29/03/2019

Conselho de Direitos Humanos da ONU conclui 40a Sessão Ordinária

Delegação brasileira apresenta narrativa à comunidade internacional em descompasso com a realidade dos povos indígenas

Avanilson Karajá, durante discurso na ONU, em Genebra. Foto: reprodução

Avanilson Karajá, durante discurso na ONU, em Genebra. Foto: reprodução

 

Resumo

Delegação brasileira apresenta narrativa à comunidade internacional em descompasso com a realidade dos povos indígenas. Duas lideranças indígenas discursaram no Conselho contrapondo a narrativa oficial. Ameaça de execução do Cacique Babau e agravamento da situação dos povos indígenas no Brasil é denunciada em evento paralelo co-patrocinado pelo CIMI. Líderes indígenas encontram com Alta Comissária para os Direitos Humanos.

 

Por Paulo Lugon Arantes, representante do Cimi em Genebra

O Conselho de Direitos Humanos da ONU concluiu na sexta-feira, 22 de março, sua 40a sessão ordinária, a mais longa do ano devido ao Seguimento de Alto Nível que ocorre em toda sessão de março. Chefiando a delegação brasileira, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, fez um pronunciamento dando destaque aos povos indígenas. Para a comunidade internacional, a presença da ministra em um foro de direitos humanos pode ter significado um reafirmação do compromisso internacional do Brasil com a proteção dos povos indígenas. Contudo, para interlocutores internacionais que têm um acesso razoável a informações sobre a situação no terreno, tal narrativa não se sustenta.

Durante o diálogo interativo com o Relator Especial sobre Direitos Humanos e Meio Ambiente, David Boyd, no dia 4 de março, o líder indígena Avanilson Karajá, em seu discurso, aduziu que, os povos indígenas não são apenas vítimas de desequilíbrios ambientais, em específico a poluição atmosférica, mas também são agentes de mudança, tendo um papel ativo no cumprimento das Metas da Agenda 2030. A argumentação de Avanilson foi acolhida pelo Relator, em sua réplica às manifestações dos diversos atores internacionais que participaram do diálogo interativo.

Karajá afirmou que “ao contrário do que a ministra Damares afirmou neste Conselho, o discurso de ódio e o desprezo do governo pelos povos indígenas resultou na morte de nossos líderes, invasão de nossos territórios, o fim das demarcações e uma violenta política integracionista, colonial e racista. Aduziu também que a Funai foi desmantelada de propósito, porque o licenciamento ambiental, as demarcações e as políticas de consultas com os povos indígenas são considerados obstáculos pela política econômica do atual governo. “O mais perverso é o incentivo ao arrendamento de nossas terras, uma prática ilegal que visa a disponibilizar as terras ao mercado, às custas de nossa tradicionalidade”, marcou Adilson em sua fala. Também solicitou uma visita do relator ao Brasil.

No dia 5 de março, Avanilson Karajá participou do diálogo com a Alta Comissária para os Direitos Humanos e a sociedade civil. Avanilson pediu à Michelle Bachelet que redobre a atenção de seu escritório ante o recrudescimento da violência contra os povos indígenas no Brasil.

No dia 12 de março, o Cimi ajudou a construir o evento “The situation of Human Rights in Brazil”, juntamente com a ABGLT, Artigo 19 Brasil, Conectas, Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, Terra de Direitos. O evento teve como objetivo expor à comunidade internacional a real situação dos direitos humanos no Brasil após o novo governo de Jair Bolsonaro. A situação dos povos indígenas foi retratada por Célia Tupinambá, que também denunciou o plano para executar seu irmão, o cacique Babau, na região do Sul da Bahia. Célia relatou que, na sua região, está sendo prometido um prêmio de 60 mil reais pela execução de líderes indígenas e seus familiares.

Célia concordou com Avanilson Karajá que o discurso de ódio propagado pelo mais alto escalão do poder tem um efeito violento no terreno, através de várias ameaças contra os povos indígenas. Célia criticou a municipalização da saúde indígena. Além de uma vida digna, Célia propugnou pelo direito de uma morte digna, de acordo com as tradições e os costumes tupinambá. Também explicou que a principal luta do seu povo é tão somente pelo uso sustentável do território Tupinambá, sob ameaça por parte de fazendeiros e políticos locais, em um contexto de invasão do respectivo território indígena.

Célia Tupinambá também discursou durante o Debate Geral do Item 4 (situação de países), no dia 13 de março, denunciando na plenária do Conselho de Direitos Humanos que as decisões importantes que afetam os direitos dos povos indígenas do Brasil têm sido tomadas por uma ala radical do governo dirigida pelos interesses do agronegócio, da indústria minerária e de milícias que se apropriam do Estado em seus diversos níveis. Célia também denunciou “a violência que as mulheres indígenas estão sofrendo ao longo do tempo, como as atrocidades por parte do Estado brasileiro como forma de retaliação contra a luta das mulheres indígenas pela proteção de seus territórios e que colocam as suas vidas em perigo na linha de frente, na constante militância em defesa dos seus direitos.”

Em reunião com a Alta Comissária, Michelle Bachelet, e com outras organizações da sociedade civil brasileira, Célia ratificou as denúncias feitas durante o evento paralelo e na plenária do Conselho de Direitos Humanos, pedindo reforços, por parte do Alto Comissariado, no monitoramento da situação da questão Tupinambá e dos povos indígenas do Brasil.

Fonte: Conselho Indigenista Missionário (Cimi)
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