Estivemos representando o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no velório e sepultamento de dona Nivalda Amaral, anciã do povo Tupinambá de Olivença, na região de Ilhéus, sul da Bahia. Dona Nivalda tinha 86 anos e faleceu no último dia 29 de falência múltipla dos órgãos. O velório foi na sua casa na Vila de Olivença. O sol parecia estar mais forte. Os Tupinambá representantes de todas as aldeias de Ilhéus, Una, Buerarema, e até representantes Pataxó Hã-Hã-Hãe da Terra Indígena Caramuru Catarina-Paraguassu, se fizeram presentes para a despedida derradeira neste plano material. Dona Nivalda Tupinambá era uma referência para o movimento indígena e seguirá sendo como Encantada.

A cacique Valdelice Tupinambá, sua filha, além dos demais filhos, netos, sobrinhos, muita juventude ao lado de outros anciãos, também lembraram da partida de Filó, outro guerreiro ancião Tupinambá, e Aloisio Damasio; todos morreram e foram sepultados no mesmo dia. Aloisio foi com dona Nivalda, no início do ano 2000, a São Paulo visitar a Mostra do Redescobrimento. Na ocasião, os Tupinambá causavam alvoroço porque então eram considerados extintos, para a historiografia branca, desde o século 17. Lá ambos vislumbraram um manto Tupinambá de penas vermelhas, que os holandeses tiraram de Pernambuco por volta de 1644 e que atualmente integra o acervo do Nationalmuseet, em Copenhague (Dinamarca). Dona Nivalda, ainda na exposição, afirmava que o manto tinha que ficar no Brasil porque pertencia ao seu povo.

Também orgãos públicos de todas as esferas se juntaram às organizações não-governamentais, estudantes, professores, pastorais e movimentos da Igreja Católica, e aliados em geral da causa indígena, para homenagear Dona Nivalda. Às 10 horas o corpo foi levado em procissão, tendo à frente o Apostolado da Oração, do qual ela fazia parte, para a Igreja Nossa Senhora da Escada, Igreja esta que ela atuou durante muitos anos como integrante do apostolado e ministra da Eucaristia. Dona Nivalda também atuou por muitos anos na Pastoral da Criança.

Com a presença do bispo Diocesano Dom Mauro Montangoli, a igreja foi insuficiente para as pessoas presentes na despedida de dona Nivalda. Dom Mauro presidiu a missa que emocionou a todos, foram suas palavras na homilia: “Dona Nivalda está com o ressuscitado, porque amou os seus irmãos, praticou o bem, lutou pelo seu povo que hoje se orgulha de ser Tupinambá, nos deixa um grande exemplo, para a continuidade da vida e da luta”. Depois da missa, o corpo foi levado ao Centro da Praça de Olivença onde o povo Tupinambá fez a homenagem com um grande Porancin – que seria correlato ao Toré de outros povos do Nordeste.

A insurgência Tupinambá

Até o início de 1990, os Tupinambá eram conhecidos como Caboclos de Olivença e foram obrigados, durante anos, a negar a sua identidade indígena.

Trabalhando pelo Cimi, fomos em 1993 a Olivença e fizemos contato com alguns anciãos que nos indicaram Dona Nivalda para conversar. Na época ela fazia parte da Pastoral da Criança e visitava algumas comunidades para a assistência às crianças. Ela nos falou com emoção do seu trabalho com os irmãos índios na comunidade de Sapucaiera; disse que tinha muitos índios, mas que eles tinham medo de represálias: precisava da nossa ajuda para animá-los. Combinamos então uma ida à Comunidade da Sapucaieira. Na primeira visita não falamos nada do Cimi e da questão indígena.

Foi de fato uma descoberta: a quantidade de indígenas era tão grande quanto a timidez, o isolamento e as condições precárias de sobrevivência; das pequenas roças, dos casebres de pau a pique e do trabalho semi-escravo para os fazendeiros locais, nas plantações de seringa, mamão, piaçava, coco. Mas a animação da Dona Nivalda era admirável. Todos e todas a conheciam e recebiam conselhos, animava à comunidade com os cantos, mas sobretudo com a solidariedade com as mães e as crianças. Na ocasião ela foi à cozinha e nos preparou uma moqueca de jaca. Marcamos uma segunda visita.

Na segunda visita já tocamos nos assuntos indígenas. Fizemos perguntas, apelamos à memória dos mais velhos, ligamos com o presente e iniciamos o diálogo. Para tanto tínhamos que visitar as casas, e talvez articular uma pequena reunião. Só deu para visitar as casas, mas foi importante a iniciativa de algumas pessoas em nos chamar para conversar em segredo, porque era muito perigoso falar do passado. A Dona Nivalda ajudou bastante nesse momento de confiança e de abertura. Veio a terceira visita e conseguimos reunir algumas famílias, que vestiram suas melhores roupas para a reunião.

Dona Nivalda abriu a reunião com cânticos e leituras da bíblia. Depois fizemos uma apresentação, uma pequena linha do tempo, e mostramos as fotos de vários povos – algumas antigas dos Tupinambá. Pedro Brás e Pedrisia surgiram como lideranças naquela região. A luta seguiu nas décadas seguintes até os dias de hoje, onde os Tupinambá fazem a luta pela terra enfrentando o Estado, a elite agrária local, políticos a ela ligados e os pistoleiros. Novas lideranças surgiram, como os caciques Babau e Ramón. Dona Nivalda teve participação destacada em tal articulação para o projeto de futuro do povo Tupinambá.