30/11/2011

PEC que condiciona a demarcação de terras à aprovação do Congresso Nacional viola a Constituição Federal

Parecer sobre a Proposta de Emenda Constitucional nº 215, de 2000

 

I.                     Proposição

 

Trata-se de Proposta de Emenda Constitucional de nº 215, de 2000, apresentada por parlamentares, tendo à frente o Deputado Almir Sá, na qual sugere que:

 

1.       se acrescente ao art. 49 da Constituição Federal, o inciso, renumerando-se os demais, com o seguinte teor:

 

Art. 49 – É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

(novo inciso) – aprovar a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e ratificar as demarcações já homologadas”;

 

2.       se altere a redação do § 4º do art. 231 da Constituição Federal e acrescenta um oitavo parágrafo neste mesmo art. 231 da CF, de forma a passar a vigorar com as seguintes redações:

 

§ 4º As terras de que trata este artigo, após a respectiva demarcação aprovada ou ratificada pelo Congresso Nacional, são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis”;

 

§ 8º Os critérios e procedimentos de demarcação das Áreas indígenas deverão ser regulamentados por lei”.

 

 

II.                  Parâmetros Constitucionais para a admissibilidade da PEC 215/2000

 

Na Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, nos termos do que estabelece a alínea “b” do inciso III do art. 32, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados cabe a apreciação da “admissibilidade de proposta de emenda à Constituição”, que deverá se pautar, portanto, pelos parâmetros fixados no art. 60 da Constituição Federal, em especial o disposto no seu § 4º.

 

O disposto nos §§ 1º e 5º do art. 60 da CF, não se aplicam no presente caso.

 

O § 4º do art. 60 da CF, é taxativo ao estabelecer que:

 Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I – a forma federativa de Estado;

II – o voto direto, secreto, universal e periódico;

III – a separação dos Poderes;

IV – os direitos e garantias individuais”.

 

III.                  Proposta tendente a abolir a separação dos Poderes

 

Com efeito, a PEC 215/2000, ao relacionar na competência exclusiva do Congresso Nacional: “a aprovação das demarcações das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e ratificar as demarcações já homologadas”; conforma pretensão legislativa de forma que uma das ações administrativas do Poder Executivo ficaria condicionada à validação de um outro Poder da República, o Poder Legislativo.

 

A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios decorre de imperativo constitucional, consignado no caput do Art. 231 da CF, ao estabelecer “competir à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

 

A demarcação consiste em ato administrativo, por intermédio do qual a administração pública federal explicita os limites das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, baseado em elementos de prova documental, testemunhal e pericial, fixando marcos oficiais, sinalizadores do limite da terra demarcada.

 

Esse ato administrativo tem natureza declaratória dos limites da terra tradicionalmente ocupada pelos índios, que consiste em um bem da União, por força do que estabelece o inciso XI do art.20 da CF e sobre a qual os índios exercem a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas naturais existentes no solo, nos rios e nos lagos.

 

A União, que nos termos do art. 19 da Lei nº 6.001/73 e do Decreto nº 1775/96, atribui a concretização das demarcações à Fundação Nacional do Índio e ao Ministro de Estado da Justiça. Em seguida, a demarcação é homologada, por expressa determinação legal, pelo Exmo Senhor Presidente da República, para, em seguida ser registrada em Cartório Imobiliário e no Serviço de Patrimônio da União.

 

Sob o aspecto estritamente jurídico, uma terra estará efetivamente demarcada, quando estiver com seus limites registrados em Cartório, após ter sido demarcada e homologada.

 

Como se pode, portanto, pretender, que após conformado em Cartório, um ato da administração pública, este mesmo ato venha a ser submetido a aprovação de um outro Poder da República, sem que haja invasão nas atribuições do Poder Executivo?

 

Mesmo que se pretendesse interpretar a “demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”, como a fase na qual a administração pública fixa os marcos nos limites de seu bem patrimonial, disponibilizado para a posse permanente e o usufruto exclusivo pelos índios, ainda assim, a proposta de emenda constitucional afigura-se incongruente e atentatória ao erário, na medida em que estaria permitindo que gastos públicos fossem feitos, alguns até resultantes de processo licitatório, para a contratação de empresas de topografia, para em seguida, virem a ser objeto de aferição por outro Poder da República.

 

Não se alegue, ainda, o disposto no inciso XVI do art. 49 da CF, como justificativa legitimadora da proposição em comento.

 

A atribuição ao Congresso Nacional, da autorização para a exploração e aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais em terras indígenas foi fixada pelo poder constituinte originário e somente ocorrerá após fixação de condições específicas, previstas em lei.

 

No caso, o poder constituinte derivado não pode pretender reduzir as atribuições que constitucionalmente os constituintes originários não lhe atribuíram.

 

A inovação objeto da PEC 215/2000, além de acrescentar atribuições ao Poder Legislativo, invade atribuições do Poder Executivo, condicionando a validade de seus atos à vontade dos membros do Congresso Nacional.

 

IV.                Conclusão

 

Do exposto, concluímos pela inadmissibilidade da PEC 215/2000, por violação ao disposto no inciso III do § 4º do art. 60 da Constituição Federal.

 

Brasília, 24 de junho de 2004.

 

Paulo Machado Guimarães

Assessor Jurídico do Cimi

 

Fonte: Cimi - Assessoria Jurídica
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