20/09/2018

Jovens indígenas das Serras/TI Raposa Serra do Sol reafirmam luta e resistência para garantir direitos originários ameaçados

Diversas comunidades indígenas em Roraima elaboraram seus regimentos internos e algumas, já utilizam como mecanismo de aplicação das leis, ou normas indígenas, para solução de conflitos internos.

Foto: J.Filho

Abertura do Encontro na Região Serras/TI Raposa Serra do Sol. Foto: J.Filho

Por Mayra Wapichana, Ascom CIR

Em tempos de fortes ataques aos direitos indígenas principalmente territoriais, mais de 500 jovens indígenas da região Serras, uma das etnoregiões da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, estiveram reunidos no IV Encontro da Pastoral da Juventude Indígena com o tema “Direito Indígena e Meio Ambiente”. O encontro foi realizado nos últimos dias, 12, 13 e 14 de setembro, na comunidade indígena Morro, uma população de 490 indígenas e umas das comunidades indígenas serranas que inspiram luta, resistência e conquista dos povos indígenas da Raposa Serra do Sol.

Com tantos jovens indígenas reunidos, atentos com caneta e papel na mão, sobretudo com a força tradicional, cantos, danças, pinturas e outras expressões culturais, dispostos a debater temáticas importantes como direito indígena, meio ambiente, fortalecimento da juventude, autonomia, organização social, política partidária e outros instrumentos de luta, é a reafirmação de que os povos indígenas da Raposa Serra do Sol continuam na resistência, mesmo diante de ataques constantes, vindo de forças contrárias que insistem em lutar contra os direitos originários dos povos indígenas não só da Raposa Serra do Sol, mas de Roraima e do Brasil.

Foto: J.Filho

Jovens indígenas Macuxi trajados durante as apresentações culturais. Foto: J.Filho

Jovens indígenas, estudantes, mulheres, lideranças indígenas e até crianças fizeram parte do debate coletivo durante os três dias. Dias de aula específica e diferenciada, de cidadania e política, dias para aprimorar os conhecimentos sobre os direitos originários, relação entre os povos indígenas e o Estado brasileiro, de informação e esclarecimento sobre as ameaças, retrocessos e riscos contra a vida dos povos indígenas e toda sua geração, e também dias para fortalecer a luta, que já é histórica.

Para contribuir com o debate, os jovens indígenas contaram com a importante presença de parceiros, aliados e de jovens indígenas empenhados na defesa dos direitos indígenas, como Cleber Buzzato, secretário nacional do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Luís Ventura, coordenador regional do CIMI Norte I, Ivo Cípio, advogado indígena, Junior Nicacio, assistente jurídico, Alcebias Mota Constantino, coordenador estadual da Juventude Indígena e Edinho Batista, vice coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR).

Foto: J.Filho

Atentos, os jovens aprendiam mais sobre direitos indígenas. Foto: J.Filho

Houve também a presença dos Missionários da Consolata, presença que fortalece uma parceria que é histórica em Roraima, além de membros da Rede Eclesial Pana-Amazônica(REPAM), que contribuíram na formação jovens indígenas.

CIMI alerta para os perigos contra os direitos dos povos indígenas

Cleber Buzzato trouxe para o contexto local informações nacionais atualizadas sobre as mais de 100 preposições anti-indígenas que tramitam no Congresso Nacional e que ameaçam os direitos dos povos indígenas, além das ameaças assinadas pelo próprio Executivo.

Foto: Mayra Wapichana

Secretário Nacional do CIMI, Cleber Buzzato, alertou para os perigos aos direitos indígenas. Foto: Mayra Wapichana

Entre as principais, destacou o Parecer 001/17 da Advocacia Geral da União, o “parecer da morte”, como é considerado pelos povos indígenas, assinado pelo presidente da República Michel Temer, Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, o Projeto de Lei 1610/96 de autoria do Senador Romero Jucá que visa autorizar a mineração em terras indígenas, o Projeto de Lei de 2540/006 de autoria do ex-senador Mozarildo Cavalcante que busca autorizar a construção de hidrelétrica na Cachoeira do Tamanduá, na região do rio Cotingo, além da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), instalada pela bancada ruralista contra a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e que, consequentemente, criminalizou lideranças indígenas, antropólogos e demais defensores da causa indígena.

Também alertou para o período eleitoral em curso, onde os mesmos parlamentares candidatos à reeleição estão, hoje, nas comunidades indígenas querendo conquistar voto para permanecerem no poder e avançar na aprovação das leis que são contra os direitos indígenas. A ousadia é grande por parte dos políticos, os mesmos que são declarados anti-indígenas, da bancada ruralista e ligados ao agronegócio, que invadem novamente as comunidades indígenas, sem respeitar as decisões coletivas pela indicação de candidatos indígenas aos cargos, Estadual, Federal e até Senado.

A ocasião foi também de conhecer sobre a luta histórica desde a invasão do Brasil há 518 anos, de como os povos indígenas conseguiram resistir ao extermínio físico, cultural e social e de como, resistem até os dias atuais. A conquista de dois únicos artigos, o 231 e 232, garantidos na Constituição Federal Brasileira de 1988, foram primordiais para que os povos indígenas reafirmassem a sua existência em um país que se diz democrático, mas que a cada tentativa de retrocesso de direitos indígenas, direitos humanos, essa democracia chega longe da realidade indígena.

Conhecer que dos 3 milhões restaram somente 305 povos indígenas e 274 línguas diferentes no Brasil, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), inspira aos jovens indígenas mais força e coragem de continuar lutando pela existência desses povos, entre os quais, Macuxi, Wapichana, Taurepang, Patamona e Ingaricó, povos indígenas da Raposa Serra do Sol que são exemplo de resistência indígena no Brasil.

“A conquista de dois únicos artigos, o 231 e 232, garantidos na Constituição Federal Brasileira de 1988, foram primordiais para que os povos indígenas reafirmassem a sua existência em um país que se diz democrático”.

Entre os diversos alertas apresentados por Buzzato, um dos principais e que, hoje, se revelam como objetivos de toda aliança política no Congresso Nacional e até no Poder Judiciário, contra os direitos dos povos indígenas, citou a “paralisação de todas as demarcações das terras indígenas no Brasil e a invasão, exploração dos territórios já demarcados”. Um cenário preocupante e que deixa os povos indígenas em alerta principalmente no período eleitoral, onde a maioria dos políticos que compõe a bancada ruralista, o agronegócio e outros que possuem interesses nas terras indígenas, pleiteiam à reeleição ou saem pela primeira vez.

O coordenador regional do CIMI Norte I, que atua nos estados do Amazonas e Roraima, Luis Ventura, reforçou o debate pontuando questões graves em Roraima, o avanço do garimpo ilegal na terra indígena Yanomami e como facilitador desse avanço, a desativação da base de proteção da FUNAI na região Yanomami. Já existe uma exigência por parte do Ministério Publico Federal (MPF) para reativação, mas até o momento nenhuma providência foi tomada pelo governo federal.

Alertou para os mais de 100 pedidos de mineração em Roraima, de acordo com dados do Departamento Nacional de Mineração. A TI Raposa Serra do Sol é a mais cobiçada entre as terras indígenas em Roraima, assim como terras indígenas na região Amajari e Sucuba, no Tabaio, onde o pedido é de 100%.

Nos casos territoriais mais recentes, tem o caso da comunidade indígena Anzol, na terra indígena Serra da Moça, região do Murupu que reivindica o reconhecimento e demarcação, além do Arapauá, na região do Tabaio. São alguns dos casos que receberam um procedimento inadequado e foram excluídos da demarcação das terras indígenas em ilhas, na década de 80.

Outro ponto trata-se da passagem do Linhão de Tucuruí pela terra indígena Waimi-Atroari, onde há uma pressão política forte para que o caso seja resolvido, sem os devidos procedimentos de consulta, conforme garantido na Constituição e Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A bancada parlamentar de Roraima se une para conseguir a todo custo passar o linhão Tucuruí, sem ouvir o povo Waimiri-Atroari.

Além disso, ainda há o processo de construção da Hidrelétrica de Bem Querer, que poderá afetar 9 terras indígenas, conforme dados do Governo Federal, além de criar um imenso lado no rio Branco, patrimônio histórico do Estado.

“A juventude tem à frente um grande desafio que é garantir os direitos indígenas principalmente territoriais conquistados pelas lideranças indígenas, conquistas que não foram fáceis”.

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Memória do caso Aldo da Silva Mota, Macuxi, morto em 2003 é ilustrado no encontro. Foto: J.Filho

Como se não bastasse tantas ameaças no legislativo, no executivo não é diferente. As imposições políticas na Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), fragilidades e sucateamento do único órgão indigenista a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que não dispõe de recurso suficiente para atuar em defesa dos direitos dos povos indígenas, porém, é um órgão que é usado como gabinete de parlamentares, como é o caso da Coordenação Regional de Roraima, onde mantem nomeado, Armando Neto, coordenador regional e genro do deputado Federal Édio Lopes.

Contudo, a juventude tem à frente um grande desafio que é garantir os direitos indígenas principalmente territoriais conquistados pelas lideranças indígenas, conquistas que não foram fáceis. São 21 mortes de lideranças, entre eles, o líder Aldo Mota Macuxi, um caso ainda está impune pela justiça brasileira, destruição de comunidades indígenas, ataques de pistoleiros e umas das destruições que até hoje deixa marcas profundas, inclusive em jovens indígenas, a destruição do Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol (CIFCRSS), ocorrido em setembro de 2005, logo após a homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol.

O empoderamento dos jovens para garantir direitos indígenas

Foto: J.Filho

Formação de jovens lideranças indígenas para continuar a luta. Foto: J.Filho

Mas é possível respirar com a nova geração que se mostra cada vez mais empenhada, disposta a resistir e a ajudar suas lideranças indígenas, que também permanecem na luta. O jovem advogado indígena, Ivo Cípio, 28 anos, do povo Macuxi, recém-formado, inspira a esperança de uma geração que busca formação superior para defender a causa, defender os direitos indígenas, como ele sempre expressa.

Atuando na assessoria jurídica do Conselho Indígena de Roraima (CIR), há dois meses, Ivo, falante da língua Macuxi, depois de contar um pouco a sua história de vida, fez uma convocação aos jovens indígenas serranos. A convocação de “fortalecer o movimento da juventude indígena”, principalmente, no cenário político, onde a força da juventude será o diferencial no pleito 2018.

Da mesma forma, Junior Nicacio, do povo Wapichana, que já tem uma trajetória de experiência na assessoria jurídica do CIR, também fortaleceu o processo de formação, de trocas de conhecimento e experiência dos jovens. Como um dos primeiros jovens que iniciou o movimento da juventude indígena em Roraima, aluno do Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol (CIFCRSS), Junior acredita que uma das formas de fortalecer o movimento da juventude e o movimento indígena, é necessário fortalecer a organização social da comunidade indígena.

Um dos caminhos é a construção dos regimentos internos, instrumento de autonomia das comunidades indígenas, conforme garantidos na Constituição Federal Brasileira. Diversas comunidades indígenas em Roraima elaboraram seus regimentos internos e algumas, já utilizam como mecanismo de aplicação das leis, ou normas indígenas, para solução de conflitos internos.

“Precisamos dar uma resposta positiva. Já chega de tanta opressão e humilhação”.

Alcebias Mota Constantino, à frente da coordenação estadual da juventude indígena há quatro meses, filho das lideranças indígenas, Alcides Constantino e pajé Mariana Lima, morador da comunidade indígena Barro, local marcado pelo conflito territorial, reforça que a juventude precisa resistir e não deixar que aconteça novas invasões, ou que as invasões avancem nos territórios já conquistados. Alertou para o pleito eleitoral e pediu consciência da juventude indígena, principalmente, aos que irão às urnas pela primeira vez, para que reflitam nas decisões coletivas.

Reforçou o pedido de outros povos indígenas, que sofrem as consequências de parlamentares eleitos em Roraima. “Os parentes de outros estados esperam a nossa resposta, juventude. Precisamos dar uma resposta positiva. Já chega de tanta opressão e humilhação”, pediu Alcebias, emocionado, lembrando-se de um pedido feito a ele no I Encontro dos Povos na Floresta.

Política partidária como instrumento de embate político e de representatividade indígena

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No primeiro dia, os jovens receberam os candidatos indígenas, indicados na Assembleia Geral dos Povos Indígenas de Roraima. Foto: J.Filho

Para o vice coordenador do CIR, Edinho Batista de Souza, apontou que a “nova geração é que irá se empoderar da luta para proteger os direitos indígenas”, porque o cenário é de grandes retrocessos dos direitos indígenas, onde os direitos territoriais estão sendo retalhados, a Carta Magna do país que garante os artigos 231 e 232 está sendo rasgada.

Sobre o cenário da política partidária, Edinho se lembrou das propagadas partidárias que tem sido feito com a liberação de Emendas parlamentares, por exemplo, a Emenda para aquisição gado, recurso implementado pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI). “Emenda parlamentar é um direito nosso, e obrigação do parlamentar”, esclareceu Edinho sobre as emendas que tem sido utilizada como propagada política de candidatos à reeleição.

Souza apontou que, apesar da questão política não resolver as questões indígenas, mas é “um instrumento fundamental para o embate político”. Por outro lado, “a união é a base das conquistas que os povos indígenas já tem”, concluiu Edinho, em uma perspectiva positiva de que esse ano, os povos indígenas de Roraima irão fazer a diferença no cenário político brasileiro.

Formar e fortalecer o jovem como liderança indígena

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Mais de 500 jovens indígenas participaram do IV Encontro. Foto: J.Filho

O IV Encontro, uma realização dos jovens indígenas da região das Serras por meio da coordenação da pastoral da Juventude, teve como principal objetivo, segundo a coordenadora regional, Doralice Pereira, do povo Macuxi, a formação dos jovens na caminhada como lideranças indígenas. “O nosso principal objetivo é a formação dos jovens na caminhada como lideranças, porque aqui, nós, valorizamos o jovem como liderança e o tema, direitos indígenas, estamos acompanhando que os nossos direitos estão sendo violados de todas as formas e corremos o risco de perder as nossas terras já demarcadas”, explicou Doralice, preocupada com atual cenário, mas também proporcionando aos jovens indígenas informações importantes sobre os direitos indígenas.

Sobre a política partidária, apesar de ser um tema novo para a juventude, principalmente, aos que irá votar pela primeira vez, Doralice afirmou que os jovens seguirão a decisão das assembleias indígenas, pois o foco é ter representantes indígenas que defendam a causa, os direitos e levar a voz do povo indígena. “O nosso objetivo é fazer com que tenha alguém dentro desse órgão, que possa nos representar e levar os nossos anseios, gritos de socorro”, afirmou Pereira, com a clareza de que, dentro do meio confuso da política, como ela cita, a maioria dos políticos são anti indígenas, então será a vez da juventude modificar essa história e levar para dentro, representantes que sejam de luta e de caminhada, concluiu Doralice, em uma expectativa boa para as candidaturas indígenas, principalmente, para o pleito Federal.

O próximo encontro na terra indígena Raposa Serra do Sol, será da juventude indígena da região Surumu, nos dias 21, 22 e 23 de setembro, no Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol, comunidade indígena Barro, região Surumu.

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