Terra Terena, Luta e Sonho
Ao rufar dos tacapes,
Lançados compassadamente
Contra a terra,
Aos gritos de guerra,
de terra e de paz,
os guerreiros da esperança,
Em retomada
De seu sagrado chão,
Não apenas propiciavam
Um espetáculo cinematográfico,
Mas uma emocionante
Demonstração de que a energia
Que brota da raiz
É a seiva da vitória
Irrigando o futuro!
O sonho realidade
Está nos gestos
De dignidade
Das crianças dançando
Das mulheres gritando
“queremos nossa terra!”
Dos guerreiros atentos
Ouvindo e debatendo
O seu direito
Sendo sujeitos
De uma nova história,
Em seu território tradicional
“Hasta La vitória final!”
Nunca antes visto espetáculo igual. A chegada à sagrada terra retomada na terra Indígena Buriti nos encheu de emoção e certeza – Deus e a vitória estão com quem tem dignidade, superando o capital e o poder! É um absurdo continuar negando a sagrada terra a quem nela tem sua história de milhares de anos, sabe conviver harmonicamente com a diversidade de vida nela existente, e dela tira carinhosamente seu sustento. O povo Terena, assim como os demais povos indígenas, tem essa relação profunda com a terra, e com maestria desenvolvem uma agricultura de fartura e harmonia.
Uma luta de dez anos
“Aqui estão os guerreiros, aqui está o meu povo. Lutamos há dez anos pelo nosso chão sagrado. Aqui estamos. Daqui não sairemos. Queremos que o governo resolva logo essa situação. A terra já está identificada e ficou tudo parado. Queremos uma solução.” A afirmação de um dos líderes do grupo, no início de um longo debate de três horas, nos situou na importante decisão do grupo. Essa é a maneira que lhes restou de ajudar o governo a cumprir a Constituição e a legislação internacional que garantem aos povos indígenas suas terras tradicionais e indispensáveis para sua reprodução física e cultural.
Desde o início deste século 21, o povo Terena vem intensificando suas iniciativas de recuperação de parte de seu território tradicional. Esbarram na reação articulada dos grandes interesses econômicos e políticos. As terras estão concentradas nas mãos de políticos, como o ex-governador Pedro Pedrosian, de ex-deputados e dos grandes latifundiários da região. Infelizmente essa estrutura perversa continua prevalecendo sobre os direitos coletivos dos povos indígenas, dos quilombolas e de outros que querem viver e produzir num pedaço de terra.
Enganaram-se os estudiosos e antropólogos que, em décadas passadas, trabalhavam com um previsível cenário dos Terenas integrados nos ambientes urbanos e periferias das cidades, abandonando assim suas terras e competindo nas estruturas dos não indígenas, deixando sua cultura, integrando-se totalmente à sociedade ocidental não indígena. Hoje os mais de 20 mil Terenas no estado do Mato Grosso do Sul não apenas estão retomando parte de seus territórios tradicionais, como estão revitalizando sua cultura e identidade.
Violências e mentiras
“Digam ao Brasil e ao mundo a verdade, o que se passa aqui, nossa luta e nossos sonhos”, foi uma das solicitações que fizeram a nós, enquanto Cimi. A imprensa-empresa regional, infelizmente continua noticiando de forma distorcida e parcial os fatos relacionados à retomada de algumas fazendas pelo povo Terena, dentro dos 17 mil hectares identificados como sendo parte de seu território tradicional.
O governo do estado se apressou a enviar a polícia militar ao local para hostilizar os Terena na retomada da fazenda querência São José. Jogaram gás lacrimogêneo e atiraram com balas de borracha contra os indígenas. Um deles ficou ferido tendo que ser hospitalizado. “Queremos que os responsáveis paguem pelo que fizeram com nosso guerreiro”. Decidiram ingressar na justiça denunciando as agressões e mentiras, pedindo punição e indenização.
As centenas de Terena organizados na retomada estão esperançosos de que a questão de suas terras seja resolvida o mais rápido possível, para que todos possam trabalhar e viver em paz. Por isso buscam dialogar com o Ministério Público e os desembargadores que têm uma vinda agendada para o estado no início de novembro.
Egon Heck
Cimi MS