27/03/2018

Paralisado há mais de um ano, indígenas reivindicam convocação do CNPI pelo governo

“A atitude do governo em não chamar as reuniões quebra o contrato social com os povos. Estamos falando de uma instância de governo, com indígenas que representam todos os povos do país”, afirma Douglas Kaingang

O conselheiro Elizeu Guarani e Kaiowá durante a 3ª Reunião Ordinária do CNPI, em 2016. Foto: Ana Mendes/Amazônia Real

O conselheiro Elizeu Guarani e Kaiowá durante a 3ª Reunião Ordinária do CNPI, em 2016. Foto: Ana Mendes/Amazônia Real

Por Renato Santana, Ascom/Cimi

Dilma Rousseff cumpria os 180 dias de afastamento da Presidência da República, com a abertura do processo de impeachment pelo Senado Federal, quando ocorreu a última reunião do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), sem interrupções. Depois que Michel Temer apoderou-se da faixa presidencial, em 31 de agosto de 2016, o governo federal convocou apenas mais um encontro do Conselho, que nunca terminou.

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Era uma sexta-feira, dia 25 de novembro de 2016, quando a 3ª Reunião Ordinária, que acontecia no Salão Negro do Ministério da Justiça, na Esplanada dos Ministérios (DF), foi suspensa pelas bancadas indígena e indigenista em protesto contra as propostas do governo para alterar o processo de demarcação de terras indígenas, vazado dias depois pela imprensa, e a reestruturação da Fundação Nacional do Índio (Funai) – que incluía transferir o Departamento de Proteção Territorial (demarcações) para a Casa Civil.

De lá para cá, o governo decidiu manter na geladeira o CNPI e tocar o que as lideranças indígenas têm chamado de desestruturação da política indigenista. Na última terça-feira, 20, representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) estiveram em encontro com o presidente da Funai, Franklimberg Ribeiro de Freitas, para solicitar que o Conselho volte a ser convocado pelo Ministério da Justiça. Participaram da conversa indígenas Guajajara, Krenak, Terena e Guarani.

A coordenadora executiva da APIB e vice-presidente do CNPI, Sônia Guajajara, afirmou ao presidente da Funai que inclusive a Secretaria Executiva do Conselho, então sob o comando do Ministério da Justiça, foi desativada culminando na demissão da servidora responsável; demonstração do abandono institucional completo da participação indígena na formulação de políticas públicas.

Com a paralisação, propostas como as câmaras técnicas, aprovadas a partir da 1ª Reunião Ordinária do CNPI, entre 28 e 29 de abril de 2016, poderiam estar em plena execução e enfrentando questões como territorialidade, gestão e proteção territorial, autodeterminação, saúde e educação diferenciadas. Temáticas com desafios recorrentes e violações em curso.

Neste primeiro encontro do CNPI, três outros pontos foram atentados ao âmbito institucional: revogação da Portaria 303/12 pela Advocacia-Geral da União (AGU), medida que restringe os direitos indígenas; o respeito à Convenção 169 e ao procedimento de consulta prévia, além do cumprimento das demarcações estrito à Constituição Federal.

O CNPI foi uma inovação na governança da política indigenista, analisa Douglas Kaingang. “A atitude do governo em não chamar as reuniões quebra o protocolo e o contrato social com os povos. Estamos falando de um Conselho, uma instância de governo,  com indígenas que representam todos os povos do país.  A interrupção da agenda é um desrespeito”, diz.

“Mas os representantes indígenas e indigenistas não pararam. Estamos acompanhando e dando suporte nas regiões”

Douglas Kaingang lembra que tão logo Temer assumiu a presidência, o CNPI já não cumpriu mais com suas datas previamente definidas. “Mas os representantes indígenas e indigenistas não pararam. Estamos acompanhando e dando suporte nas regiões. Estou agora lidando com um caso de tortura praticada por policiais militares contra indígenas Kaingang, em uma retomada“, afirma.

Pilares nunca erguidos

“Com o governo provisório se estabelecendo como permanente, será necessário o urgente estabelecimento de uma agenda positiva para a política indigenista do Estado brasileiro”, disse o conselheiro Weibe Tapeba na 2ª Reunião Ordinária do CNPI, realizada entre os dias 2 e 4 de agosto de 2016, já sob o governo provisório e com o ministro da Justiça Alexandre Moraes presente na sessão.

Morais, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que caso o Senado confirmasse o impeachment de Dilma Rousseff, novas relações seriam estabelecidas pelo então governo provisório com os povos indígenas. Morais citou dois pilares fundamentais para o momento que se avizinhava: “Respeito às comunidades indígenas e preservação dos seus direitos”.

Os tais pilares nunca foram erguidos. A bancada ruralista tomou de assalto a Funai, indicando o presidente, Antônio Costa. Exonerado meses depois, ao contrariar as expectativas ruralistas, Costa denunciou as inverdades ditas por Moraes no CNPI: o loteamento de cargos e a ingerência política de parlamentares . Os gastos da Funai foram congelados por 20 anos, bem como todo o orçamento social do país.

Outro ponto tratado envolveu a ofensiva que estava em curso de projetos e proposições legislativas contra o direito dos povos indígenas. Paulino Montejo, assessor político da Apib, ressaltou que seria um “suporte à bancada indígena para que se posicione sobre essas questões, como foi feito com o Estatuto dos Povos Indígenas”. Como uma instância governamental iria seguir denunciando malfeitos de quem havia tomado o poder?  

Paralisado, o CNPI não mais pressionaria o Ministério da Saúde diante do abandono do Subsistema de Saúde Indígena. Motivo que levou representantes do Ministério Público Federal (MPF) a alertarem os conselheiros do Estado  quanto ao descumprimento da Constituição em curso pelo governo federal.

“A Sesai se nega a atender em áreas retomadas e os indígenas urbanos. Isso é muito sério”, disse Capitão Potiguara.

O acompanhamento da execução das resoluções da 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista também segue parado: as câmaras temáticas ficaram encarregadas da tarefa, mas nunca saíram do papel mesmo com os conselheiros nomeados a cada uma delas. “Esta foi a primeira conferência, um marco. Nessa troca de governo, nesse golpe, tudo ficou comprometido. Com o CNPI ativo, poderíamos ter seguido fazendo o controle social das políticas públicas, nos negaram essa possibilidade”, diz Marcos Xukuru.

A lista empoeirada de resoluções segue: revogação da Portaria 303 da AGU, pronunciamento do governo contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, da Câmara Federal, marco temporal e acesso à Justiça foram abordados em encaminhamentos que nunca saíram da gaveta. “A portaria (303) está suspensa até que estudos sejam concluídos, então é algo sobre o qual não há resposta oficial”, disse representante da AGU durante a reunião de agosto de 2016.

Marco Temporal

Ao contrário, a AGU editou foi além e emitiu o Parecer 001 aprovado por Michel Temer em julho do ano passado. Nele se estabelece que a administração federal siga, em todos os processos de demarcação de terras indígenas, as condicionantes definidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do caso Raposa Serra do Sol (PET 3388) e o marco temporal.

A tese, considerada inconstitucional pelo MPF, segundo a qual só poderiam ser demarcadas as terras que estivessem sob posse dos povos indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, já era motivo de rechaço na 2ª Reunião Ordinária do CNPI. De tal forma se posicionou o CNPI em resolução:

Considerando decisões tomadas no âmbito da 2ª. Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que anularam atos administrativos de demarcação SOLICITA dessa Suprema Corte e de todas as instâncias judiciárias a defesa dos direitos originários dos povos indígenas às suas terras tradicionais, com a refutação da tese do Marco Temporal e da prova do renitente esbulho, que nega o direito dos povos indígenas expulsos de suas terras antes de 1988.”

Para o secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e integrante do CNPI, Cleber Buzatto, “a suspensão das atividades e a edição do Parecer 001/17 são parte do mesmo processo de submissão absoluta do governo Temer aos interesses do Capital ligado ao agronegócio e às suas organizações políticas, especialmente a bancada ruralista do Congresso Nacional”.

Fonte: Assessoria de Comunicação - Cimi
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