27/09/2018

A luta institucional dos povos e a participação indígena no pleito eleitoral

Passados 30 anos da promulgação da Constituição Cidadã, encontramos um Poder Legislativo dominado pelas forças do capital. Hoje, a articulação indígenas luta pela ocupação de espaços institucionais na defesa de uma verdadeira reforma do sistema político.

Por Paulino Montejo – Historiador e assessor político da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)

Em uma rápida leitura sobre o atual momento político, ao levar em conta o processo eleitoral de 2018, constata-se o óbvio: a democracia brasileira, nas suas distintas dimensões, mais especificamente no relacionado aos mecanismos de representação, não conseguiu se consolidar em plenitude mesmo depois de 30 anos da promulgação da Constituição Federal. O cenário encontrado três décadas após a constituinte é de uma política partidária distante das pessoas, beirando um total descrédito da população. Na conjuntura do momento, partidos políticos são responsabilizados por crises institucionais e práticas de corrupção, considerados máquinas para assegurar privilégios.

A crise de representatividade política aumentou quando os partidos considerados do campo democrático-popular aparentemente se distanciaram dos ideais que os originaram depois das ditaduras na América Latina, lá nos finais da década dos 80 e inícios da década dos 90. O abismo entre representantes e os movimentos populares ocorreu em diversos países: no México, com o Partido da Revolução Democrática (PRD); no Uruguai, com o Frente Amplio; no Brasil, com o Partido dos Trabalhadores (PT); no Equador, com o Pachakutic; na América Central, com os movimentos revolucionários se tornando partidos políticos uma vez encerrados os conflitos armados internos; e mais recente na Bolívia, com o Movimento al Socialismo (MAS) de Evo Morales. O distanciamento das bases abriu espaço para o patrimonialismo e as forças econômicas que tomaram conta das instâncias de poder e de decisão política. Esse movimento se instaurou de tal forma que o campo de disputa ficou visivelmente reduzido para as forças sociais e populares.

Passados 30 anos a promulgação da Constituição Cidadã encontramos um Poder Legislativo dominado pelas forças do capital.

A cada legislatura que se instaura, os parlamentares conservadores se consolidaram como maioria da Câmara Legislativa, de acordo com pesquisa do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). O Congresso Nacional no último mandato foi dirigido por militares, fundamentalistas religiosos e ruralistas. Essa é a gravidade do quadro parlamentar da 55ª Legislatura (2015-2019) apontado pelo Diap. Segundo a entidade, com informações do seu último levantamento, dos 513 deputados federais, 407 (79%) vão tentar a reeleição. Desses, 75% devem se reeleger, situação que garante continuidade às bancadas ruralista, empresarial, da indústria armamentista, evangélica e certamente a dos cargos hereditários. Ou seja, o perfil conservador do Congresso Nacional continua, com tendência a piorar.

Nesse contexto, como entender a participação indígena no pleito eleitoral?

O interesse dos povos indígenas pela política partidária, conforme Luís Roberto de Paula no estudo “A participação indígena em eleições municipais (1976 a 2016)[1], acontece desde 1976, onde indígenas concorreram para o cargo de vereador em Mato Grosso do Sul. A disputa institucional ganhou expressividade a partir do ano 2.000.

O que motiva as candidaturas indígenas? Indaga-se sobre a origem da decisão de concorrer a uma vaga nos espaços institucionais. Seriam disputas eleitorais ancoradas pela vontade pessoal ou coletiva, do povo ou comunidade? É a percepção de que está na hora de defender os direitos de seu povo absurdamente ameaçados na atual conjuntura?

A certeza diante dos questionamentos é que, institucionalmente, o movimento indígena deu um passo à frente no último ano quando a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) se manifestou publicamente em janeiro de 2017 sobre a urgência de disputas eleitorais com a carta “Por um Parlamento cada vez mais indígena”. Em nota, a articulação apontou a “ausência de legítimos representantes dos povos indígenas”, principalmente no Congresso Nacional. O quadro, segundo a APIB, “dá margem para a forte agenda reacionária, fundamentalista e de interesse dos grupos econômicos, com destaque para a bancada ruralista, que historicamente atuam como inimigos dos Povos Indígenas”.

Lorrã Tuxá durante protesto pela garantia do Bolsa Permanência, em Brasília (DF). Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

Eleições de 2018

A APIB, em documento e através das organizações indígenas e dos povos com suas constantes mobilizações, avança significativamente na compreensão do contexto e dos desafios colocados, incluindo nas conversas internas com uma perspectiva contra hegemônica, antisistémica, anticapitalista e anti-imperialista. São reflexões cujo bojo estaria se inserindo a candidatura de Sônia Guajajara para a chapa Guilherme Bolous e Sônia Guajajara, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

Porém, a realidade é mais complexa se considerarmos o universo dos partidos políticos através dos quais indígenas se apresentaram como candidatos, seja para deputado estadual ou federal. 

 

Candidatos Indígenas  

Na primeira lista disponível no sítio do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), contabilizam-se 131 homologações de candidatos indígenas. São 75 para deputados estaduais, 39 para deputados federais, sete para suplente de senador, dois para senadores, dois para governador, dois para vice-presidente, um para deputado distrital e um para vice-governador. O TSE leva em conta a auto declaração do candidato.

Os Partidos

PSD (02); PRB (03); PSOL (26); PHS (07); Avante (02) PCdoB (09); PT (14); DC (02); PDT (02); PSC (02); Rede (09); Solidariedade (02); PRTB (05); DEM (01); MDB (03); PSTU (07); PSB (05); PR (01); PPS (02); PV (03); PP (01); PODE (02); PPL (03); PATRI (03); PCB (05); PRP (01); PTC (02); PSL (02); PTB (02); ; PMB (02); PSDB (01)

*Dados conforme acesso no site do TSE em 7 de agosto de 2019

 

Observa-se que PSOL, PT, PCdoB e REDE constituem as principais opções, em razão de que talvez ainda defendam bandeiras convergentes com a agenda ou demandas dos povos indígenas. Nos outros casos, com disputas eleitorais por outros partidos, não sabemos os motivos que levam indígenas a defenderem determinadas bandeiras. Talvez seja a falta de opção de coligação políticas locais no campo que tangem os direitos dos povos indígenas. A constatação inicial pode indicar um já pontuado distanciamento dos partidos que tenham convergências ideológicas com os povos.

É em razão desse cenário que, durante o processo de tramitação da reforma política na Câmara dos deputados, a APIB apresentou, em 16 de maio de 2011, propostas que de cara não passariam pelo crivo do PMDB. No documento, a articulação dos povos pontua a dificuldade dos “partidos políticos, das mais distintas siglas, de lidar com a diferença, as condições e especificidades socioculturais dos povos indígenas”.

O texto apresentado destaca a única participação no cenário parlamentar protagonizada por Mario Juruna, o que direciona um entendimento de que os povos sempre foram deixados à margem da política institucional do país. “Os partidos políticos, das mais distintas siglas, tem em comum a dificuldade de lidar com a diferença, isto é, as condições e especificidades socioculturais dos povos indígenas. Daí a dificuldade de um candidato indígena concorrer em condições de igualdade com os não índios nos cargos de direção e oportunidades eletivas disputadas nos períodos eleitorais”, escreve o documento.

Trecho do Documento:

“É pensando nessa realidade reivindicamos que no processo da Reforma Política, em curso no parlamento, seja considerado o direito dos nossos povos à participação, inclusive sendo estabelecida uma quota que garanta a nossa representatividade… que a reforma política garanta condições para que os povos indígenas trilhem um caminho próprio independentemente das possibilidades de dirigentes indígenas disputarem a oportunidade de serem candidatos e eleitos no âmbito de partidos políticos em que por ventura estiverem filiados… Assegurar que os povos indígenas se representem eles próprios será uma contribuição importante para ir sanando as dívidas sociais e históricas do Estado brasileiro para com estes povos.”

 

De 2011 até então, certamente o movimento indígena acumulou maior entendimento que fica explícito na carta da APIB sobre as eleições de 2018 e que aponta a participação pela via partidária clássica. Contudo, também defende colégios eleitorais diferenciados, com direito à autonomia dos próprios povos de indicarem os seus representantes através de suas instâncias de articulação e mobilização, e que poderia ser num futuro ideal por meio de um Parlamento Indígena.

Diante do cenário desolador de supressão dos direitos indígenas pautado nos distintos poderes do Estado, nada mais coerente que lutar pela ocupação de espaços institucionais e somar com outros movimentos na luta por uma verdadeira reforma do sistema político e não apenas por uma reforma eleitoral. São caminhos para avançar na real democratização do Estado, da democracia e dos mecanismos e espaços de representação. A luta institucional, porém, sempre não será suficiente sem estar respaldada ou andar lado a lado com a luta ideológica e a luta social.

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[1]in:  Resenha & Debate. Nova Série, Laboratório de Pesquisas, Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento – Setor de Etnologia e Etnografia – Departamento de Antropologia – Museu Nacional – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Volume 2, 2017
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