04/02/2019

Por acesso à Justiça, delegação da TI Morro dos Cavalos está em Brasília para julgamento de recurso no STF

A comunidade Guarani Mbya e Nhandeva reivindica o direito de ser parte no processo da ACO 2323, onde o Estado de Santa Catarina pede a nulidade da Portaria Declaratória da TI Morro dos Cavalos

“A ACO trata de Portaria Declaratória da nossa Terra Indígena. É a nossa casa, lugar onde vivemos, onde nós somos”, diz Eunice Kerexu Guarani Mbya. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

A igualdade de acesso à Justiça entre indígenas e não-indígenas, em ações que tramitam nos tribunais brasileiros, está na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF). Poderá ser julgado nesta quarta-feira, 6, um recurso, chamado de agravo regimental, reivindicando o direito da comunidade Guarani Mbya e Nhandeva de ser parte no processo da Ação Cível Originária (ACO) 2323. Nesta ACO, o Estado de Santa Catarina pede a nulidade, sob o argumento do Marco Temporal, da Portaria Declaratória da Terra Indígena Morro dos Cavalos, localizada no município de Palhoça.

Em decisão anterior, o ministro Alexandre de Moraes restringiu a comunidade Guarani à assistente simples no processo. No entendimento de Moares, os Guarani serão afetados apenas indiretamente pelo resultado da ação. O corpo jurídico dos indígenas recorreu, através de um agravo regimental, argumentando que, ao contrário, a ACO 2323 afeta diretamente a comunidade, pois versa sobre o direito à terra, sendo ela, portanto, litisconsorte necessário, fenômeno do direito processual civil que consiste na pluralidade de partes em um processo judicial.

“A ACO trata de Portaria Declaratória da nossa Terra Indígena. É a nossa casa, lugar onde vivemos, onde nós somos. Como não nos afeta diretamente? Como o STF pode julgar se a Portaria Declaratória é nula ou não sem nos ouvir, sem os principais afetados fazerem parte do processo? Reivindicamos um direito nosso”, declara Eunice Kerexu Antunes Guarani Mbya. De acordo com o voto de Moraes, os índios têm apenas “interesse reflexo” e que por isso não é necessário recebê-los como litisconsorte necessário.

“Está em jogo não o mérito da ACO, o marco temporal ou o indigenato, ao menos por enquanto, mas o direito da comunidade indígena de ser parte do processo que a afeta diretamente”, explica advogado da comunidade

Caso a Corte Suprema vote pela nulidade da Portaria Declaratória, o direito à terra dos indígenas de Morro dos Cavalos estará comprometido e a comunidade em completa insegurança jurídica. Na opinião do advogado Eloy Terena, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em artigo publicado nesta segunda-feira, 4, o entendimento do ministro Moraes associa-se à tutela. “Para se garantir o acesso à Justiça aos povos indígenas, é fundamental romper com os paradigmas tutelares, que se baseiam na relação colonial para subjugar os povos indígenas. Esse tipo de distorção justifica, de maneira absurda, a dominação e a cooptação dos indígenas pelos agentes estatais”, diz o advogado Terena.

Para um dos advogados responsáveis pelo caso, Rafael Modesto dos Santos, integrante da Assessoria Jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), casos como o das terras indígenas Limão Verde (Terena) e Guyraroka (Guarani Kaiowá), ambas no Mato Grosso do Sul, também resvalam nesse argumento da tutela no âmbito do STF. “Está em jogo não o mérito da ACO, o marco temporal ou o indigenato, ao menos por enquanto, mas o direito da comunidade indígena de ser parte do processo que a afeta diretamente. Se trata de um direito presente na Constituição. Estamos tratando de igualdade processual dos índios para os não-índios na Justiça brasileira. É uma matéria que já foi tratada no caso Raposa Serra do Sol, mas é nova”, explica Modesto dos Santos.

Um caso encerrado pela Corte Suprema, em setembro de 2017, demonstra na prática a demanda dos povos indígenas. Alegando prejuízo ao seu negócio lucrativo de bobinas de papel, uma das empresas do grupo Ypióca, que usava águas localizadas em terra tradicional demarcada, lutou na Justiça Federal pela anulação da Portaria Declaratória da Terra Indígena Lagoa da Encantada, localizada no município de Aquiraz (CE). Perdeu em todas as instâncias até a derrota definitiva no Supremo Tribunal Federal (STF), em 5 de setembro de 2017. Os indígenas do povo Jenipapo Kanindé não tomaram conhecimento do julgamento.

“Assustou quando informaram pra gente que tínhamos vencido. Vencido o quê, meu Deus do céu? E se tivéssemos perdido, como ficaria? Os Encantados cuidaram, só por eles mesmo. Não há mais nada que impeça a homologação e a retirada dos posseiros. A Lagoa da Encantada e suas águas também estão protegidas, mas o certo seria termos ficado sabendo do que estava acontecendo para a Justiça nos ouvir. A Funai não tutela mais a gente, temos até indígenas formados em advogado aqui na comunidade”, explica a cacique Pequena Jenipapo Kanindé.

Situação do processo

O recurso da comunidade Guarani Mbya e Nhandeva da TI Morro dos Cavalos estava no Plenário Virtual do STF. Nesta modalidade os ministros têm uma semana para a publicação do voto sem a necessidade de discussão na Corte. O ministro Edson Fachin, no entanto, pediu destaque. Quando algum ministro pede destaque no Plenário Virtual, a matéria deve ser julgada durante sessão presencial da Corte Suprema. Para quarta, dia 6, este processo não tem prioridade, mas o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, pode levá-lo à Corte.

Uma delegação de indígenas Guarani Mbya está em Brasília para acompanhar a sessão desta quarta. “No período da tarde fomos até o STF para sensibilizar os ministros sobre a necessidade de sermos incluídos no processo da nossa Terra Indígena. Esperamos e rezamos para Nhanderu que eles entendam que lá é o nosso tekoha, o lugar tradicional para a gente existir”, diz Ademilson Moreira Guarani Mbya, coordenador da Comissão Nhemongueta.

Fonte: Assessoria de Comunicação - Cimi
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