Comissão de Direitos Humanos da Câmara recebe cerca de 60 indígenas
De espaços de luta a espaços de poder: indígenas de todo o país voltaram a reivindicar a retomada das políticas indigenistas, em especial as demarcações das Terras Indígenas
O lugar do Acampamento Terra Livre (ATL) 2018 mudou de última hora: da Esplanada dos Ministérios para o Memorial dos Povos Indígenas, em Brasília. A distância até o Congresso aumentou, mas os índios não viram isso como um obstáculo para levar suas demandas à Câmara. No segundo dia da maior mobilização indígena no país, cerca de 60 lideranças de povos que vivem em diferentes regiões do Brasil reuniram-se em uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara.
Dentre as principais ameaças a seu direito territorial, as lideranças citaram o “marco temporal”, o parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, o racismo e a violência institucionalizada contra os povos indígenas. O “marco temporal” é a tese ruralista pela qual as comunidades indígenas só teriam direito às terras que estivessem sobre sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. O Parecer da AGU inviabiliza as demarcações ao aplicar a elas, entre outros pontos, o “marco temporal”. A PEC 215 pretende dar ao Congresso a última palavra sobre as demarcações, o que também pode acabar de vez com os procedimentos demarcatórios.
Diante desses ataques, as falas formaram um coro: a necessidade demarcação urgente e a importância da terra para os povos indígenas são os pilares das suas lutas.
“Quando se paralisa a demarcação das terras indígenas, se paralisa também a vida dos povos indígenas. A terra é um espaço onde a gente garante a construção da continuidade das nossas vidas”, coloca Angela Kaxuyana. “Um índio sem terra é um índio sem vida”. disse Sandro Potiguara.
Cleber Buzatto, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), sinalizou que a ofensiva ao direito indígena à terra não se dirige somente a quem luta pelo processo demarcatório, mas também aos povos que já têm suas terras homologadas pelo Executivo: “fiquem atentos! Querem consumar a invasão às terras indígenas com venda de lotes, arrendamento… uma nova fase de esbulho possessório”.
Valcélio Terena, que levou as demandas dos povos do Centro Oeste à audiência, lembrou que a relação que os não-indígenas constroem com a terra é muito diferente da forma que os indígenas a veem: “a nossa terra não tem preço para nós, para ser comercializada. A nossa terra é [feita] para sobreviver dela. A preservação da natureza anda junto com os povos indígenas”.
A defensora pública federal, Daniele de Souza Osório, que acompanha o caso dos Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul, levou à Comissão dados da Sesai e do CIMI sobre suicídios e homicídios, além de manchetes de jornais regionais que registram o conflito agrário contra os Guarani no estado mato-grossense. A disputa territorial impacta os modos de vida guarani de um modo perverso: o índice de suicídios na região é significativamente maior do que o da média nacional.
Daniele falou reforçou a urgência da continuidade das demarcações de terras indígenas no país, lembrando que esse é um procedimento que segue o texto constitucional: “O artigo 231 é muito claro: a terra tradicionalmente ocupada pelos povos indígenas é dos povos indígenas. Não é um favor”.
O ATL 2018 vai até a próxima sexta, 27/4, no Memorial dos Povos Indígenas, na Praça do Buriti, em Brasília. A mobilização conta já com mais de 3,5 mil indígenas, de mais de 100 povos de todo o Brasil.