Ministros da Justiça e AGU aceitam encontro com lideranças indígenas para tratar da revogação de Portaria 303
Por Renato Santana,
de Brasília
O ministro da Justiça José Eduardo Cardozo e o advogado geral da União Luís Inácio Almeida Adams cederam às pressões do movimento indígena e irão se reunir com as lideranças para tratar da revogação da Portaria 303. O encontro ocorrerá no próximo dia 14, às 11h30, no auditório do Ministério da Justiça, em Brasília.
Mobilizados pela Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros (Apib), lideranças das organizações regionais Coiab (da Amazônia brasileira), Arpin-Sul (estados ao Sul do país), Apoinme (Minas Gerais, Rio de Janeiro e estados do Nordeste), Aty Guasu (Guarani Kaiowá) e Arpipan (povos indígenas do Pantanal) ocuparam na manhã desta sexta-feira,
Entre as lideranças, estavam Raoni Metuktire Kayapó, Megaron Txucarramãe, cacique Babau Tupinambá, Kleber Apurinã, Lindomar Terena, além de representantes de povos de todas as regiões do país.
Mobilizações pelo Brasil
Em Tocantins, cerca de 150 indígenas ocuparam também na manhã desta sexta-feira, a sede da AGU de Palmas. O movimento reivindica a revogação imediata da Portaria 303, publicada no último dia 16 de julho.
A mobilização começou com o trancamento da Avenida Teotônio Figurado, uma das principais artérias da capital tocantinense. Seis povos se articulam na ação: Apinajé, Xerente, Krahô, Javaé, Karajá de Xambioá e Krahô-Kanela.
“Queremos que a Portaria 303 seja rasgada. É mais violação dos nossos direitos. Queremos nossas terras demarcadas para vivermos nela”, afirma Wagner Krahô-Kanela. Ele explica que cada vez mais querem “detonar” os povos indígenas.
Um dos pontos da portaria é a revisão de demarcações de terras indígenas. Para os indígenas, a demarcação precisa ser feita de acordo com as leis, não como os políticos e seus aliados do agronegócio querem.
Os indígenas exigem a presença do coordenador da AGU de Palmas para que ele ouça os povos e “veja a indignação, porque parece que o governo federal não quer nos ouvir. Não é só aqui, mas em todo país”, diz o indígena.
Para Wagner e as demais lideranças que estão à frente da ocupação, a Portaria 303 interessa aos grandes latifundiários, aos grandes empreendimentos, caso das hidrelétricas e suas barragens, estradas e exploração de recursos minerais.
“Querem fazer as obras falando em economia e desenvolvimento, mas só vemos destruição, mortes e retiradas de direitos”, ataca Wagner.
Protestos em Cuiabá
Em Cuiabá, capital do Mato Grosso, os povos indígenas também se mobilizaram em protesto pela revogação da Portaria 303. Mais de 150 índios e servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) organizaram um ato público em frente ao órgão indigenista estatal.
Entre os povos presentes estavam os Paresi, Chiquitano, Nambikuara e Enauwenê-nawê. “Esse protesto é em repúdio e para pedir a revogação. Num prazo de sete dias, caso não haja uma resposta (positiva), vamos tomar medidas mais radicais, inclusive, fechamento de rodovias”, afirmou Ronaldo Zokezomaiake ao Diário de Cuiabá. Aliderança é Paresi da aldeia Rio Papagaio, em Sapezal.
Dois documentos foram protocolados na Funai, Ministério Público Federal (MPF) e Advocacia Geral da União (AGU) de Cuiabá.
No primeiro, intitulado: Povos indígenas do estado do Mato Grosso: manifesto público, as comunidades externam indignação e repudiam a Portaria 303 da AGU.
“A história da humanidade, que deveria ter como essência e princípio o respeito à pessoa humana, ou seja, cada povo respeitando a cultura, o espaço e a diversidade de cada povo. Mas infelizmente os tempos e as gerações não testemunham esta convivência", diz trecho do manifesto.
Em outro documento elaborado pelos indígenas, a Portaria 303 é tratada como Porcaria 303. "(…) é praticamente um ato inédito na política indigenista do Brasil recente, que explicitamente e publicamente o Governo Federal age de má fé”, escrevem os indígenas num dos trechos do texto.
Direcionado também ao Supremo Tribunal Federal (STF), o documento foi encaminhado à imprensa regional, nacional e internacional, bem como aos diversos setores da sociedade brasileira, comunidade internacional e às Nações Unidas (ONU).
Efeitos da Portaria 303
A portaria pretende estender condicionantes decididas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Judicial contra a Terra Indígena Raposa Serra do Sol para as demais terras indígenas. Porém, a decisão dos ministros ainda não transitou em julgado e essas condicionantes podem sofrer modificações ou serem anuladas.
Justificando “flagrante inconstitucionalidade”, juristas, como Dalmo Dallari, e setores do próprio governo federal se levantaram contra a portaria. Durante o contexto de publicação da medida, a presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marta Azevedo, revelou estar sendo pressionada. Para o movimento indígena e indigenista, justamente pelos interesses e interessados que articularam a iniciativa da AGU.
Isso porque a Portaria 303 determina, entre outras medidas, que as terras indígenas podem ser ocupadas por unidades, postos e demais intervenções militares, malhas viárias, empreendimentos hidrelétricos e minerais de cunho estratégico, sem consulta aos povos. Por um mero instrumento, a AGU desconstrói o direito constitucional indígena de usufruto exclusivo da terra de ocupação tradicional.
Desconsidera, assim, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário desde 2004. Para os indígenas, o governo federal é cínico ao não revogar a portaria, publicada no momento em que os povos indígenas são chamados para “dialogar” sobre a promoção e a proteção dos direitos indígenas no âmbito da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) e para regulamentar a Convenção 169.
Por fim, a Portaria 303 determina a revisão das demarcações em curso ou já demarcadas que não estiverem de acordo com o que o STF decidiu para o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol – ou melhor, ainda não decidiu.
Foto: Ruy Sposati