Sul: Brilhante Peguá; Apa Peguá; Dourados Amambai Peguá II; Dourados Peguá; Amambai Peguá; Iguatemi Peguá I; Iguatemi Peguá II; Iguatemi Peguá III e Ñandeva Peguá.

Peguás: caminhos pelo centro-sul do MS

O antropólogo Diógenes Cariaga explica que a metodologia dos Peguás foi elaborada a partir de discussões antropológicas, históricas e jurídicas “sobre a ocupação, mobilidade e territorialidade Kaiowá e Guarani ao longo dessas bacias que articulam uma série de caminhos pelo centro-sul do MS, divisa com o Paraguai”.

Tais discussões, ressalta Cariaga, ocorreram à luz do que a Constituição Federal de 1988 define como terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas, além da Portaria 14, e quais itens compõem o relatório. “Também a partir de como os Kaiowá e Guarani concebem a relação deles com o território”, diz.

As terras demarcadas antes de 1988 pelo antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e Funai não correspondiam ao modelo Guarani de ocupação e à Constituição promulgada. “A questão é pensar em como essa metodologia busca um diálogo mais próximo com aquilo que eles (Kaiowá e Guarani) chamam de território”, completa.

Esta ocupação está fartamente documentada, comenta Cariaga. “O centro-sul do MS passa a ter ocupação não indígena quando o Império o concede para uma empresa argentina, a Mate Laranjeira, que detém o monopólio até 1942. Faziam uso do trabalho dos indígenas nos ervais e no processo de produção do mate”.

A maior parte das terras demarcadas pelo SPI, a partir de 1910, como as aldeias de Amambai e Caarapó, estavam próximas às regiões que tinham invernadas ou ranchos de indígenas, ou seja, próximo de aldeias antigas. A Mate Laranjeira erguia interpostos comerciais perto dos locais de moradias dos indígenas.

Conforme Cariaga, uma diferença é fundamental da Mate Laranjeira para o tipo de colonização posterior está no fato de que os Kaiowá e Guarani não eram expulsos das terras, ou seja, viviam nelas, mas trabalhando para a empresa. Depois de 1942, por intervenção do estado, se intensifica o processo de privatização das terras consideradas devolutas.

Integração e expulsões

O SPI tinha a intenção de integrar os indígenas à sociedade como trabalhadores para “que desaparecessem liberando as terras”. Colonos do sul são incentivados a irem para a região ocupar estas terras liberadas pelo SPI. Índios que se recusaram a viver nas reservas ficaram nas propriedades sobrepostas às suas antigas casas.

A maneira encontrada pelos indígenas para permanecer nas terras tomadas sofreu uma reviravolta anos mais tarde. “Nos anos 70 a monocultura provoca o deslocamento das famílias. Neste período, o da ditadura militar, houve uma força intensa de tirar os indígenas das fazendas e levar para as reservas”, lembra Cariaga.

Conforme levantamento da Comissão Nacional da Verdade Indígena, “a Funai deslocou toda uma parentela, uma família extensa, para a terra indígena dos Kadiwéu, que quando retornou foi responsável pela primeira retomada em aldeia dentro do Peguá”. São demandas territoriais registradas desde os anos 70 e 80.

Nos anos 90, as necessidades territoriais levam os indígenas às retomadas e à irreversível luta pela terra. “O acúmulo político dos Kaiowá e Guarani com todos estes anos, passando pelas reuniões da Aty Guasu, principal organização política e social do povo, faz com que agora se cobre do Estado o reconhecimento de suas terras”, encerra Cariaga.

Fonte: Assessoria de Comunicação - Cimi
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